Fotografias de turistas põem gorilas selvagens em risco de contrair covid-19

A maioria das fotografias com gorilas encontradas por pesquisadores no Instagram violavam regras de distanciamento social que deveriam proteger esses grandes símios ameaçados de extinção.

Por Rachel Nuwer
Publicado 25 de fev. de 2021, 17:00 BRT
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Um gorila-das-montanhas sendo fotografado no Parque Nacional dos Vulcões, em Ruanda. Estes animais podem contrair doenças humanas, por isso, o distanciamento e outras medidas são importantes para protegê-los.

Foto de Christophe Courteau, Nature Picture Library, Alamy Stock Photo

A covid-19 não é uma doença exclusivamente humana — os animais podem contrai-la também. Espécies infectadas até agora incluem gatos domésticos, leões, tigres, visons e cachorros. Em janeiro, três gorilas do Parque Zoológico Safári de San Diego, na Califórnia, testaram positivo, os primeiros casos da doença em primatas não humanos.

Os gorilas — que provavelmente foram infectados por cuidadores assintomáticos — se recuperaram com auxílio médico. Winston, o líder do bando, de 49 anos, que possui um problema cardíaco pré-existente, desenvolveu pneumonia e recebeu antibióticos, medicamentos para o coração e tratamento com anticorpos monoclonais.

O fato de esses grandes símios serem suscetíveis ao coronavírus não surpreende os pesquisadores, dada a semelhança entre humanos e primatas, incluindo gorilas, chimpanzés e orangotangos. A preocupação agora é que esses animais possam ser expostos à covid-19 na natureza.

Um novo estudo publicado na revista científica People and Nature mostra que o risco é real.

Para ter uma ideia de como os turistas chegam perto dos gorilas-das-montanhas selvagens nos três países onde vivem os primatas ameaçados de extinção — Uganda, Ruanda e República Democrática do Congo — uma equipe de cientistas analisou fotos de turistas com os animais tiradas antes da pandemia se instalar. Eles descobriram que a maioria das pessoas que publicava essas fotos se aproximava dos gorilas mais do que o permitido, muitas vezes ficando perto o suficiente para transmitir doenças como o coronavírus.

“Observamos que as normas nem sempre são seguidas e que a distância média entre turistas e gorilas tem se tornado cada vez menor nos últimos sete anos”, declara Magdalena Svensson, professora da Universidade Oxford Brookes, no Reino Unido, e coautora do estudo publicado na revista científica People and Nature.

A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), que monitora o risco de extinção das espécies de vida selvagem, publica diretrizes de boas práticas para o turismo envolvendo grandes símios, que recomendam manter uma distância de pelo menos sete metros dos animais e usar máscaras. Uganda, Ruanda e República Democrática do Congo já tinham adotado a regra de distanciamento de sete metros antes da pandemia; mas apenas o último país citado exigia o uso de máscaras.

O turismo para visitação de gorilas está funcionando no momento, embora com capacidade limitada e segurança mais rígida do que antes da pandemia. Mas Svensson alerta que os animais correrão um risco significativo de contrair covid-19 se as regras não forem reforçadas e aplicadas daqui para frente.

“Não queremos acabar com o turismo de gorilas ou impedir que as pessoas vejam esses animais incríveis, mas queremos deixar tudo o mais seguro possível para todos”, esclarece ela.

Sujeitos a infecções

O turismo é um grande ponto positivo para a proteção dos primatas, trazendo recursos financeiros essenciais para apoiar as iniciativas de preservação e as economias locais. Ele também ajuda a manter os caçadores afastados ao trazer visitantes e guardas florestais para áreas onde os animais são encontrados e mostra à população local a importância de manter os grandes símios vivos e saudáveis.

No entanto, devido à semelhança genética dos humanos com os símios, nós transmitimos constantemente uma série de doenças a eles, desde E. coli até sarna, giárdia e pneumonia.

As doenças respiratórias são um mal particular. Diversos patógenos que em geral causam apenas sintomas semelhantes aos de um resfriado em humanos podem ser fatais para os grandes símios — esses vírus são a principal causa de morte para algumas populações de animais. Em 2016 e 2017, por exemplo, um surto de doenças respiratórias humanas em chimpanzés no Parque Nacional Kibale, em Uganda, matou 25 animais de um único grupo e infectou 44% dos 205 membros do grupo.

Os gorilas do Zoológico de San Diego são os primeiros primatas conhecidos a terem sido infectados pela covid-19 fora de um laboratório. Em experimentos, cientistas confirmaram que macacos-verdes-africanos, rhesus e cinomolgos podem contrair o vírus e apresentar sintomas graves.

