Como o homem exterminou o único papagaio nativo da região continental dos EUA
O último periquito-da-carolina morreu em cativeiro em 1918. Agora, novas análises genéticas revelam a causa de sua extinção.
Os Estados Unidos eram mais coloridos quando bandos de periquitos-da-carolina voavam pelo céu como fogos de artifício diurnos, em tons de laranja, amarelo e verde.
A área de ocorrência da única espécie nativa de papagaio dos Estados Unidos se estendia do sul da Nova Inglaterra até a Flórida e o oeste do Colorado, mas o último indivíduo morreu em cativeiro no zoológico de Cincinnati em 1918. Desde então, o periquito-da-carolina simboliza o risco de extinção nos Estados Unidos, assim como o dodô no cenário global.
Um século após o sobrevoo do último periquito pelos Estados Unidos, resta um mistério: a única causa do desaparecimento do pássaro de cerca de 30 centímetros de comprimento foi o homem? Produtores rurais, que os consideravam pragas nas plantações, exterminavam facilmente bandos inteiros, já que os animais tinham o infeliz hábito de se reunir ao redor de seus companheiros mortos. Caçadores matavam os periquitos em busca de sua plumagem, um acessório popular para chapéus no século 20. E a perda de habitat — sobretudo com a limpeza de terrenos para a agricultura — também destruiu as árvores que as aves utilizavam e onde faziam ninhos.
Ainda assim, alguns especialistas especulam a existência de outras causas: desastres naturais, como incêndios e enchentes, podem ter fragmentado o habitat dos pássaros, que podem ter sido expostos a doenças nocivas transmitidas pela criação de aves domésticas.
Agora, um grupo de pesquisadores internacionais sequenciou o genoma do periquito-da-carolina e concluiu que a interferência humana foi responsável pelo rápido declínio do pássaro, que acabou entrando em extinção, segundo um estudo publicado no periódico Current Biology.
Essa pesquisa é crucial porque pode permitir aos atuais conservacionistas prever e atenuar ameaças às espécies atualmente em risco, afirma Kevin Burgio, ecologista do Instituto Cary de Estudos sobre Ecossistemas, que não participou do estudo.
Para futuros planos de conservação, “precisamos determinar qual atividade humana foi a principal responsável e como é possível evitar que outras espécies tenham o mesmo destino”.
Sinais de um fim súbito
Felizmente, os cientistas obtiveram amostras do fêmur e dos coxins plantares de um espécime preservado de periquito-da-carolina em uma coleção particular em Ginora, na Espanha. Acredita-se que o espécime tenha sido coletado no início do século 20. Contudo seu DNA estava fragmentado demais para ser utilizado sozinho.
Assim, para estudar o genoma do periquito-da-carolina, foi necessário antes sequenciar o genoma de sua parente próxima, ainda viva, a jandaia-amarela.
“É comum, ao estudar um DNA antigo, utilizar o genoma de um parente próximo como referência para mapear o antigo”, afirma Carles Lalueza Fox, coautor do estudo, biólogo da Universidade Pompeu Fabra em Barcelona, Espanha.
“Por esse motivo, o genoma do elefante asiático é utilizado como referência para o genoma do mamute”, disse ele por e-mail.
A análise do DNA de ambas as espécies feita por Lalueza Fox e colegas, quando comparada com genomas já estabelecidos de muitas outras espécies de aves, revelou que os periquitos-da-carolina e as jandaias-amarelas já estavam separados há cerca de três milhões de anos na árvore filogenética.
Primeiramente, a equipe procurou sinais de consanguinidade, que podem ser facilmente observados nos genes de animais e são um indício de que uma espécie sofreu um declínio lento, em vez de um fim mais súbito (em termos de evolução, súbito significaria centenas de anos de caça). O espécime de periquito-da-carolina não apresentava sinais de consanguinidade.
Aliás, o genoma do periquito-da-carolina é mais geneticamente diverso do que o de muitas aves atualmente vivas, o que “sugere um processo abrupto de extinção que não deixou marcas no genoma do periquito”, conta Lalueza Fox.
Além disso, doenças transmitidas por aves domésticas, uma das possíveis causas para a extinção dos pássaros, não foram encontradas na análise genética, explica Lalueza Fox. Mas ainda é possível que a doença tenha tido um papel no extermínio do periquito.
Evitando futuras extinções
“É de amplo consenso entre aqueles que estudam o periquito-da-carolina — inclusive eu — que a atividade humana direta e indireta provocou a extinção da espécie”, afirma Burgio.
Burgio estudou relatos históricos e espécimes de museus para descobrir a ecologia da espécie extinta, e sugere que a área de ocorrência dos pássaros era realmente menor do que se acreditava, e que as subespécies do leste e do oeste ocupavam regiões de climas distintos.
Em um artigo ainda não publicado e não avaliado por especialistas, Burgio afirma que as duas subespécies de periquito-da-carolina provavelmente foram extintas em um intervalo de pelo menos 30 a 40 anos. O estudo também destaca que as condições da extinção desse pássaro — como a rápida expansão industrial — são muito semelhantes com aquelas do atual mundo urbanizado.
É por esse motivo que o novo estudo ressalta uma necessidade premente de observar quais comportamentos do homem reduzem as populações de várias espécies, explica ele. Isso poderia impedir que seguissem o mesmo caminho do periquito.