Cobra-real na verdade uma família com quatro espécies, sugere estudo

Uma recente descoberta científica indica que existem quatro 'linhagens' de cobras-reais. Isto pode levar a um antídoto mais eficaz para tratar picadas de cobra em todo o leste e sul da Ásia.

Por Peter Schwartzstein
Publicado 25 de mar. de 2022, 11:06 BRT
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Cobra-real espreita a vegetação de uma floresta tropical na Índia. A enorme área de ocorrência do réptil – toda a Ásia – há muito intrigava os cientistas.

Foto de Gabby Salazar, Nat Geo Image Collection

Herpetologistas (especialistas em anfíbios e reptis) há muito se perguntam como os vários tipos de cobra-real, encontrados deslizando entre várias paisagens asiáticas separadas por obstáculos aparentemente impenetráveis, como a cordilheira do Himalaia, poderiam ser uma única espécie.

Também os intrigou que a cobra venenosa, a mais longa do mundo, podendo atingir mais de 5 m, muitas vezes tem uma aparência ou comportamento diferentes dependendo de onde vive.

Agora, tudo faz sentido: as cobra-reais são, na verdade, uma 'família real', composta por quatro espécies separadas, sugere uma nova pesquisa.

Rumo a uma nova nomenclatura para a cobra-real

Em agosto passado, P. Gowri Shankar, biólogo e especialista em cobras-reais da Fundação Kālinga, uma ONG de conservação em Shivamogga, na Índia, e seus colegas relataram quatro linhagens geneticamente únicas de cobra-real. Eles as identificaram por região: Gates Ocidentais (sudoeste da Índia), Indo-chinês (leste da Índia e China), Indo-malaia (Indonésia e Malásia) e Ilha de Luzon (Filipinas). Os nomes científicos das cobras ainda não foram aprovados pela Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica.

Anos de captura obstinada de serpentes em florestas tropicais, combinados com novas tecnologias que podem analisar espécimes de museus mesmo muito degradados, finalmente renderam DNA suficiente para os cientistas identificarem adequadamente as espécies adicionais.

“Se fosse um sapo, se fosse uma tartaruga, teria sido mais fácil”, diz Shankar sobre seu trabalho. “A cobra-real é uma história diferente.”

Quando perturbada, uma cobra-real pode se erguer até o nível dos olhos e liberar veneno suficiente para matar um elefante. Shankar conta que ele é uma das poucas pessoas que sobreviveu a uma picada de cobra-real, uma sorte que ele atribui à cobra ter injetado uma pequena quantidade de veneno. A experiência também o motivou a encontrar um tratamento mais específico para picadas de cobra-real.

Na prática, o fato de as cobras serem diferentes o suficiente para configurarem quatro espécies distintas pode ter grandes ramificações no mundo real, diz ele – particularmente, a possibilidade de produzir um antídoto mais eficaz que possa combater cada veneno dessas espécies.

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Cobras-reais (na foto, um animal no zoológico de Houston, Estados Unidos) são tímidas e geralmente evitam as pessoas.

Foto de Joël Sartore, Nat Geo Image Collection

Além disso, acrescenta Shankar, a identificação das novas espécies pode impulsionar os esforços de conservação das cobras, que estão diminuindo em toda a sua área de distribuição devido ao desmatamento e à urbanização. A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) lista a cobra-real como vulnerável à extinção.

À luz das descobertas, a IUCN planeja reavaliar o status de conservação da cobra-real, diz Philip Bowles, coordenador da seção de cobras e lagartos da instituição, que pesquisa répteis na natureza em todo o mundo e determina seu status de conservação.

As singularidades da cobra-real

“Tendo observado [as cobras-reais] de perto por mais de 50 anos, você pode ver que elas são… diferentes”, diz Romulus Whitaker, especialista em cobras de longa data e fundador do Parque das Cobras de Chennai, na Índia, uma organização sem fins lucrativos que educa o público sobre cobras. 

"Só precisávamos de alguém para fazer o trabalho duro para provar isso", diz ele.

Por exemplo, os cientistas se perguntam por que as cobras-reais adultas na Tailândia e nos países vizinhos têm mais de 70 faixas esbranquiçadas ao redor de seus corpos, enquanto as das Filipinas têm apenas algumas, que são quase imperceptíveis. 

