Morcegos do Nordeste: expedição mapeia colônias de espécies endêmicas do sertão potiguar

O Rio Grande do Norte abriga milhares de cavernas propícias para o desenvolvimento de espécies de morcegos que são essenciais para a Caatinga.

Milhares de morcegos nectaríferos da espécie Glossophaga soricina se abrigam na Furna das Quatro Bocas, em Jandaíra, no Rio Grande do Norte, no Nordeste do Brasil. A formação de colônias de milhares de indivíduos desta espécie é muito rara, pois normalmente forma colônias de centenas ou menos.

Um único indivíduo de Glossophaga soricina pode polinizar centenas de flores em busca de néctar, pelo que uma colónia desta dimensão presta um enorme serviço ecológico ao ecossistema envolvente.

Foto de Juan Carlos Vargas Mena
Por Redação National Geographic Brasil
Publicado 16 de fev. de 2023, 09:54 BRT

Apesar de ser um dos menores estados brasileiros, o Rio Grande do Norte está em quarto lugar em relação ao número de cavernas em seu território. É o que informa o Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas, registro oficial de cavernas do país mantido pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas. Nessas cavidades, que estão rodeadas pela Caatinga, habitam algumas espécies de um animal essencial para a biodiversidade do bioma: o morcego

“Eles são polinizadores vitais para diversas plantas endêmicas da Caatinga, o que faz com que a proteção desses animais seja fundamental”, afirma Juan Carlos Vargas Mena, doutor em ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Explorador da National Geographic Society

De origem costarriquenha, Mena veio ao Brasil para somar forças na tarefa de mapear, monitorar e conservar morcegos potiguares que habitam as mais de 1,3 mil cavidades do estado. “Dessas, apenas 400 estão protegidas ambientalmente por lei. Então, há mais centenas de lugares que podem servir de habitat para os morcegos que não têm proteção nenhuma, deixando esse animal tão importante vulnerável”, afirma Mena. 

O projeto – que teve apoio da National Geographic – visitou 65 cavernas não mapeadas no Rio Grande do Norte e resultou em descobertas significativas para a conservação das espécies de morcegos locais. 

Um morcego com GPS e a descoberta da primeira colônia exclusiva da Caatinga 

 

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    Um morcego Xeronycteris vieirai estica a língua em seu abrigo subterrâneo em Lajes, Rio Grande do Norte, Brasil. Xeronycteris vieirai vive apenas nas matas secas do semiárido nordestino e em algumas áreas de cerrado. Alimenta-se principalmente do néctar que obtém das flores de cactos e outras plantas com sua longa língua. Poucos refúgios da espécie são conhecidos e todos se caracterizam por estarem em cavidades subterrâneas feitas de pedras de granito.

    Foto de Juan Carlos Vargas Mena

    Um dos pontos altos do trabalho de pesquisa em campo de Mena foi a descoberta de uma colônia do morcego Xeronycteris vieirai, um tipo de morcego nectarívoro (que se alimenta de néctar) endêmico da Caatinga, ou seja, que só ocorre no bioma brasileiro. 

    Segundo Mena, essa colônia, que devia ter cerca de 50 indivíduos, está localizada em uma fissura embaixo de um bloco de pedra na região da Serra do Feiticeiro, no Rio Grande do Norte. Para encontrar o abrigo dos morcegos, a equipe de Mena capturou e identificou um indivíduo Xeronycteris com um transmissor de GPS. 

    “Essa é a primeira colônia da espécie mapeada no Brasil”, afirma Mena. O pesquisador relata que o Xeronycteris é um animal de rara ocorrência e difícil localização e captura. “Poder estar na colônia e registrar o comportamento desses animais em ambiente natural é um grande avanço para o conhecimento que temos deles e, consequentemente, sua preservação.”

    Xeronycteris vieirai é responsável pela polinização de plantas características da caatinga como o xique-xique (Pilosocereus gounellei) e o mandacaru (Cereus jamacaru), espécies que “são a cara do sertão e estão intimamente ligadas ao folclore nordestino”, afirma Mena. 

    Colônias com milhares de morcegos-beija-flor

    Detalhe de uma colônia do morcego néctar Glossophaga soricina localizada na Furna das Quatro Bocas, no estado do Rio Grande do Norte, Brasil. A caverna é utilizada como área de acasalamento e maternidade para esta colônia de tamanho incomum, por isso sua proteção é muito importante para a população local da espécie na região.

