Descobertas em caverna podem duplicar o tempo que os humanos habitam as Américas

Inóspita e remota, a Caverna Chiquihuite, no México, parecia um lugar improvável para se morar. Mas objetos de pedra recuperados das profundezas da caverna podem contar outra história.

Por Kristin Romey
Publicado 27 de jul. de 2020, 11:38 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Pesquisadores na Caverna Chiquihuite usam equipamentos de proteção para não contaminar com o DNA moderno as ...

Pesquisadores na Caverna Chiquihuite usam equipamentos de proteção para não contaminar com o DNA moderno as áreas de escavação onde estão procurando assinaturas genéticas de plantas e animais.

Foto de Devlin Gandy

QUANDO OS PESQUISADORES chegaram pela primeira vez a uma caverna nas montanhas desérticas do centro-norte do México, esperavam descobrir como era o ambiente da região há milhares de anos. Mas a descoberta inesperada do que acreditam ser a ponta de um antigo projétil deu início a uma escavação que durou uma década e pode reescrever a história das Américas.

De acordo com um artigo publicado na revista científica Nature, o local, conhecido como Caverna Chiquihuite, pode conter evidências de ocupação humana que situam pessoas na América do Norte cerca de 30 mil anos atrás — aproximadamente duas vezes antes do que as estimativas mais recentes da chegada dos primeiros humanos no continente.

A incógnita de quando pessoas chegaram às Américas pela primeira vez é objeto de debate há mais de um século. Durante grande parte desse tempo, a teoria dominante estabeleceu a chegada por volta de 13,5 mil anos atrás. Mas agora os arqueólogos estão explorando locais que sugerem uma data ainda mais antiga, incluindo alguns que relataram ter encontrado indícios de presença humana há mais de 30 mil anos. As evidências que sustentam essas alegações são muito controversas e essa última descoberta já está gerando mais polêmicas.

Cientistas comparam anotações sobre a estratigrafia da Caverna Chiquihuite, na preparação para coleta de amostras de vestígios de DNA de plantas e animais dos sedimentos.

Foto de Devlin Gandy

“Todo mundo sabe que, quando alguém parte para a briga em um nível desses, está em busca de um debate internacional e é o que terá, portanto deve estar preparado para se defender”, diz Loren Davis, arqueólogo da Universidade Estadual do Oregon. “Para mim, é inevitável. Vamos continuar retrocedendo essa data até que não seja mais possível.”

Escavando o solo inclinado da caverna a uma profundidade de três metros, o diretor de escavação e o principal autor do artigo Ciprian Ardelean, arqueólogo da Universidade Autônoma de Zacatecas, e seus colegas pesquisadores desenterraram milhares de pedras identificadas como sendo lâminas, pontas de projéteis e lascas produzidas durante o processo de fabricação de ferramentas. O que consideram ser utensílios e lascas são de um tipo de calcário que não foi encontrado na caverna e acredita-se ter sido levado para lá.

Os arqueólogos também descobriram fragmentos de carvão nas camadas de sedimentos. Embora seja impossível dizer se o material foi queimado por mãos humanas ou em eventos naturais, a datação por radiocarbono indicou que têm entre 12 mil e 32 mil anos de idade.

Os pesquisadores não encontraram restos humanos e apenas alguns poucos ossos de animais. No entanto detectaram a presença de DNA humano nas camadas de sedimentos. Mas não está claro se o material genético foi deixado por pessoas antigas ou se a escavação foi contaminada pelo DNA de humanos modernos.

“A principal contribuição de Chiquihuite é proporcionar outra luz, mesmo que fraca, um outro sinal tênue, de que algo lá”, diz Ardelean, que dirige as escavações na caverna desde 2011.

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    O arqueólogo Ciprian Ardelean dirige as escavações na caverna Chiquihuite.

    Foto de Devlin Gandy

    Hoje, qualquer visitante da Caverna Chiquihuite presumiria que humanos jamais teriam escolhido aquele lugar para morar, pois teria sido muito inóspito. Mas eles estariam enganados.

    A equipe extraiu pólen e DNA antigos dos sedimentos e encontrou indícios de que os ambientes desolados da caverna já foram muito mais frescos, mais verdes e mais úmidos. Em um nível profundo da escavação datado de forma confiável de 28 mil anos atrás, descobriram evidências de pinheiro-do-oregon, uma árvore que não é mais nativa do México, além de um fragmento de pedra que os pesquisadores acreditam ser uma lâmina feita por humanos.

    Quando as geleiras em todo o mundo atingiram sua extensão máxima há cerca de 24 mil anos — conhecido como o Último Máximo Glacial, ou LGM, na sigla em inglês — a paisagem no entorno da caverna teria sido florestada com zimbros, pinheiros, abetos e coníferas e ficado repleta de lagos e fontes termais. “Teria ficado parecida com os estados norte-americanos do Oregon ou Colúmbia Britânica”, afirma Ardelean. “Ficaria irreconhecível.”

    Evidências questionadas

    A idade extrema alegada para a Caverna Chiquihuite não condiz com a visão amplamente aceita de que habitantes da Ásia atravessaram uma ponte terrestre pelo Estreito de Bering e adentraram as Américas à medida que as camadas de gelo que cobriam o Canadá durante o Último Máximo Glacial (26,5 mil a 19 mil anos atrás) começavam a se esvair. Por esse e por outros motivos, a descoberta está sendo recebida com cautela por especialistas externos que revisaram os dados apresentados na revista científica Nature.

    As pedras que os pesquisadores acreditam ser ferramentas produzidas por mãos humanas foram submetidas a um exame minucioso. Embora os pesquisadores tenham demonstrado que a pedra é proveniente do exterior da caverna, alguns especialistas questionam se realmente são artefatos humanos ou se foram criados por processos geológicos naturais.

