Por que a raiva ainda é uma ameaça aos humanos?

Mesmo sabendo como preveni-lo, o vírus mata cerca de 60 mil pessoas por ano. Veja o que você precisa saber sobre a doença.

Por Amy McKeever
Publicado 26 de ago. de 2022, 14:09 BRT
Com luvas brancas grossas, um naturalista segura cuidadosamente um morcego mexicano de cauda livre (Tadarida brasiliensis)

Com luvas brancas grossas, um naturalista segura cuidadosamente um morcego mexicano de cauda livre (Tadarida brasiliensis) no exterior da Reserva de Morcegos Eckert James River, no Texas, Estados Unidos. Em países onde os cães são amplamente vacinados contra a raiva, a doença permanece endêmica entre morcegos, raposas, guaxinins e outros mamíferos.

Foto de Milehightraveler Getty Images

No início deste ano, as autoridades de saúde pública dos Estado Unidos se surpreenderam com casos de raiva quando uma raposa vermelha selvagem mordeu nove pessoas – entre elas um congressista norte-americano – em Washington, DC. Em menos um dia, um laboratório de saúde pública da capital norte-americana confirmou que a raposa, que tinha sido sacrificada, havia testado positivo para esta doença mortal.

Cada ano, a raiva mata cerca de 60 mil pessoas no mundo inteiro, principalmente nas áreas rurais da África e da Ásia. Propagada principalmente por mordidas de animais, esta doença é praticamente 100% mortal uma vez que os sintomas se instalam.

“Nós tendemos a pensar que é uma doença do passado, mas alguém morre de raiva a cada 10 minutos em todo o mundo”, destaca Katie Hampson, professora de biodiversidade, saúde animal e medicina comparada da Universidade de Glasgow, especializada em ecologia da raiva. “É uma forma horrível de morrer.”

Um homem mordido por um cão suspeito de raiva é vacinado no Instituto Pasteur, em Paris, por volta de 1905. Louis Pasteur desenvolveu a primeira vacina contra a raiva em 1885 – e a tecnologia moderna a tornou mais eficaz e fácil de administrar.

Foto de Bettmann Getty Images

Essas mortes são quase que completamente evitáveis ​​graças à vacina contra a raiva, que foi desenvolvida pela primeira vez por Louis Pasteur, em 1885, e aprimorada ao longo do tempo com os avanços da tecnologia. Como resultado, dos milhares de casos de raiva registrados anualmente pelos EUA entre a vida selvagem, apenas uma ou duas são mortes humanas.

Dado tudo o que se sabe sobre a doença, os especialistas dizem que a erradicação seria uma vitória fácil para a saúde pública – e o impulso vem crescendo nos últimos anos. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e seus parceiros anunciaram um plano para eliminar as mortes humanas por raiva até 2030. 

“É uma daquelas questões sobre as quais realmente podemos fazer algo”, diz Andy Gibson, diretor de pesquisa estratégica da Mission Rabies, uma instituição de caridade sediada no Reino Unido. “Há uma luz de esperança.”

O que é a raiva – e como é transmitida?

O lyssavirus da raiva é um vírus de RNA especializado em atacar o sistema nervoso central do corpo. É transmitido pelo contato com a saliva ou tecido do sistema nervoso de um animal infectado. Isso normalmente ocorre por mordida de animal ou, menos frequentemente, por arranhões ou exposição à saliva de um animal infectado.

Durante a infecção, o vírus se prende às células nervosas e se espalha pelas vias neurais até atingir a medula espinhal e o cérebro. No cérebro, ele começa a se replicar e passar para as glândulas salivares – que é quando os sintomas clínicos começam a aparecer.

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    Este canino era suspeito de ter raiva, com sintomas como inquietação e comportamento agressivo anormal. O teste direto de anticorpos fluorescentes usado para diagnosticar a raiva requer a colheita de tecido cerebral e só pode ser realizado post mortem.

