Grandes símios são os primeiros a receber vacina contra a covid-19 específica para animais

Segundo informações fornecidas à National Geographic, orangotangos e bonobos do zoológico de San Diego, nos EUA, foram vacinados contra o novo coronavírus, após gorilas do zoológico terem testado positivo para o vírus em janeiro.

Por Natasha Daly
fotos de Brent Stirton
Publicado 5 de mar. de 2021, 12:15 BRT
San Diego Zoo gorilla troop

Frank, um gorila de 12 anos do Parque Safári Zoológico de San Diego, é fotografado depois de ter se recuperado da covid-19. Após o bando de oito gorilas-ocidentais-das-terras-baixas adoecer em janeiro, a empresa farmacêutica veterinária Zoetis forneceu à equipe do zoológico vacinas experimentais contra a covid-19 para administração a outros grandes símios do local, incluindo bonobos e orangotangos.

Foto de Brent Stirton, Getty Images for National Geographic

Uma fêmea de orangotango chamada Karen, primeiro animal do mundo a passar por uma cirurgia cardíaca aberta, em 1994, entrou para a história da medicina veterinária novamente: ela está entre os primeiros grandes símios a receber uma vacina contra a covid-19. 

Em fevereiro, Karen, três outros orangotangos e cinco bonobos do zoológico de San Diego receberam duas doses cada de uma vacina experimental para animais desenvolvida pela farmacêutica veterinária Zoetis, conta Nadine Lamberski, diretora de preservação e saúde de animais selvagens da Aliança de Vida Selvagem do Zoológico de San Diego.

A Zoetis enfatiza que a vacina não foi desenvolvida, testada e nem é adequada para uso em humanos.

“Isso não é comum. Ao longo da minha carreira, não tive acesso a uma vacina experimental tão precocemente durante o processo de desenvolvimento e nunca tive tamanha vontade de testar uma vacina”, destaca Lamberski.

Nadine Lamberski, diretora de saúde de animais selvagens da Aliança de Vida Selvagem do Zoológico de San Diego, fotografada próximo ao habitat dos gorilas. Após um mês turbulento tratando dos primeiros primatas não humanos do mundo a testarem positivo para o novo coronavírus, ela decidiu vacinar os outros grandes símios do local. “Ao longo da minha carreira, não tive acesso a uma vacina experimental tão precocemente durante o processo de desenvolvimento e nunca tive tamanha vontade de testar uma vacina”, ela destaca.

Foto de Brent Stirton, Getty Images for National Geographic

Esse marco foi precedido por outro: em janeiro, oito gorilas do Parque Safári Zoológico de San Diego foram os primeiros grandes símios do mundo a testarem positivo para o novo coronavírus. O gorila macho Winston, de 49 anos, apresentou doença cardíaca e pneumonia, mas após um tratamento experimental com anticorpos, está se recuperando, assim como os demais animais.

Globalmente, infecções também foram confirmadas em tigres, leões, visons, leopardos-das-neves, pumas, um furão, cães e gatos domésticos, mas o fato de grandes símios serem suscetíveis ao Sars-CoV-2 deixou cientistas especialmente preocupados. Restam menos de cinco mil gorilas na natureza e, como os membros do bando vivem muito próximos, pesquisadores temem que se um animal contrair o vírus, possa espalhar a infecção rapidamente e colocar em risco populações já ameaçadas de extinção. 

Após mais de um ano desde o início da pandemia, ainda pouco se sabe sobre como o vírus afeta os animais. Em diversos casos, a comunidade veterinária deve confiar em conjuntos de dados limitados, aprendendo o possível com casos individuais e surtos esporádicos em diferentes espécies.  

Após o primeiro cão testar positivo para o vírus, em fevereiro de 2020, na cidade de Hong Kong, a farmacêutica veterinária Zoetis começou a desenvolver a vacina contra a covid-19 para cães e gatos. Em outubro, a segurança e a eficácia foram determinadas para ambas as espécies. Lamberski já estava em contato com a Zoetis após o desenvolvimento da vacina quando o grupo de gorilas do parque safári testou positivo em janeiro.

Apesar de a vacina ter sido testada apenas em cães e gatos, Lamberski acreditava que valia a pena arriscar. Considerando o parque safári e o zoológico, ela e sua equipe cuidam de 13 gorilas, oito bonobos e cinco orangotangos — todos potencialmente vulneráveis e passando um tempo significativo em alojamentos internos, onde a probabilidade de transmissão da doença é maior. Em fevereiro, enquanto eram distraídos com petiscos para a aplicação da injeção, nove dos grandes símios do zoológico de San Diego se tornaram os primeiros primatas não humanos a receber uma vacina contra a covid-19 nos Estados Unidos.

Os símios não apresentaram reações adversas e estão bem, afirma Lamberski. Em breve, resultados do exame de sangue coletado de Karen, a orangotango, e de um dos bonobos, revelarão se os animais desenvolveram anticorpos, o que indica que a vacina pode estar surtindo efeito. Três doses restantes serão aplicadas em dois bonobos e em um dos gorilas do zoológico, que não contraíram o vírus. (Os outros oito gorilas vivem separadamente, no parque safári.)

