Sétimo bioma brasileiro esconde tesouro de peixes, mamíferos, aves e algas

Sistema Costeiro-Marinho foi incorporado ao mapa de biomas brasileiros pelo IBGE em 2019.
Por João Paulo Vicente, Keryma Lourenço
Publicado 8 de jun. de 2021, 07:00 BRT, Atualizado 8 de jun. de 2021, 10:10 BRT

O mar quando quebra na praia. É bonito, é bonito. Mas não só: ele também é riquíssimo em vida animal e vegetal. Dos mangues do litoral amazônico às águas profundas e para além da plataforma continental, o sistema Costeiro-Marinho brasileiro tem uma variada biodiversidade distribuída por uma série de ecossistemas diferentes entre si, e não costuma ser encarado como um bioma tal qual a Amazônia ou o Pampa.

Mas, tanto por uma necessidade política de conversação quanto de categorização desse ambiente, isso tem mudado. Sistema Costeiro-Marinho, inclusive, é o nome utilizado pelo IBGE para se referir a essa região no mapa de biomas publicado em 2019. Se considerado todo o território marítimo brasileiro, que extrapola a metodologia usada pelo IBGE, a área tem cerca de 4,5 milhões de km², o equivalente a mais da metade do território terrestre do Brasil.

Incorporado pelo IBGE ao mapa de biomas brasileiros em 2019, o sistema Costeiro-Marinho sobrepõe todos os outros biomas no litoral.

Foto de Ilustração de Keryma Lourenço

Além disso, o sistema também inclui áreas no continente. São quase 195 mil km² de manguezais, restingas, praias arenosas, estuários, costões rochosos, entre outros ecossistemas que se sobrepõe a outros biomas – área maior que a do Pampa inteiro. Um manguezal em Alagoas, por exemplo, faz parte da Mata Atlântica e do sistema Costeiro-Marinho.

Os mangues, aliás, ilustram bem a necessidade do reconhecimento do novo bioma. “Faz total sentido ter esse bioma Marinho Costeiro. O manguezal, por exemplo, ficava num buraco. A Lei da Mata Atlântica garantia a conservação do ecossistema, mas a gente caía num probleminha, porque o manguezal também está na Caatinga e na costa amazônica”, diz Clemente Coelho Junior, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE).

Os manguezais são considerados áreas de proteção permanente, mas Clemente conta que já aconteceram casos em que havia tentativas de desmatar mangues em áreas de Caatinga – o entendimento anterior era de que mangue, afinal, era só na Mata Atlântica.

Por outro lado, é inegável que esse seja apenas um recorte do sistema Costeiro-Marinho, que envolve áreas bastante distintas. “O ambiente costeiro-marinho é enorme, rico, diverso e tem uma interface absurda com a parte terrestre”, afirma Otto Gadig, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São Vicente, litoral de São Paulo.

Macroalgas e fitoplâncton

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      Nome popular: Alga castanha

      Nome científico: Laminaria abyssalis

      Única alga castanho do gênero Laminaria do Brasil, ela é endêmica do litoral do Espírito Santo. As áreas onde nascem são chamadas pelos pescadores de 'mares de bananeiras', devido aos largos frondes. 

      Foto de Ilustração de Keryma Lourenço

      Órgãos oficiais dividem o sistema de diferentes formas – o IBGE lista quatro plataformas ao longo do litoral; e o programa Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva, da Marinha, três. Para simplificar essa história, o biólogo João Luiz Rosetti Gasparini divide a geografia marinha brasileira em dois grandes grupos e estabelece Vitória, no Espírito Santo, como um marco. “[Do Norte] até o Espírito Santo, tem uma predominância de recifes biogênicos, formados também por algas calcárias, como aqueles que você vê em Porto Seguro, além de águas mais quentes”, diz Gasparini. Para baixo, explica ele, começam os costões rochosos, ilhas costeiras e é notável o fenômeno da ressurgência no litoral carioca que torna a água mais fria.

