Orcas são flagradas matando baleias azuis pela primeira vez

A descoberta pode realmente sinalizar boas notícias para ambas as espécies, dizem os especialistas.

Por Claudia Geib
Publicado 2 de fev. de 2022, 07:00 BRT
killer whale

As orcas (vistas acima no Caribe) vivem em grupos familiares que trabalham juntos para caçar.

Foto de Brian Skerry, Nat Geo Image Collection

Tudo começa com uma perseguição: doze orcas nadando atrás de uma presa até ela se cansar. Quando o alvo finalmente desacelera, mais orcas se juntam, e agora são 20 conjuntos de dentes raspando e mordendo a carne. Alguns minutos depois, os predadores trabalham juntos para forçar a presa para debaixo d'água. Não tem volta.

Esta não é uma caça comum. A cena, observada na Baía de Bremer, no sudoeste da Austrália, é a primeira vez que humanos documentam orcas, também conhecidas como baleias assassinas, caçando e comendo com sucesso uma baleia azul, o maior animal que já viveu e que está ameaçado de extinção.

Ao todo, os cientistas descreveram três mortes de baleias azuis, em março e abril de 2019 e março de 2021, em um novo estudo publicado esta semana na revista Marine Mammal Science.

“Este é o maior evento de predação neste planeta: o maior predador derrubando a maior presa”, diz o coautor do estudo Robert Pitman, ecologista marinho do Instituto de Mamíferos Marinhos da Oregon State University. “Não temos mais dinossauros, então para mim, como biólogo de baleias e zoólogo, é uma coisa incrível.”

As pessoas documentaram baleias assassinas se alimentando de quase todas as outras espécies de grandes baleias em todo o mundo, embora a maioria dos ataques tenha sido em filhotes. Cada vez mais, esses relatos vêm de observadores amadores com celulares ou drones. Em um desses vídeos de drones, feito em 2017 em Monterey, Califórnia, orcas atacaram uma baleia azul, mas não a mataram.

“Era apenas uma questão de tempo até que uma observação como essa fosse feita”, diz David Donnelly, pesquisador marinho do Dolphin Research Institute da Austrália, que administra o projeto de ciência cidadã Killer Whales Australia.

E as chances eram boas de que isso acontecesse em Bremer Bay, diz ele, já que as orcas podem certamente ser encontradas lá ano após ano.

O fundo do mar de Bremer Bay apresenta um desfiladeiro profundo que jorra água fria e rica em nutrientes para a superfície e sustenta uma cadeia alimentar extraordinariamente diversificada: do fitoplâncton ao atum rabilho do sul, ao salmão, até as cachalotes, raras baleias de bico e inúmeras espécies de tubarões.

“Qualquer coisa que passe por aquela região pode acabar na boca de uma orca”, diz Donnelly, que não participou do novo estudo.

Trabalho em equipe é fundamental

Em duas das caçadas, as orcas atacaram animais jovens, incluindo um filhote e o que parecia ser um jovem de um ano. Durante o terceiro, as orcas derrubaram um adulto aparentemente saudável, entre 18 e 21 metros de comprimento. As maiores orcas medem apenas cerca de 9 metros.

Os cientistas não tiveram a chance de coletar amostras de nenhuma das baleias caçadas, mas com base na época do ano, localização e direção em que as baleias estavam se movendo, a equipe supôs que elas eram baleias-azuis-pigmeus migrantes, uma subespécie menor que, no entanto, cresce até cerca de 24 metros de comprimento.

Então, como uma baleia assassina supera um animal com mais de duas vezes seu tamanho? É uma questão de família: as orcas vivem muito unidas  e são lideradas por suas avós, mães ou tias. As baleias aprendem umas com as outras e cooperam para sobreviver. Por exemplo: até 50 indivíduos participaram da perseguição durante essas caçadas e vários grupos menores trabalharam juntos, muitas vezes trocando de papéis, para morder e eventualmente afogar suas presas.

“Esses grupos de orcas vivem por uma vida humana ou mais, e por isso caçam juntos cooperativamente por décadas e décadas”, diz Pitman, comparando a estratégia de caça das baleias à dos lobos. “Você pode aprender muito sobre como trabalhar em conjunto quando pratica em equipe.”

Killer Whale 2

Uma orca morde a língua – uma das comidas favoritas – de um filhote de baleia azul. Esta orca, provavelmente uma fêmea adulta, esteve envolvida em todos os três ataques descritos no trabalho de pesquisa.

Foto de John Daw, Australian Wildlife Journeys

Boa notícia para ambas?

Para Pitman, essas caçadas também podem sinalizar um passo positivo para as populações de ambas as espécies. A população global de orcas que vive em todos os oceanos do mundo é desconhecida. A União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) lista a baleia azul como ameaçada de extinção  devido à caça agressiva ao longo dos anos 1900, mas seus números aumentaram constantemente desde a década de 1960, quando a espécie foi protegida globalmente. Em todo o mundo, pode haver entre 5.000 e 15.000 baleias azuis vivas hoje, estima a IUCN.

Pitman diz que é possível que as orcas sempre tenham comido baleias azuis, mas quando o número destas últimas despencou durante a era da caça, as orcas tiveram que mudar para presas diferentes.

Portanto, essas caçadas recém-observadas, acrescenta ele, podem ser evidências de que as orcas retornam a um antigo hábito à medida que uma antiga fonte de alimento retornou.

Pitman acha improvável que os ataques de orcas representem uma ameaça existencial para a recuperação das baleias azuis, embora ele espere que esses incidentes aumentem à medida que ambas as populações expandam seus números.

Ele também está intrigado em ver como as baleias assassinas podem mudar a dinâmica do ecossistema marinho na Austrália Ocidental. Por exemplo: algumas baleias, como as jubartes e as baleias-da-groenlândia, podem traçar suas rotas de migração para evitar as orcas.

“Ninguém que está vivo na Terra hoje  viu como era o oceano antes de começarmos a caçar baleias”, diz Pitman. As orcas da Austrália podem estar oferecendo um vislumbre de como o oceano costumava ser – mostrando dentes e tudo.

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