“Todos os símios e muitos macacos são certamente suscetíveis à infecção e a adoecer com a covid-19”, explica Tony Goldberg, epidemiologista da Universidade de Wisconsin em Madison.

Se gorilas selvagens forem infectados pelo coronavírus, o quadro provavelmente será mais grave do que nos animais em cativeiro no Zoológico de San Diego, que receberam “excelentes cuidados veterinários”, acrescenta Goldberg. “Provavelmente o vírus se espalharia muito rapidamente entre as famílias de gorilas, que passam o tempo inteiro juntas.”

Pesquisa criativa

Svensson e seus colegas estavam interessados em observar de perto como as normas da UICN eram seguidas por pessoas que tentavam ver gorilas. Com as limitações atuais para viagens, eles buscaram no Instagram uma perspectiva de como os turistas se comportam nos locais. “Estamos tentando ser criativos e fazer pesquisas que possam ajudar na preservação dos primatas, mesmo que [remotamente]”, conta Svensson.

Uma pesquisa usando as hashtags #gorillatrekking e #gorillatracking revelou 858 fotos com gorilas-das-montanhas publicadas de 2013 a 2019. Svensson e um colega estimaram separadamente a distância entre o gorila e o humano em cada foto. Se seus cálculos diferissem muito, eles pediam a um terceiro colega para avaliar a distância.

Os resultados não apresentam um panorama completo de como todos os turistas se comportam nos locais em torno dos cerca de mil gorilas-das-montanhas que sobrevivem na natureza hoje, mas sugerem que um número significativo de pessoas não está seguindo as regras. Das 858 fotos, 86% foram tiradas a até quatro metros de um gorila, e apenas 3% a pelo menos sete metros de distância, como recomendado. Em 25 fotos, as pessoas estavam até tocando os animais.

Os turistas parecem ter se aproximado cada vez mais dos grandes símios: durante o período de seis anos estudado, a distância média entre as pessoas e os gorilas diminuiu em cerca de um metro.

Os pesquisadores também investigaram o uso de máscaras nas fotografias. Na República Democrática do Congo, onde o uso de máscaras é obrigatório, foi descoberto que 65% das pessoas as usavam. Em Uganda e Ruanda, onde as máscaras não são obrigatórias, nenhuma pessoa tirando fotos usava. Com a pesquisa de campo e o turismo de vida selvagem retornando lentamente, Ruanda e Uganda agora exigem o uso de máscaras e aumentaram a distância de segurança de sete para quase 10 metros. Não está claro se essas mudanças serão permanentes. (As expedições da National Geographic que levam visitantes para ver os grandes símios seguem os protocolos de segurança estabelecidos pelas autoridades governamentais de vida selvagem.)

“Os autores desse artigo devem ser parabenizados por reconhecerem fotografias como uma fonte de dados subutilizada”, declara Goldberg, que não participou da pesquisa. “É muito difícil obter dados precisos sobre encontros com símios selvagens a partir de entrevistas com turistas ou guias, e as fotos podem revelar diferentes aspectos da experiência turística que podem não ser evidentes em outras formas.”

Uma chance de mudar

Os problemas revelados no estudo das fotografias não são exclusivos dos gorilas, acrescenta Goldberg. Em 2018, um de seus alunos de pós-graduação, Darcey Glasser, participou de 101 excursões de observação de chimpanzés em Uganda e registrou mais de 900 casos de turistas tossindo, espirrando, urinando ou cuspindo  no habitat de chimpanzés — o que poderia propagar doenças . Glasser também observou diversos momentos em que os turistas tocaram troncos e galhos de árvores com os quais os chimpanzés poderiam entrar em contato. Embora tocar em árvores não viole nenhuma regra atual, é uma das muitas formas possíveis de transmissão de doenças que poderiam ser atenuadas com medidas mais rigorosas, conclui Glasser.

Svensson conta que espera que a pandemia do coronavírus ajude a melhorar a regulamentação e a fiscalização do turismo de primatas. O uso de máscaras, ela explica, agora é norma, e poderiam ser facilmente incluídas como acessórios obrigatórios para todas as aproximações de primatas.

Gladys Kalema-Zikusoka, veterinária e fundadora da Conservation Through Public Health, uma organização sem fins lucrativos para preservação da saúde pública com sede em Uganda que promove a coexistência de pessoas, gorilas e outros animais selvagens, também espera que a covid-19 traga o impulso para uma mudança positiva.

“Os resultados dessa pesquisa serão úteis para criar uma cultura de turismo responsável para proteção de gorilas, chimpanzés e orangotangos, e também podem ser adaptados para outros primatas”, afirma ela.

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