    Foto de Juan Carlos Vargas Mena

    Outra surpresa da expedição pelas cavernas potiguares foi a identificação de uma enorme colônia do morcego-beija-flor (Glossophaga soricina) com cerca de de cinco mil indivíduos, segundo Mena. 

    “É um achado raro porque essa espécie costuma fazer colônias de poucas dezenas até algumas centenas de morcegos. Colônias tão grandes assim são bem incomuns”, afirma o Explorador. 

    O animal, que é encontrado em regiões tropicais do México e em vários países das Américas Central e do Sul, é conhecido como morcego-beija-flor por se alimentar do néctar de flores e ser capaz de fazer o voo pairado, tipo de voo em que o animal fica imóvel no ar.

    O raro registro de um bebê morcego

    Um bebê morcego-de-cabeça-chata sul-americano (Neoplatymops mattogrossensis) amamenta de sua mãe em um momento único e surpreendente. O comportamento durou de 20 a 30 segundos até que a fêmea partiu para uma parte mais profunda da fenda, fora de vista. O bebê ficou sozinho por alguns minutos e depois seguiu sua mãe e desapareceu na escuridão de seu abrigo. Neoplatymops mattogrossensis é uma espécie difícil de encontrar, uma vez que se caracteriza por se refugiar apenas em fendas rochosas. Possui adaptações para viver em espaços apertados, como crânio e corpo achatados e a capacidade de se mover muito rapidamente entre as rachaduras. Esta é talvez uma das poucas imagens que existem de um bebé desta espécie.

    Foto de Juan Carlos Vargas Mena

    Por fim, Mena também destaca que a expedição resultou em um dos poucos registros existentes de um bebê do morcego-de-cabeça-chata-sul-americano (Neoplatymops mattogrossensis). 

    A foto de Mena retrata uma fêmea enquanto amamenta seu filhote no aperto de uma pequena fenda na rocha. “O momento foi rápido! Passaram penas alguns segundos até a mamãe-morcego desaparecer na escuridão do abrigo. Mas, para quem estuda esses animais, foi um momento ‘uau’.”

    Segundo Mena, o Neoplatymops mattogrossensis é uma espécie difícil de encontrar, pois ele costuma se refugiar apenas em fissuras de poucos centímetros, contando com adaptações para viver em espaços estreitos e achatados. “Não são morcegos possíveis de capturar pelos métodos convencionais que usamos. Para encontrá-los, temos que ir atrás de seus abrigos, o que dificulta”, diz. “Por isso, esse registro é raríssimo e deve ser um dos únicos no mundo.”

    Por que preservar os morcegos do Nordeste?

    De acordo com o Explorador da National Geographic, o trabalho de mapeamento do habitat dos morcegos potiguares têm três pontos de importância ambiental: a proteção dos próprios morcegos, a conservação dos ecossistemas de cavernas e a preservação da flora da Caatinga. 

    “Saber onde eles estão e como se relacionam com o ambiente é essencial para iniciativas de conservação e educação, visando preservar tanto os morcegos quanto os ecossistemas da Caatinga que já são muito ameaçados”, diz Mena. 

    Segundo o pesquisador, os morcegos não só preservam o bioma através da polinização e dispersão de sementes, como também sustentam a vida em ambientes de caverna. “Muitos organismos que vivem em cavidades dependem do guano (fezes de morcego) como fonte de alimento e de matéria orgânica”, explica Mena. “Sem os morcegos, esses organismos que não conseguem sair da caverna para buscar comida morreriam.”

    Além disso, Mena afirma que os habitats das cavernas são particularmente vulneráveis ​​aos efeitos ambientais de atividades humanas, como turismo descontrolado, coleta de guano (para uso como fertilizante), mineração e até pela própria espeleologia (estudo das cavidades naturais). 

    Portanto, a identificação de abrigos de altas diversidade de morcegos, grandes colônias incomuns ou espécies de rara ocorrência são essenciais para proteção desses ambientes. “Quanto mais sabemos do ambiente", diz Mena, "mais força temos para exigir medidas legais de preservação e evitar consequências como a perda de biodiversidade e desertificação da Caatinga”.

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