Três novas espécies de cobras são encontradas em cemitério no Equador

Nativas do sul equatoriano, os répteis pertencem a um grupo de serpentes pouco estudado que vivem no subsolo.

Por Jason Bittel
Publicado 28 de set. de 2022, 10:10 BRT

Nova espécie Atractus michaelsabini foi encontrada escondida ao lado de uma igreja na cidade andina de Guanazán, Equador.

Foto de Amanda Quezada

Em novembro de 2021, Alejandro Arteaga e sua equipe viajaram para as florestas nubladas do sul do Equador em uma missão para encontrar sapos considerados extintos. Infelizmente, os cientistas não conseguiram encontrar nenhum exemplar. Mas um acontecimento casual no caminho de volta ofereceu à equipe uma dica para um tipo diferente de descoberta.

Decepcionados e famintos, Arteaga e sua equipe pararam na pequena cidade de Amaluza em busca de uma refeição. "Normalmente isto acontece nas áreas rurais do Equador", conta Arteaga, um biólogo pesquisador da Fundação Khamai, uma nova organização não governamental que tem como objetivo proteger a biodiversidade do Equador. 

"Não existe um restaurante do tipo drive-thru para conseguir uma refeição, então, você basicamente precisa bater às portas das casas. E se houver pessoas lá, elas cozinharão prazerosamente para você e lhe contarão histórias".

Uma mulher local recebeu os viajantes, e enquanto ela começava a preparar a truta capturada localmente, ouviu a tripulação falando sobre anfíbios e cobras.

"E então ela nos disse que frequentemente vê cobras no cemitério local, enquanto visita seus familiares falecidos", lembra Arteaga. 

Com base na descrição da senhora, Arteaga suspeitava que pudessem ser cobras terrestres do gênero Atractus – animais misteriosos que passam muito tempo no subsolo e nunca haviam sido registrados cientificamente naquela área do Equador. Reanimada, a tripulação decidiu fazer um pequeno desvio e passar algumas horas revisando o cemitério da encosta.

"Eis que encontramos duas das cobras enterradas ao lado das sepulturas", recorda Arteaga, que acrescenta que nenhum cemitério foi escavado ou alterado durante a pesquisa.

Assombrados com as serpentes de barriga amarela, a equipe dedicou mais tempo à região andina, até mesmo juntando amostras de cobras coletadas por um professor local chamado Diego Piñán. Finalmente, a expedição levou à descrição de três espécies de cobras terrestres novas para a ciência, de acordo com um estudo publicado no dia 15 de setembro na revista ZooKeys.

Os cientistas propõem os nomes das novas espécies: A. discovery, que tem olhos especialmente pequenos e uma barriga amarela com uma linha preta; A. zgap, que tem uma barriga amarela sem linha; e A. michaelsabini, que é "a mais gordinha do lote", diz Arteaga. (Michael Sabin, que dá nome à serpente, é um jovem naturalista cuja família protegeu mais de 264 365 acres de habitat crítico focado em anfíbios e répteis).

O biólogo Alejandro Arteaga mostra a barriga amarela de uma nova espécie de cobra, Atractus zgap, em uma placa de petri.

Foto de David Jácome

"É importante nunca desconsiderar as observações ou as crenças das pessoas locais, porque elas podem levar a descobertas impressionantes", ressalta Arteaga.

Serpentes de cemitério

Se for a primeira vez que você está ouvindo falar de cobras terrestres, você não está sozinho. "Não seria incorreto dizer que elas são o grupo de cobras menos estudado do planeta", diz Arteaga. Por exemplo, os machos ou crias de algumas espécies nunca foram registrados.

Isto se deve em parte ao fato de que as 146 espécies conhecidas de cobras terrestres vivem no subsolo, em fendas rochosas profundas, muitas vezes dentro de remotas florestas nubladas. Todas são nativas da América Central e do Sul.

Mas com a nova descoberta, os habitats originados pelos homens, como cemitérios e igrejas de pequenas cidades, também podem ser incluídos nessa lista. Nesta região do Equador, Arteaga diz que as serpentes podem ser atraídas para tais lugares precisamente porque são tranquilos e relativamente pouco frequentados pelas pessoas, que comumente matam as serpentes por medo.

E, felizmente, para as pessoas que vivem ao lado de cobras terrestres, elas são completamente inofensivas.

"A menos que você seja uma minhoca", brinca Paulo Roberto Melo-Sampaio, um pesquisador de cobras terrestres do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que não participou do novo estudo.

"Sempre é emocionante a descoberta de novas espécies", diz Melo-Sampaio, que acrescenta que quase a metade das espécies conhecidas de Atractus foi descrita apenas nos últimos 40 anos. 

"Agora no Equador, Alejandro Arteaga e sua equipe têm grande mérito por realizar suas pesquisas em áreas neotropicais, onde há escassez de financiamento e dificuldades logísticas para o trabalho de campo", diz ele por e-mail.  

É preciso mais pesquisa?

No entanto, Melo-Sampaio também expressou preocupações sobre a metodologia do estudo, especificamente sua forte dependência da genética para analisar as três novas espécies. 

Ao descrever uma nova espécie, os cientistas geralmente contam com uma combinação de análise genética e morfológica – ou os atributos físicos de um animal – para determinar que ele seja diferente de seus parentes.

No caso de A. michaelsabini, por exemplo, Melo-Sampaio diz que a aparência física do réptil é muito semelhante a uma cobra terrestre já descrita, A. roulei. Então, o pesquisador acredita que é muito cedo para dizer definitivamente que é uma nova espécie. Da mesma forma, ele diz que A. discovery também se assemelha a outra espécie conhecida chamada de A. resplendens.

Por sua vez, Arteaga diz que ele e sua equipe planejam estudar mais sobre a morfologia das cobras terrestres em um trabalho de acompanhamento, que já está em andamento.

Impacto das serpentes terrestres na saúde humana 

Embora as cobras terrestres ainda sejam pouco conhecidas, Arteaga antecipa que elas podem ter um grande impacto sobre a saúde humana.

"À primeira vista, as cobras terrestres não são tão coloridas e parecem ter pouca importância biomédica se comparadas com víboras e cobras coralinas", cujo veneno é frequentemente estudado, cita Arteaga. 

"Mas o principal predador das cobras terrestres são as cobras de coral venenosas".

Por causa disso, os cientistas suspeitam que as serpentes terrestres tenham algum tipo de resistência biológica ao veneno das serpentes de coral. Estudar o sangue das serpentes terrestres, então, poderia levar a avanços no desenvolvimento de antivenenos que ajudem as pessoas mordidas pelas serpentes de coral. 

O Equador, por exemplo, tem uma das maiores taxas de mordidas desta espécie na América do Sul, com uma quantidade entre 1400 e 1600 incidentes por ano.

Portanto, é possível que um dia, uma criatura encontrada enterrada entre as lápides possa ter a chave para manter as pessoas fora do cemitério.

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