Ponderando os riscos

Não era possível ter certeza se a vacina teria eficácia nos símios e se eles apresentariam uma reação imune adversa. Embora sempre exista um risco ao aplicar qualquer vacina em qualquer espécie, Lamberski esclarece que “não se trata de simplesmente pegar uma vacina e administrar em uma nova espécie. Isso envolve muito cuidado e pesquisa — sobre qual o risco de vacinar ou deixar de vacinar. Nosso objetivo é, acima de tudo, não prejudicar os animais”.

É comum administrar uma vacina testada e desenvolvida para uma espécie em outra, explica Lamberski e Mahesh Kumar, vice-presidente sênior de biologia global da Zoetis. Devido ao fato de que vacinas são desenvolvidas para um patógeno específico, não para uma espécie específica. “É comum utilizarmos vacinas desenvolvidas para cães e gatos em leões e tigres”, salienta Lamberski, e os símios do zoológico recebem vacinas humanas contra gripe e sarampo.

O que torna uma vacina adequada para uma espécie específica são  seus testes de segurança, e o que a torna eficaz são os adjuvantes adicionados. Adjuvantes, substâncias que auxiliam o organismo a produzir anticorpos contra o vírus, são fundamentais para ajudar o organismo a absorver a vacina de forma apropriada e variam de uma espécie para outra. 

Segundo Kumar, essa vacina experimental age de forma semelhante à vacina da Novavax para humanos, que atualmente está na fase final dos ensaios clínicos. Em vez de conter o vírus vivo, a vacina contém proteínas de espícula sintéticas para ativar os mesmos anticorpos que o vírus vivo. 

Dados da Zoetis confirmam que todos os cães e gatos envolvidos nos estudos apresentaram respostas imunes significativas à vacina — embora ainda não esteja claro se é o suficiente para prevenir a infecção de forma eficaz em um primeiro momento. Kumar ressalta que mais estudos são necessários.

Outros zoológicos dos Estados Unidos também solicitaram doses da vacina para a imunização de grandes símios, segundo Christina Lood, porta-voz da Zoetis, e a farmacêutica planeja disponibilizar mais doses em junho. Conforme mais símios recebem a vacina e mais dados se tornam disponíveis, complementa Lamberski, nosso entendimento sobre a eficácia da vacina em símios se ampliará. Sua equipe está compartilhando o que foi descoberto até o momento com outros veterinários em zoológicos por todos os Estados Unidos, bem como com a equipe veterinária do Zoológico de Praga, na República Tcheca, onde um gorila (e dois leões) testaram positivo para covid-19 recentemente.

A Zoetis também está conduzindo estudos de sua vacina em visons e planeja solicitar autorização de comercialização após a conclusão dos estudos. (Cerca de 12 mil visons morreram de covid-19 em fazendas de peles apenas nos Estados Unidos e há suspeitas de que transmitiram o vírus para humanos em alguns casos.) 

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    Recuperados e novamente em exibição para o público, dois gorilas relaxam em seu habitat. A equipe de Lamberski planeja aplicar a vacina neles até o fim deste semestre.

    Foto de Brent Stirton, Getty Images for National Geographic

    Gorilas em recuperação

    Até o final deste semestre, após esperarem o intervalo de 60 a 90 dias após a infecção, a Aliança de Vida Selvagem do Zoológico de San Diego espera vacinar a população de gorilas do parque safári também. Por fim, observa Lamberski, irão cogitar a vacinação de seus grandes felinos igualmente. 

    Lamberski comenta que suspeita que os gorilas contraíram covid-19 de um funcionário que havia testado positivo para o vírus. Todo o bando apresentou sintomas, desde leves (coriza e tosse esporádica) a preocupantes (tosse persistente, apetite reduzido e letargia).

    “Imediatamente ficamos em alerta. O vírus tinha se espalhado e contaminado um bando de oito animais”, observa ela. Sua equipe procurou colegas envolvidos no tratamento de humanos com covid-19 para descobrir quais seriam as opções para os animais. “Temos que estudar cada cenário, desde a não intervenção, deixando a infecção seguir seu curso, até se um animal precisar ser intubado para receber ventilação.”

    No caso de Winston, o gorila macho que desenvolveu pneumonia e doença cardíaca, incluindo arritmia grave, não está claro se o vírus exacerbou uma condição pré-existente (doença cardíaca é comum em gorilas idosos) ou se ocasionou esses sintomas.  Independentemente disso, Lamberski estava preocupada. “Ele é o líder do bando, sua perda seria significativa”, lamenta ela.

    Após receber tratamento com anticorpos monoclonais —não provenientes da cadeia de suprimentos medicinais para humanos — ele está melhorando, mas não se sabe ao certo até que ponto o tratamento pode ter ajudado. “Bem-vindos à medicina veterinária do zoológico!”, brinca Lamberski. “Esse é o nosso trabalho. Nunca sabemos se realmente ajudamos um animal ou se ele apenas se recuperou.”

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