Cães podem alertar para exposição a substâncias tóxicas em casa

Cães e pessoas carregam em seus organismos quantidades significativamente semelhantes de produtos químicos domésticos comuns, um possível benefício à saúde humana.

Por Carrie Arnold
Publicado 19 de jun. de 2020, 07:45 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Cães domésticos têm características físicas e doenças semelhantes às dos humanos, principalmente cânceres.

Cães domésticos têm características físicas e doenças semelhantes às dos humanos, principalmente cânceres.

Foto de Robin Siegel, Nat Geo Image Collection

Mais de 10 mil anos de domesticação transformaram os cães em seres bastante semelhantes aos humanos, o que inclui desde sua habilidade de ler nossas expressões faciais até nossos genomas estreitamente relacionados. Agora, novo estudo revela que cães e humanos carregam em seus organismos os mesmos produtos químicos tóxicos — uma descoberta que poderia ser benéfica à saúde humana.

Diversos itens do cotidiano, de embalagens de alimentos a cosméticos, contêm substâncias nocivas, como pesticidas, retardadores de chamas e ftalatos, que são utilizados para deixar o plástico mais maleável. A exposição crônica em longo prazo a esses três grupos químicos comuns tem sido associada a doenças, incluindo diversos tipos de câncer.

Como os cães são muito parecidos conosco, e compartilham o mesmo espaço de convívio, pela primeira vez cientistas investigaram como produtos químicos industriais impactam humanos e cães de estimação que vivem na mesma casa.

Utilizando pulseiras de silicone e coleiras — uma tecnologia relativamente nova para detectar exposição a substâncias químicas — a equipe encontrou semelhanças notáveis entre as cargas químicas dos cães e de seus donos, de acordo com o estudo publicado na revista científica Environmental Science and Technology.

Os resultados são animadores, afirma a líder do estudo, Catherine Wise, porque demonstram que os cães podem atuar como um sistema de alerta precoce para a saúde humana, fornecendo pistas valiosas sobre os efeitos prejudiciais dessas exposições.

Muitas vezes, são necessárias décadas até que doenças relacionadas a produtos químicos se manifestem nas pessoas, mas o impacto nos animais de estimação pode levar apenas alguns anos, diz Wise, doutoranda na Universidade Estadual da Carolina do Norte. Desta forma, se os cientistas descobrissem que ftalatos causam câncer em cães, por exemplo, poderiam fornecer orientações às pessoas para que fiquem mais vigilantes quanto à exposição a plásticos.

Wise acrescenta que sua pesquisa é particularmente relevante agora devido à pandemia do coronavírus.

“Pelo fato de a maioria de nós precisar ficar em casa com nossos cães por muito mais tempo”, diz ela, a importância de “nosso ambiente compartilhado nunca foi tão grande quanto atualmente”.

Caninos em destaque

O fato de as exposições químicas afetarem nossos animais de estimação não surpreende, mas o que ninguém sabia era o nível de correlação dessas exposições, tampouco a influência delas na expectativa de vida de um animal de estimação, explica o coautor do estudo, Matthew Breen, especialista em câncer canino na Universidade Estadual da Carolina do Norte.

“Os cães têm tipos de câncer muito semelhantes, então não faria sentido os cães também estarem nessa situação por compartilharem o mesmo ambiente?”, questiona Breen. “Os cães respiram o mesmo ar e bebem da mesma água, e quando jogamos uma bola pelo parque, eles correm pela mesma grama tratada com herbicida.”

Para o estudo, Breen e Wise enviaram pulseiras de silicone e placas de identificação a 30 pessoas e seus cães em Nova Jersey e Carolina do Norte, e pediram aos participantes do estudo que as usassem por cinco dias em julho de 2018. Os participantes então enviaram os itens de volta a Wise e Breen, que embeberam as pulseiras e as placas de identificação em um solvente químico para extrair os compostos coletados.

Os níveis de poluentes foram semelhantes em cães e humanos. Por exemplo, os cientistas encontraram um tipo de bifenil policlorado (PCB) em 87% das pulseiras usadas pelos humanos e 97% das placas de identificação usadas pelos cães. Esses produtos químicos já foram amplamente utilizados como fluidos refrigerantes em eletrônicos e em diversos processos industriais antes de serem proibidos pelo governo dos Estados Unidos em 1979.

O silicone é bastante eficaz porque absorve passivamente produtos químicos de maneira semelhante às células humanas, dando aos cientistas uma ideia não apenas dos produtos químicos com os quais uma pessoa tem contato durante o uso da pulseira, como também a quantidade. Anteriormente, os cientistas só conseguiam quantificar produtos químicos encontrados no sangue e na urina, diz Kim Anderson, toxicologista ambiental da Universidade Estadual de Oregon, que desenvolveu a tecnologia da pulseira.

“Você e eu podemos ser expostos exatamente ao mesmo composto, ao mesmo tempo, e ele aparecerá em nossa urina de formas bem diferentes”, explica Anderson, o que dificulta a compreensão do nível de exposição de uma pessoa a um produto químico.

Mas Anderson adverte que estudos desse tipo não conseguem provar se um determinado composto gera um resultado específico: é possível somente demonstrar associações.

Conexões químicas

A pesquisa se baseia em trabalhos anteriores realizados em outros animais, incluindo cavalos e gatos. Em 2019, Anderson detectou uma associação entre retardadores de chama e uma doença em gatos conhecida como hipertireoidismo felino. Isso ocorre porque os gatos gostam de descansar em móveis estofados, que geralmente contêm retardadores de chama.

Anderson também adaptou a pulseira de silicone transformando-a em uma espécie de colar para cavalos, e publicou um estudo em abril que demonstra uma forte relação entre potros doentes e substâncias químicas liberadas por uma operação de fraturamento hidráulico nas proximidades, no estado da Pensilvânia.

Agora que Wise e Breen estabeleceram essa conexão em cães, eles planejam usar o mesmo método para estudar a relação de produtos químicos com câncer de bexiga nos caninos. Pesquisas anteriores já haviam encontrado relações entre a exposição de um cão a herbicidas em um gramado e desenvolvimento de câncer de bexiga.

Mas a pesquisa continuará somente quando os laboratórios forem reabertos. No momento, Wise ainda está em casa, brincando com sua cadela de resgate, Simbaa. “Ela me faz companhia e faz participações especiais nas minhas reuniões do Zoom, embora tente competir com nossos dois gatos, Loki e Nebula, para ver quem chama mais atenção.”

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