    Foto de CDC

    Todos os mamíferos são suscetíveis à raiva, mas Hampson diz que os carnívoros são particularmente propensos à transmissão porque suas mordidas fortes podem facilmente romper a pele. Os cães são mais comumente associados à raiva porque vivem entre humanos e vagam livremente em muitas partes do mundo, o que aumenta a probabilidade de propagação.

    Mas em países onde os cães são amplamente vacinados contra a raiva, a doença permanece endêmica entre outros carnívoros como raposas, guaxinins e morcegos. Nos EUA, por exemplo, recentemente houve um aumento nos casos de raiva humana ligados a morcegos. Os animais noturnos são a principal causa de exposição à raiva no país, e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA dizem que isto possivelmente seja porque as pessoas não estão cientes dos riscos que os morcegos representam.

    Quais são os sintomas da raiva?

    Quando a maioria das pessoas pensa em raiva, imagina um animal espumando pela boca e agindo de forma agressiva. Mas os especialistas alertam que os sintomas da raiva não são tão diretos e podem variar amplamente, incluindo convulsões, ansiedade, delírio, insônia, dificuldades respiratórias, automutilação e outros comportamentos anormais.

    “A raiva é a mestra do engano. Pode parecer com qualquer coisa”, alerta Gibson. “O único sinal comum é a morte súbita.”

    De acordo com os CDC, os primeiros sintomas da raiva são semelhantes aos da gripe, incluindo fraqueza, febre, dor de cabeça e formigamento no local da mordida. À medida que o vírus se espalha para o cérebro – um processo que pode levar semanas ou até meses – podem surgir outros sintomas mais graves.

    A Organização Mundial da Saúde descreve duas manifestações principais da doença: raiva furiosa e raiva paralítica. Pessoas ou animais com raiva furiosa podem parecer agitados, agressivos e babar excessivamente, enquanto outros sintomas incluem hiperatividade, medo de água e até do ar fresco. Os sintomas da raiva paralítica, por outro lado, são mais discretos – geralmente causando paralisia gradual à medida que o paciente permanece calmo e lúcido.

    O que fazer em caso de suspeita de infecção por raiva?

    A raiva é quase sempre fatal quando os sintomas clínicos se manifestam, por isso é fundamental agir imediatamente se você ou seu animal de estimação foi mordido por um animal suspeito de ter raiva. Como as mordidas de morcegos nem sempre são visíveis, os especialistas aconselham entrar em contato com as autoridades se você foi exposto ao contato com um morcego.

    Mas Gibson diz que o primeiro passo para o tratamento da raiva é algo que você pode fazer por conta própria. “Você pode reduzir muito o risco de contrair raiva se lavar a ferida com água e sabão por 15 minutos”, diz ele, já que o vírus da raiva é bastante frágil e pode ser interrompido pelo sabão.

    Um cão de estimação recebe a vacina antirrábica durante a campanha do governo filipino em julho de 2019, em Manila. A vacinação generalizada de cães ajudou países ao redor do mundo a reduzir drasticamente a ameaça da raiva.

    Foto de Noel Celis AFP, Getty Images

    Mesmo assim, os especialistas aconselham procurar em seguida atendimento de um médico que possa avaliar o risco e administrar a profilaxia pós-exposição (PEP) – um tratamento que é 100% eficaz se administrado de forma rápida e correta. O PEP normalmente inclui quatro doses da vacina antirrábica aplicadas com um espaço de duas semanas, bem como uma dose de imunoglobulina antirrábica, um soro que neutraliza o vírus no local da mordida e oferece proteção à medida que o corpo monta uma resposta imunológica.

    A vacina contra a raiva é a única que normalmente é administrada após uma infecção e não como medida preventiva. Segundo Hampson isto acontece porque é improvável que a maioria das pessoas seja exposta – particularmente em países que controlaram a raiva em cães. No entanto, aqueles que estão em risco devido a seus empregos ou que viajam para um país de alto risco podem considerar uma vacinação pré-exposição.

    “Você teria muito azar de ser mordido por um cachorro raivoso, mas milhares de pessoas que vivem nesses países são mordidas todos os dias, então, não é um risco insignificante”, alerta Hampson.