      “Como é uma área de transição, o Espírito Santo é extremamente rico tanto em espécies da zona tropical quanto subtropical – se pensarmos em termos de algas e invertebrados, é possivelmente uma das zonas mais ricas”, conta Mariana Cabral de Oliveira, do Laboratório de Macroalgas do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

      Oliveira cita o caso das algas da espécie Laminaria abyssalis, endêmicas do estado e únicas do gênero encontradas no Brasil. “São algas de clima frio, muito comuns no Chile e Califórnia, e crescem em profundidade no Espírito Santo, em bancos em torno de 45 a 120 metros de profundidade, por conta da ressurgência de águas frias”, explica. Por conta dos frondes – o equivalente a folhas – das algas, pescadores locais chamam as áreas onde a espécie é encontrada de ‘mar de bananeiras’, de acordo com Oliveira.

      Segundo o site Flora do Brasil, hoje são conhecidas 762 espécies de macroalgas no Brasil. Oliveira afirma, no entanto, que o número atual deve estar próximo de 800. A mais famosa delas, que para muita gente se confunde com a própria ideia de alga, são os sargaços, uma ampla variedade de espécies de algas pardas do gênero Sargassum.

      O sargaço, assim como grande parte das macroalgas, cresce fixada ao substrato marinho. No entanto, é normal que ressacas e tempestades as arranquem do solo. “E elas têm uma espécie de vesícula flutuadora; então, quando são arrancadas, ficam flutuando por aí e às vezes vão parar na areia da praia em grande quantidade”, diz Oliveira.

      A professora explica que há uma boa compreensão das macroalgas brasileiras, com estudos que se intensificaram a partir da década de 1960. O mesmo não pode ser dito em relação às microalgas. As microalgas são unicelulares, minúsculas e vivem soltas, flutuando conforme a corrente. São 1.250 espécies conhecidas para o Brasil, que, quando analisados em conjunto, formam o fitoplâncton, área de estudo da professora Áurea Maria Ciotti, do Centro de Biologia Marinha da USP.

      “É um tema bem ignorado”, diz Ciotti. Mas não deveria. Primeiro, porque as microalgas são a base de toda a cadeia alimentar dos oceanos. Segundo, porque são responsáveis pela produção de metade do oxigênio da Terra.

      O desconhecimento sobre o fitoplâncton, explica a professora, não se restringe ao Brasil – há uma carência mundial de taxonomistas especializados. “Nas últimas décadas, a distribuição foi considerada mais importante do que a diversidade – saber quanto tem era mais importante do que saber quem estava lá”, afirma Ciotti. “Agora, precisamos saber quem está lá até para entender certinho como funciona.”

      Um exemplo claro de como essa compreensão é importante são as marés vermelhas, concentrações atípicas de microalgas que têm ocorrido com maior frequência em todo mundo. Até onde se sabe, poucas espécies de microalgas são capazes de se acumular. Ao contrário do que ocorre no ambiente terrestre, onde a biomassa de material verde aumenta ao longo do tempo, o fitoplâncton normalmente vive poucas horas.

      Imagine um feijão – mesmo que o grão seja consumido, a planta continua lá. No fitoplâncton, por outro lado, não há acúmulo de biomassa. “Há resposta dinâmica entre o que está entrando e saindo por unidade do tempo, o que eu explico para os meus alunos com a analogia do brigadeiro”, diz Ciotti. “Numa festinha de aniversário, se você estiver enrolando e comendo os brigadeiros, uma máquina em cima do prato não vai registrar nada, mas, na verdade, existe uma produção que é consumida conforme é produzida.”

      Para que esse equilíbrio se mantenha, há o balanço de inúmeros fatores e, em alguns casos, é natural que algumas espécies se acumulem – como se quatro pessoas enrolassem brigadeiros e apenas uma delas os comesse. O problema é que esses casos estão se tornando mais comuns e, muitas vezes, as microalgas acumuladas produzem substâncias tóxicas que causam a morte de peixes e outros animais marinhos.

      “Existe uma quase certeza que essas florações [como são chamados os acúmulos de fitoplânctons, como a maré vermelha] estão ficando mais frequentes em regiões onde há impactos ambientais”, defende a professora. Impactos ambientais causados por nós.

      Peixes e consumo alimentar

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        Nome popular: Grama brasileiro

        Nome científico: Gramma brasiliensis

        Risco de extinção: 

        Este peixe pequeno – tem no máximo 6 cm – é endêmico dos recifes brasileiros e muito visado por aquaristas do mundo inteiro. Incluído Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção de 2013, teve sua captura proibida. Com a recuperação da população, foi retirado na edição 2019 do documento e voltou a chamar atenção de criadores.

