
Por que quando os leões atacam os porcos-espinhos, quem corre perigo são os humanos?
Um leão com espinhos de porco-espinho presos no rosto e no pescoço, no Parque Transfronteiriço Kgalagadi, na África do Sul.
O Dia Mundial do Leão, celebrado anualmente em todo 10 de agosto, é a data perfeita para descobriur histórias surpreendentes sobre o "rei das selvas". Como esta, ocorrida em 1965 e que desencadeou uma série de descobertas.
Neste ano, o leão “devorador de homens de Darajani” ficou famoso após um artigo na revista norte-americana "Outdoor Life" ter relatado o ataque do leão a um caçador no Quênia, África. E ele não foi o único — na época, uma seca cada vez mais severa deixou os grandes felinos desesperados por presas, e houve ataques de leões a outras pessoas no sul do Quênia naquele ano.
Mas havia algo curioso sobre o leão de Darajani. Depois que ele foi capturado e morto, descobriu-se que o leão tinha um espinho de porco-espinho presa em seu nariz.
Em uma investigação recente, liderada por Julian Kerbis Peterhans, pesquisador da Roosevelt University de Chicago, nos Estados Unidos, cientistas examinaram a carcaça desse leão e descobriram que o espinho penetrou mais de 15 centímetros no focinho do felino, quase perfurando seu cérebro.
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O espinho é quase certamente a razão pela qual ele se tornou um “devorador de homens”, diz Kerbis Peterhans. Com esse espinho no focinho, o leão tinha dificuldade para caçar, ficou emaciado e passou a atacar humanos por desespero, ele analisa.
Essa é apenas uma das conclusões de um artigo de Kerbis Peterhans e colegas, o primeiro estudo em grande escala sobre as interações entre leões e porcos-espinhos.
O relatório, publicado no "Journal of East African Natural History", sugere que os leões geralmente evitam os porcos-espinhos, a menos que a escassez de presas os leve a atacar esses animais espinhosos. Essas interações podem levar à morte ou a ferimentos graves — o que, por sua vez, pode levar os leões a caçar seres humanos, gado e cavalos.
Os leões também são mais propensos a fazer isso em anos de seca, como em 1965 — que foi um ano anormalmente seco no Quênia. A equipe examinou outro leão abatido naquele ano que também havia matado pelo menos uma pessoa. E como o leão famoso, ele tinha também um espinho de porco-espinho alojado em um de seus dentes fraturados.

O “devorador de homens de Darajani”, um leão que matou um caçador queniano em 1965, com uma espinha de porco-espinho visivelmente saindo de seu focinho.
Leões caçados e mortos
Quase 70 anos antes do ataque do leão devorador de homens de Darajani, um par de leões muito mais famoso causou estragos na região de Tsavo, a apenas algumas dezenas de quilômetros de distância, também no Quênia. Em um curto período, eles supostamente comeram mais de 100 pessoas.
Esses dois grandes felinos, imortalizados em um livro famoso e no filme mais recente, “A Sombra e a Escuridão” (1996), também tinham fragmentos de espinhos de porco-espinho presos em fraturas nos dentes, comenta Kerbis Peterhans.
Aquele ano, 1898, também foi um ano de seca nessa região e, embora os ferimentos causados pelos animais com espinhos não pareçam ter levado os leões a caçar humanos nesse caso, isso sugere que os animais estavam mais desesperados do que o normal.
Ao todo, o estudo documenta dezenas de interações entre leões e porcos-espinhos. Ele detalha 40 casos em que leões foram gravemente feridos pelos espinhos dos animais e outros 10 casos em que foram mortos. Isso pode acontecer quando os espinhos perfuram o coração ou artérias importantes, explica Kerbis Peterhans.
Os leões também tendem a caçar mais porcos-espinhos durante secas severas e em áreas áridas, onde presas maiores são menos abundantes. Em locais com baixos níveis de chuva, por exemplo, os porcos-espinhos representam em média 28% da dieta dos grandes felinos, enquanto em áreas mais úmidas, eles normalmente representam menos de 4%, segundo o estudo.
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Jovem, imprudente e do sexo masculino
Esses leões jovens machos são frequentemente aqueles que foram recentemente expulsos de suas alcateias pelos pais e acabaram de começar a aprender a caçar sozinhos. “É difícil ser um animal jovem que não é mais alimentado pelos pais”, diz Laurence Frank, especialista em leões do Museu de Zoologia Vertebrada da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos.
Ele acrescenta que as interações entre esses dois animais devem ser investigadas mais profundamente “porque é uma causa comum de ferimentos graves, se não morte, especialmente para leões machos jovens”.
James Stevenson-Hamilton, que atuou como guarda florestal da Reserva Sabi, na África do Sul, que foi ampliada e renomeada como Parque Nacional Kruger sob sua liderança, observou a mesma coisa há muito tempo, no início do século 20.
Ele observou que os machos mais velhos raramente são feridos pelos espinhos dos porcos-espinhos, mas “por outro lado, uma porcentagem considerável dos jovens e daqueles no auge da vida são feridos e ficam praticamente incapacitados”, escreveu ele. “No entanto, parece ser muito excepcional que as fêmeas cometam essa imprudência”.

Os leões que caçam porcos-espinhos são geralmente jovens e machos, como é o caso deste jovem que persegue um porco-espinho-de-crista em Masai Mara, no Quênia.
A defesa dos porcos-espinhos
Os porcos-espinhos que vivem na África, conhecidos como porcos-espinhos-de-crista, têm espinhos que não são farpados, mas podem ultrapassar 30 cm de comprimento. Além de servirem para fins óbvios de defesa, os animais também podem exercer uma “defesa ativa”, parando intencionalmente enquanto são perseguidos para empalar seu predador em potencial ou saltando para trás com os espinhos à frente.
Craig Packer, pesquisador da Universidade de Minnesota, Estados Unidos, já viu porcos-espinhos empunharem seus espinhos de maneira agressiva.
“Várias vezes vi porcos-espinhos se aproximarem de um grupo de leões em repouso, darem meia-volta, erguerem seus espinhos, andarem para trás — e fazerem com que todo o grupo saísse do caminho enquanto seguiam para onde quer que estivessem indo”, diz Packer. “Os adultos se mantiveram afastados, embora alguns dos jovens tenham avançado cautelosamente e batido no porco-espinho com as patas — e rapidamente aprendido que bater nas espinhas era uma má ideia.”

Os leões podem ter sucesso na caça e na morte de porcos-espinhos, como é o caso nesta foto tirada no Delta do Okavango, em Botsuana.