    Qual ameaça a raiva representa aos seres humanos?

    Para as pessoas que vivem em países ricos, o risco de contrair raiva é extremamente baixo. Isso porque os cientistas sabem o que funciona para preveni-la: gerar imunidade de rebanho vacinando pelo menos 80% da população hospedeira local, geralmente cães domésticos.

    “Se você consegue alcançar essa imunidade crítica de rebanho, você interrompe a transmissão – você interrompe o ciclo”, diz Louis Nel, diretor executivo da Aliança Global para o Controle da Raiva, uma ONG que trabalha com governos e organizações internacionais para combater a doença. “É assim que você erradica o vírus.”

    Nos EUA, o número de mortes humanas por raiva diminuiu de mais de cem por ano no início do século 20 para apenas uma ou duas por ano desde 1960, quando o país começou a vacinar cães. Houve sucessos semelhantes na Europa Ocidental e, mais recentemente, na América Latina e no Caribe, onde os casos diminuíram 95% desde 1983 para tornar a região praticamente livre da raiva.

    Isso não quer dizer que não exista ameaça nesses países. Além do risco representado por outros animais selvagens, como raposas e guaxinins, os cães raivosos podem cruzar fronteiras e reintroduzir a doença. Mesmo nos EUA, há registros ocasionais de raiva entre cães importados, e cerca de um quarto dos casos de raiva humana envolvem pessoas infectadas durante viagens.

    Mas a ameaça é muito maior em países que não controlaram a raiva em cães. Em 2018, um estudo do Consórcio de Modelagem da Raiva da OMS, publicado no The Lancet, estimou que mais de um milhão de pessoas morrerão de raiva entre 2020 e 2035 se esses países não tomarem medidas.

    O que pode ser feito para controlar a raiva globalmente?

    A OMS e seus parceiros globais pediram a eliminação das mortes humanas por raiva até 2030. Dado que já sabemos como prevenir esta doença, especialistas dizem que o que realmente precisam os países afetados é vontade política e melhor infraestrutura de saúde.

    “Nem sempre é lógico para os governos perceberem que esta é uma área onde eles podem fazer uma grande diferença na saúde pública”, diz Nel. “Então, é por isso que precisamos trabalhar no caso para conseguir o investimento.”

    Em 2013, a Mission Rabies conseguiu fazer exatamente isso quando começou a trabalhar em Goa, na Índia. Naquela época, o governo estadual encontrava apenas cerca de cinco cães raivosos por ano. Mas o aumento dos esforços de vigilância revelou um problema muito mais sério, com dois casos positivos por semana. “De repente, descobrimos que havia raiva em todo lugar”, lembra Gibson.

    Já com uma melhor compreensão do problema, Goa assinou um programa de um ano para eliminar a raiva, vacinando mais de 95 mil cães por ano para atingir 70% de cobertura vacinal. Com a ajuda da tecnologia de smartphones, que torna mais fácil encontrar os cães e acompanhar o progresso, Goa está agora livre da raiva humana.

    O estudo de modelagem realizado pela OMS em 2018 também recomendou fornecer aos países de baixa renda melhor acesso ao tratamento pós-exposição – que Hampson, principal autor do artigo, diz ser uma maneira econômica de manter as pessoas seguras enquanto os países trabalham para alcançar a imunidade de grupo em cães. Desde então, a Global Alliance Vaccine Initiative incluiu a vacina antirrábica no seu portfólio.

    No entanto, a Covid-19 complicou esses esforços globais, desviando recursos da raiva para enfrentar uma ameaça ainda mais grave. Nel admite que a meta de Raiva Zero para 2030 pode estar longe, mas ele acrescenta que é uma meta importante a ser alcançada. Gibson concorda, e acrescenta que mesmo os pequenos progressos contra a raiva ainda ajudarão a salvar muitas vidas.

    “O fascínio da erradicação é muito atraente”, comenta. “Mas até então, podemos fazer muita diferença apenas tomando as medidas disponíveis hoje.”

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