        Foto de Ilustração de Keryma Lourenço

        De acordo com o Catálogo das Espécies de Peixes Marinhos do Brasil, publicado em 2003, 1.297 espécies de peixes são encontrados no sistema Costeiro-Marinho. O catálogo, no entanto, inclui “espécies exclusivas de água doce que pertencem a grupos de origem marinha”.

        Já o artigo South-western Atlantic reef fishes (Peixes de coral do Sudoeste Atlântico, em tradução livre), de 2018, trabalha com o número de 733 espécies exclusivamente marinhas, dentre as quais 111 são endêmicas da região que engloba a costa brasileira e argentina. No meio desse número, há 405 tipos de peixes que vivem em ambientes recifais.

        “Até a década de 1970, pensava-se que a fauna brasileira de peixes marinhos, principalmente peixes recifais, era a mesma do Caribe, mas com menos espécies”, diz João Gasparini. “Na verdade, nós tínhamos um número grande de espécies não descritas. Mergulhando, fotografando e comparando, vimos que estávamos bem distantes de lá.”

        Gasparini trabalha principalmente com répteis – ele foi um dos responsáveis por descrever uma das jararaca ilhoas – e peixes recifais de ilhas oceânicos, regiões onde há alta taxa de endemismo.

        “São Pedro e São Paulo é um arquipélago único, isolado no meio do nada, não pertencem às placas tectônicas brasileiras, nasceu de uma falha no meio do Atlântico”, diz Gasparini. “Você está mergulhando a 25 metros de profundidade, olha para o lado e há um abismo de mil metros. Como as ilhas são minúsculas e há uma relação entre o tamanho da ilha e o número de espécies endêmicas, não há tanta variedade.” Ao todo, o arquipélago tem 13 mil m².

        O biólogo conta que já descreveu nove espécies de peixes recifais nas ilhas oceânicas brasileiras – são cinco no total, além de São Pedro e São Paulo, Fernando de Noronha, Martim Vaz, Trindade e Atol das Rocas. Para ele, no entanto, o peixinho mais emblemático dos recifes brasileiros vive próximo da costa: o Gramma brasiliensis. Colorido em fortes tons de amarelo e roxo, ele mal passa de 6 cm de comprimento e é encontrado apenas no Brasil.

        Muito visado por aquaristas, o Gramma brasiliensis já foi considerado ameaçado de extinção, mas foi retirado da última edição do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção do ICMBio, de 2018. Ainda assim, a última lista traz 100 espécies ameaçadas, dentre as quais 19 endêmicas.

        Entre os ameaçados, há garoupas, badejos, cações, raias e bagres, peixes fáceis de serm encontrados à mesa dos brasileiros. Em outras palavras, a pesca é uma atividade de alto risco para a conservação da fauna marinha. Esse cenário é especialmente complexo porque o Brasil parou de produzir dados nacionais sobre a produção pesqueira no final da década passada.

        “A gente simplesmente está sem estatística pesqueira no país há mais de dez anos. É a maior lacuna possível imaginária”, afirma Ana Paula Prates, engenheira de pesca e conselheira da Liga das Mulheres Pelos Oceanos. “Não sabemos o quanto é pescado, nem onde é pescado, nem quais espécies, nem quem pesca.”

        Como se isso não bastasse, há uma enorme falta de consenso na nomenclatura de peixes – espécies diferentes são chamadas pelo mesmo nome e nomes diferentes são usados em referência à mesma espécie. A consequência disso é a captura e venda de peixes que deveriam ser protegidos.

        “Você proíbe a pesca do tubarão, um tipo de cação-viola, mas tem outro tubarão que é igualzinho e ninguém separa. Posta de cação ninguém sabe o que é; o pescador não quer ser preso, então descabeça o peixe, tira a nadadeira, e aí começa a confusão”, diz Cintia Miyaji, diretora da Paiche, uma consultoria especializada em pesca sustentável. “A nomenclatura é outro problema, e, às vezes, nem é má-fé. Existem instruções normativas que definem nomes, mas uma espécie tem cinco, seis nomes, e o mesmo nome pode ser usado para cinco, seis espécies.”