    O zooarqueólogo Joaquin Arroyo-Cabrales, à esquerda, e a especialista em datação por radiocarbono Lorena Becerra-Valdivia, no centro, analisam restos de animais encontrados na Caverna Chiquihuite.

    Foto de Devlin Gandy

    As ferramentas de pedra encontradas na caverna Chiquihuite são feitas de um tipo de calcário cristalizado esverdeado que foi coletado do lado de fora da caverna.

    Foto de Ciprian Ardelean

    Loren Davis, o arqueólogo do estado do Oregon que comanda as escavações no sítio arqueológico inicial de Cooper's Ferry, em Idaho, Estados Unidos, aponta que os ambientes das cavernas também geram muitas pedras fraturadas de forma natural que podem ser confundidas com artefatos.

    “É preciso lembrar que os humanos não detêm o monopólio da física necessária para quebrar rochas”, afirma Davis.

    Ele também está preocupado com a ausência de outros indícios de ocupação humana nos depósitos da caverna, como restos de fogueiras e ossos de animais com marcas de corte.

    “Há uma grande lista de tudo que se espera ver em um sítio arqueológico, e [os pesquisadores de Chiquihuite] não têm nada além de pedras quebradas”, diz Davis. “E, tirando as pedras, não há realmente nada.” Embora diga que a pesquisa é “intrigante”, ele prefere não emitir uma opinião.

    Vista para o sul da Sierra del Astillero, próximo à entrada da Caverna Chiquihuite. Dezenas de milhares de anos atrás, essa região era exuberante, com árvores e repleta de lagos.

    Foto de Devlin Gandy

    Depois, há o surpreendente fato de que o estilo de fabricação das ferramentas — a maneira distinta como as pedras parecem ter sido modeladas — é totalmente singular.

    “É muito curioso que o conjunto seja tão diferente de tudo que já se viu antes”, diz o arqueólogo Tom Dillehay da Universidade de Vanderbilt. “Como é possível que isso não esteja relacionado a nada encontrado anteriormente? Bem, é possível.”

    Em 1997, Dillehay apresentou evidências da chegada de pessoas ao extremo da América do Sul, em um local conhecido como Monte Verde, cerca de 14,5 mil anos atrás, mil anos antes das estimativas aceitas naquela época. Sua alegação provocou furor, mas suas descobertas acabaram sendo confirmadas.

    Dillehay observa que recebeu críticas semelhantes sobre as ferramentas de pedra encontradas por ele em Monte Verde, e acha que alguns dos projéteis de Chiquihuite podem ser precursores de pontos posteriores encontrados na região centro-norte do México.

    Mas ele também expressou receios sobre a aparente falta de evolução tecnológica nos artefatos de pedra. Com base nas datas por radiocarbono do carvão escavado em seu solo, o uso da caverna por seres humanos durou cerca de 20 mil anos. Dillehay indica que há mudanças marcantes nas ferramentas de pedra utilizadas em Monte Verde ao longo de milhares de anos, no entanto, durante um período muito mais longo, as pedras de Chiquihuite não mostram sinais de evolução nas técnicas de fabricação de ferramentas.

    As enormes galerias de calcário da Caverna Chiquihuite permanecem em constantes 12,2 graus Celsius, mesmo no inverno, quando os pesquisadores trabalham no local.

    Foto de Devlin Gandy

    O professor da Universidade do Oregon Dennis Jenkins, que dirige as escavações no sítio arqueológico inicial de Paisley Caves, está preocupado com o fato de que muitas das supostas lâminas de pedra não parecerem particularmente afiadas, com base nas fotos apresentadas no artigo da revista científica Nature . “No entanto havia alguns que definitivamente pareciam artefatos em potencial”, afirma ele. E o fato de a pedra ter se originado fora da caverna acrescenta peso à alegação de que foi transportada e fabricada para uso por humanos, diz Jenkins.

    Vários outros pesquisadores externos contatados pela National Geographic preferiram não comentar e encaminharam perguntas para Michael Waters, diretor do Centro para o Estudo dos Primeiros Americanos da Universidade A&M do Texas e especialista proeminente em povoação das Américas. Waters revisou o artigo, mas também preferiu não comentar. Contudo forneceu à National Geographic uma revisão da revista científica Science de 2019, de sua autoria, que conclui que os dados genéticos e arqueológicos atuais não respaldam uma ocupação das Américas antes de 17,5 mil anos atrás.

    Próximos passos

    Atualmente, a equipe de Chiquihuite está preparando outro artigo sobre sua pesquisa e Ardelean está confiante de que os novos dados fornecerão respaldo adicional a suas conclusões. No entanto Ardelean lembra constantemente à sua equipe que a Caverna Chiquihuite é apenas um dos muitos locais que oferecem um panorama mais completo e complexo de quando e como as pessoas chegaram às Américas.

    Membros da equipe de escavação da Caverna Chiquihuite entram no local. No início da temporada de escavação de dois meses, um comboio de mulas transporta mais de 1,5 tonelada de equipamentos para o local — incluindo todo o aparato de acampamento, comida e água necessários para uma equipe de cerca de oito pessoas.

    Foto de Devlin Gandy

     “Esse estudo mostra que precisamos reexaminar o que acreditamos saber sobre a povoação das Américas e precisamos estar abertos a aceitar um período de tempo muito maior”, diz Devlin Gandy, membro da equipe de Chiquihuite e arqueólogo da Universidade de Cambridge.

    Entretanto as datas fornecidas pelos dados de Chiquihuite “certamente serão contestadas de forma voraz”, diz Jenkins. “Não tenho dúvidas quanto a isso.”

     

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