Existem variações nos comportamentos de nidificação também. A cobra-real fêmea é a única cobra que constrói ninhos para seus ovos – não é pouca coisa para uma criatura sem membros. Ela usa o corpo para balançar galhos e colocá-los no lugar.

As fêmeas dos Gates Ocidentais abandonam seus ovos logo após fazerem o ninho, enquanto as mães indo-chinesas guardam os ovos no ninho até cerca de uma semana antes da eclosão.

A relação entre cobras-reais e humanos

Shankar espera que a nova atenção às cobras-reais possa ajudar a mudar as atitudes em relação a elas.

Na Índia rural, muitos hindus veneram a cobra-real e vêem sua presença em seus campos como um sinal de generosidade. Mas em outros lugares, a cobra é desprezada, muitas vezes levando a mortes indiscriminadas.

“Há muito hype sobre essa cobra, então as pessoas estão morrendo de medo disso”, diz Whitaker. “Nas pesquisas, as pessoas sempre acabam dizendo ‘a cobra-real’ quando perguntadas sobre quais são as cobras mais perigosas”, diz ele. Não há estatísticas oficiais sobre quantas pessoas são picadas por cobras-reais em qualquer lugar, mas Whitaker diz que elas provavelmente são responsáveis ​​por apenas um punhado de picadas de cobra.

As cobras-reais são geralmente tímidas e, se uma pessoa fica cara a cara com uma, seu tamanho formidável e seu 'rosnado' são mais do que suficientes para evitar qualquer conflito.

Os caçadores que perseguem os animais por sua pele e partes do corpo para uso na medicina tradicional são as vítimas mais prováveis ​​de picadas, mas os socorristas da vida selvagem que removem as cobras-reais das casas das pessoas também correm risco.

Longe de ser uma ameaça séria para os humanos, as cobras-reais nos ajudam principalmente comendo outras cobras, incluindo de sua própria espécie. Entre suas refeições estão cobras venenosas, como víboras, cujas picadas matam cerca de 140 mil pessoas em todo o mundo a cada ano.

O antídoto para o veneno da cobra-real

As pessoas picadas por uma cobra-real geralmente recebem um antiveneno genérico produzido pela Sociedade da Cruz Vermelha Tailandesa, que nem sempre é eficaz contra picadas de cobra-real, dependendo do lugar de ocorrência da cobra.

Como a composição química do veneno pode variar mesmo dentro das espécies, pode haver um limite para a utilidade imediata dessa descoberta, diz Kartik Sunagar, especialista em venenos de cobra e professor associado do Instituto de Ciência Indiano, em Bangalore. Como as picadas de cobra-real são relativamente raras, também não há muito incentivo para uma empresa desenvolver produtos mais específicos. 

Vários produtores de antídotos na Índia, incluindo o Instituto Haffkine, não responderam aos pedidos de comentários da National Geographic sobre o potencial de criação de um novo antídoto de cobra-real.

Mas a melhor compreensão da cobra ainda pode ajudar no desenvolvimento de antídotos um pouco mais direcionados no curto prazo. Assim como uma medicação mais eficaz contra todas as picadas de cobra-real a longo prazo, diz Sunagar.

“No sentido de que sabemos que essas populações requerem um tratamento muito específico, isso [a descoberta de novas espécies] ajuda nossos esforços para desenvolver melhores antídotos”, diz ele.

Preocupação pelas cobras-reais da Ilha Luzon

Conservacionistas estão preocupados com o futuro de algumas das cobras-reais, incluindo as da Ilha Luzon. Sua população não é conhecida, mas Shankar diz que é provavelmente pequena e vulnerável a ser exterminada por grandes desastres naturais, como um terremoto e tsunami, que são comuns na região.

“Mais um tsunami e essa espécie em Luzon pode ser extinta em alguns anos”, diz Shankar. “Nós não saberíamos disso sem o conhecimento dessas linhagens específicas.”

Enquanto isso, Shankar e seus colegas não terminaram a busca por mais espécies de cobra-real: eles acham que pode haver pelo menos mais uma na Indonésia.

“Para mim, a cobra-real é uma cobra majestosa”, diz Shankar. “Isso fez com que me apaixonasse por ela.”

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