        O resultado disso são muitas fraudes. Uma pesquisa da fundação SOS Mata Atlântica de 2014 encontrou 29 casos de rotulagens trocadas em São Paulo e 14 no Rio de Janeiro. Em São Paulo, cação era vendido como badejo, por exemplo – ambas as espécies estão ameaçadas de extinção. Já no Rio, filé de panga, um peixe importado de baixo valor comercial, era vendido como pescada ou linguado.

        Corrigir problemas como esses depende de fiscalização por parte do governo, mas outro fator dessa equação é conscientizar o público sobre quais as espécies mais adequadas para consumo. “Tem esse distanciamento grande entre a ciência e o consumidor final. Então, para traduzir para o público o que a ciência produz, nós criamos o guia em 2008”, conta Miyaji.

        O Guia do Consumo Responsável do Pescado no Brasil foi produzido com alunos de graduação da Universidade Estadual de Montes Claros, onde Miyaji lecionava na época. A publicação chamou atenção do público – e incomodou a indústria pesqueira. Em resumo, o guia distingue as espécies em três grupos: consumo liberado, com moderação e aquelas que devem ser evitadas.

        Uma segunda edição foi publicada em 2015 com apoio da Petrobras. Hoje fora de circulação (há um modelo em chatbot ainda em fase de testes que pode ser acessada aqui), o Guia trazia as seguintes recomendações:

        Bom apetite: anchoíta, baiacu, bonito, calamar, camarão-barba-ruça, camarão-branco, camarão-santana, carapeba, cavala, cavalinha, cocoroca, espada, lula, manjuba, olhete, palombeta, sardinha-boca-torta, sardinha-laje, savelha, sororoca, xerelete (carapau), e xixarro.

        Coma com moderação: abrótea, albacorinha, anchova, atum, cabrinha, camarão-sete-barbas, corvina, goete, lagostim, merluza, mexilhão, ostra, parati, pescada-amarela, pescada-branco, pescada-cambucu, pescada-foguete, pescada-olhuda, polvo, robalo, sardinha, siri, tainha, e trilha.

        Evite: badejo, bagre, batata, cação, camarão-rosa, caranha, castanha, cherne-verdadeiro, emplastro, garoupa, linguado, namorado, pargo e raia.

        Mas o cenário é altamente mutável e há escassez de dados atualizados. Em 2015, por exemplo, o guia também trazia a recomendação de consumo à vontade de atum em lata. Isso porque a espécie utilizada para produzir as latas é o bonito-de-barriga-listrada, cuja população é saudável. “Mas isso está mudando, há uma nova forma de pescaria no Nordeste que está capturando atuns juvenis, de espécies que alcançariam tamanhos muito maiores, o que dá muito espaço para discussão”, explica Miyaji. Hoje, afirma ela, o atum em lata não entraria no Guia.

        Raias e tubarões

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          Nome popular: Raia jamanta

          Nome científico: Mobula birostris

          Risco de extinção (IUCN): Em perigo

          A raia jamanta pode atingir até sete metros de envergadura e pesar mais de 1,5 toneladas. Elas vagam pelos mares do mundo inteiro e podem ser avistadas na costa brasileira.

          Foto de Ilustração de Keryma Lourenço

          Caso seja preciso tirar apenas um pescado do cardápio, Miyaji é taxativa: cação. Cação, para quem não sabe, é o mesmo que tubarão, e engloba várias espécies, muitas ameaçadas. “Além disso, ele é um predador de topo, e há diversos estudos que mostram como predadores de topo acumulam metais pesados, que fazem mal para nossa saúde. Nós não devíamos mais comer tubarão.”

          Por falar em tubarão, há uma ampla variedade de espécies encontradas nos mares brasileiros. Tubarões são peixes cartilaginosos, assim como raias e quimeras, encontradas em águas profundas. Ao todo, o Brasil tem 212 peixes cartilaginosos, com 110 raias – incluindo cerca de 30 de água-doce –, 96 tubarões e seis quimeras.

          Segundo Otto Gadig, professor da Unesp e autor do livro A Vida dos Tubarões e das Raias, isso nos coloca como o sexto país mais biodiverso para esses peixes. A posição é interessante pois a costa brasileira não é tão grande como a Austrália, nem abarca dois oceanos diferentes, como os Estados Unidos. Para completar, também não há esforço de pesquisa específico como outros países que apresentam números muito altos de peixes cartilaginosos, como a Índia.

          “Das cerca de 180 espécies marinhas que temos, eu chutaria que, no mínimo, 20 são endêmicas, a maioria dela raias, por terem uma mobilidade e poder de dispersão menor”, afirma Gadig.

          Outros animais mais famosos, no entanto, são encontrados por todo mundo e fazem parte do imaginário dos amantes do mar. A jamanta, por exemplo, é uma raia que pesa mais de uma tonelada e meia, com envergadura de até sete metros – é comum avistá-la no Brasil.

          Já o tubarão-branco, é bem mais raro. Ainda assim, entre registro oficiais e avistamentos relatados, Gadig diz serem conhecidos entre 25 e 30 encontros com a espécie no Brasil, principalmente no litoral do Rio de Janeiro.

          De qualquer forma, é provável que o número atual de peixes cartilaginosos brasileiros conhecidos não reflita a realidade. Para se ter uma ideia, só neste século foram descritas 30 novas espécies – 12 só de raias de água-doce. Muitas delas animais grandes, com mais de um metro. “Não é microorganismo”, brinca o professor. “São bichos grandes.”

          O problema é que faltam recursos para expedições de pesquisa, principalmente para águas profundas. “No Brasil, nossos dados dependem da pescaria. A gente acompanha o desembarque, interage com os pescadores”, conta Gadig, que já participou da descrição de duas raias e dois tubarões.

          Um desses casos é ilustrativo do processo citado pelo professor. Em 1994, quando fazia mestrado na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, um pescador doou a Gadig uma raia diferente. Alguns anos depois, em 2000, ela finalmente foi descrita como Dasyatis marianae, uma espécie – até onde se sabe – endêmica do Brasil.

          O curioso é que a raia não era um animal escondido nos recônditos escuros do mar profundo, mas um peixe de 40 cm de diâmetro que nada em fundos de areia e corais rasos. “É uma raia costeirinha”, diz o professor. “É impressionante.”

          Répteis e aves

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            Nome popular: Tartaruga-verde

            Nome científico: Chelonia mydas

            Risco de extinção (IUCN): Em perigo

            A tartaruga-verde é a mais vista no litoral brasileiro – não por ser a mais numerosa, mas por ter um comportamento curioso. Quando atinge quatro ou cinco anos de idade, ela deixa de ser carnívora para se alimentar de algas e se aproxima de recifes costeiros e costões rochosos.

            Foto de Ilustração de Keryma Lourenço

            Nem só de peixes vive o mar, é claro. Das setes espécies de tartarugas marinhas conhecidas no mundo, cinco são encontradas no Brasil – todas estão ameaçadas de extinção. A mais fácil de se observar é a tartaruga-verde, ainda que não seja a mais abundante no país.

            “As tartarugas marinhas passam o período de desenvolvimento dos primeiros anos em alto mar e só agora estamos começando a entender para onde vão e o que fazem nesse período”, diz Leandro Bugoni, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que pesquisa tartarugas marinhas e aves. “Elas só voltam para desovar. Mas, no caso da tartaruga-verde, tem uma fase, por volta dos quatro ou cinco anos de idade, que ela habita as regiões costeiras, muda a alimentação de carnívora para herbívora e passa a consumir macroalgas.”

            Essa aproximação faz com que as tartarugas-verdes sejam vistas nadando próximas a recifes de corais e costões rochosos. Mais comum, no entanto, não significa mais abundante. Enquanto as verdes desovam principalmente em ilhas oceânicas, a tartaruga-cabeçuda tem uma distribuição mais ampla, com áreas de desova de Sergipe ao Rio de Janeiro.

            As espécies mais ameaçadas, por sua vez, são a tartaruga-de-pente e a tartaruga-de-couro. Esta última é a maior de todas: atinge uma tonelada e mais de dois metros de comprimento. “A gente tem uma população bem pequena no Espírito Santo”, conta Bugoni. “Poucas dezenas de indivíduos desovam no Brasil, mas recebemos imigrantes do Gabão, na África, onde há uma colônia grande da espécie, que vem para cá no período não reprodutivo.”

            As tartarugas-marinhas, explica o professor, têm um comportamento de filopatria, uma tendência de retornarem aos locais onde nasceram para reproduzir. Nas tartarugas, suspeita-se que exista um processo de marcação geográfica na memória dos animais durante a fase inicial da vida. Por conta disso, programas de recuperação não liberam filhotinhos em alto mar, onde estariam mais seguros, mas sim na areia da praia, onde estão sujeitos a serem predados por caranguejos, peixes na zona de arrebentação e aves.

            Boa parte das espécies de aves, aliás, também apresentam filopatria. De quase 11 mil espécies conhecidas no mundo, apenas 350 são marinhas. “As marinhas são uma proporção muito pequena”, afirma Bugoni. “É um ambiente muito difícil de sobreviver, há uma série de adversidades.”

            De qualquer forma, conta ele, em torno de 130 delas são encontradas no território brasileiro, “e toda hora aparece um bicho novo”. Desse número, 20 constam no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.

            A maior parte das aves marinhas brasileiras não reproduz por aqui, mas visitam o país para buscar alimentos ou durante o período migratório. Em alguns casos, elas vêm de muito longe. O albatroz-errante sai das Ilhas Geórgias do Sul, território britânico próximo à Antártica, e vem fazer um lanchinho no Sul do Brasil.

            “Elas percorrem três mil quilômetros, se alimentam aqui, e voltam. São seis mil quilômetros em uma semana, ida e volta”, explica o professor da Furg. “Como aproveitam o vento para se deslocar, vale a pena do ponto de vista energético.”

            Se considerada a porção terrestre do sistema Costeiro-Marinho, há algumas espécies de aves endêmicas do bioma. A cocoruta e a juruviara-de-noronha, por exemplo, são encontradas apenas em Fernando de Noronha. Entre as espécies marinhas, no entanto, praticamente inexiste endemismo. Os únicos casos de endemismo são dois tipos de fragatas que vivem na Ilha de Trindade, a Fregata trinitatis e a Fregata minor, até há pouco consideradas como subespécies. No entanto, o estudo que as descreveu como espécies independentes ainda é contestado na comunidade científica.

            “Eu apostaria que são mesmo duas espécies exclusivas do Brasil, então continuamos estudando para comparar com outras populações e tentar bater o martelo”, diz Bugoni.

            Mamíferos

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              Nome popular: Baleia-jubarte

              Nome científico: Megaptera novaeangliae

              Risco de extinção (IUCN): Pouco preocupante 

              Caçada até quase a extinção, as jubartes têm sido vistas com cada vez mais frequência no litoral brasileiro, especialmente no Sudeste e no sul da Bahia, onde chegam durante o inverno.

              Foto de Ilustração de Keryma Lourenço

              Um dos melhores exemplos de animal ameaçado de extinção cuja população têm se recuperado graças a esforços de conservação nos mares brasileiros são as baleias jubartes. Em meados do século passado, o número de jubartes, que passa dos 15 metros de comprimento e pesa até 30 toneladas, foi reduzido a menos de mil no Brasil, graças à caça desregulada.

              Com a proibição da atividade em grande parte do mundo, hoje estima-se cerca de 25 mil na costa brasileira. Uma consequência inesperada dessa melhora é que agora é mais comum ver esses gigantescos animais encalharem nas praias. “Ela saiu das espécies ameaçadas e é natural que tenhamos mais encalhes – quanto mais baleias, mais morrem de causas naturais”, diz Milton Marcondes, diretor do Instituto Baleia Jubarte, sediado em Caravales, na Bahia.

              A recuperação das jubartes é importante sob diversos aspectos e fica fácil sintetizá-los em um levantamento feito em parceria entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Universidade Duke. Segundo essa avaliação, as grandes baleias que utilizam águas brasileiras têm um valor de US$ 82,5 bilhões.

              O cálculo leva em consideração a quantidade de carbono que as baleias retiram da atmosfera,  o impacto na produção do fitoplâncton por meio da fertilização do oceano – que traz efeitos positivos sobre grandes cardumes de peixes – e o turismo de observação.

              O montante, no entanto, não diz respeito apenas às jubartes. De todos os 86 cetáceos – infraordem das baleias e golfinhos – conhecidos no mundo, 54 são encontradas no Brasil – o número também diz respeito a espécies de água doce. Sete dessas são consideradas em risco de extinção, como a baleia franca, encontrado com frequência no Sul do país.

              “A franca ainda é ameaçada de extinção, mas está se reproduzindo e a população aumenta lentamente”, afirma Marcondes. “Agora têm várias espécies que a gente não tem informação suficiente sequer para estabelecer um status de ameaça.” De qualquer forma, na lista de ameaças, também está a baleia-azul, o maior animal que já viveu na Terra, com 30 metros de comprimento e mais de 150 toneladas de peso, cujo avistamento no Brasil é raro, mas aumenta devido a programas de monitoramento da costa.

              Entre golfinhos, são duas espécies ameaçadas, o boto-cinza e a toninha. Ambos frequentam águas costeiras e sofrem com o impacto de pesca, seja por ficarem presos em redes ou serem atropelados por embarcações. A toninha, inclusive, é o mais próximo de um cetáceo marinho endêmico do Brasil: além do país, só é encontrada na Argentina e Uruguai.

              Outro mamífero marinho emblemático é o peixe-boi-marinho, também ameaçado de extinção. “Talvez seja um dos bichos mais simbólicos, mais importantes para conservação”, diz Clemente Coelho Junior, da UPE. Na verdade, toda a história dos peixe-bois é cheia de simbologia. Quando navegadores europeus chegaram nas Américas no século 15 e os avistaram, pensaram estar vendo sereias.

              Desse começo cheio de glamour, os peixes-bois viraram comida barata e abundante. No livro A Carne, a Gordura e os Ovos, de Marlon Fiori e Christian dos Santos, há o relato do que foi dito pelo padre jesuíta Domingos de Araújo, em 1720. Segundo o padre, se fossem empilhadas todas as tartarugas e peixes-bois abatidos para alimentar os colonos, o resultado seria uma montanha maior do que Potosí – cidade boliviana com altitude de 4 mil metros.

              Hoje, a estimativa é que existam entre quinhentos e mil peixes-boi-marinho na natureza, próximos a regiões de mangue entre Alagoas e Piauí. Os mangues, na verdade, são essenciais não só para os peixes-boi, como para inúmeras outras espécies. No Brasil, eles se estendem desde o Amazonas até a costa de Santa Catarina.

              “O manguezal tem uma fauna associada, ele impulsiona a biodiversidade marinho-costeira”, conta Coelho Junior. “Estima-se que 70%, 80% do pescado, da produção pesqueira marinha do Brasil, pelo menos em uma parte da vida utilizou estuários manguezais.” O professor explica que os mangues brasileiros são compostos por seis espécies diferentes de árvores – áreas semelhantes no Oceano Índico, por exemplo, podem chegar a 35 espécies.

              A variedade aparentemente baixa, no entanto, não reduz a importância do papel desempenhado pela vegetação. “Elas cumprem uma função de produtividade primária tão bem quanto uma floresta com 35 espécies”, diz ele. Muito por conta disso, a primeira iniciativa de proteção de mangues é de 1760, quando D. José I publicou um alvará que proibia a derrubada de árvores dessas áreas.

              De lá para cá, houve melhoras na proteção dos mangues (novamente ameaçados) e do bioma Costeiro-Marinho como um todo. No início da década, apenas 1,5% do território marítimo brasileiro era protegido. Hoje, esse percentual aumentou para 26,3%, muito por conta de dois grandes mosaicos de preservação ao redor das ilhas de São Pedro e São Paulo e Trindade e Martim Vaz.

              Isso não significa que seja possível baixar a guarda. O derramamento de óleo no litoral Nordeste do Brasil em 2019, um episódio ainda em investigação, é um exemplo das ameaças constantes sobre esse bioma ainda não tão conhecido como tal.

              Para piorar, o Brasil assiste a um verdadeiro desmonte da sua legislação ambiental. No Espírito Santo, onde os mares quentes do norte e frios do sul se encontram para uma explosão de vida, há projetos de construção de portos praticamente a cada 30 km e não há estudos suficientes para avaliar o impacto das mudanças que esses empreendimentos podem causar.

              “Dá para pensar em muitas coisas no efeito a longo prazo, com dragagem, descaracterização de habitats, mudanças de marés e correntes”, diz o biólogo João Gasparini. “E não há previsão de nenhum tipo de estudo de sinergia de impacto.”

              Por enquanto, o mar continua bonito quando quebra na praia. Mas é preciso ter cuidado para que isto não vire apenas uma lembrança saudosa em uma música antiga.

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