Raro tiranossauro de semblante assustador ajuda a montar quebra-cabeça evolutivo

O fóssil do dinossauro, descoberto no Canadá, pode esclarecer como os tiranossaurídeos tornaram-se predadores do topo da cadeia alimentar.

Por Maya Wei-Haas, Michael Greshko
Publicado 20 de fev. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Aos olhos leigos, muitos tiranossauros parecem idênticos. O Thanatotheristes, porém, tem diversas características que o diferenciam ...
Aos olhos leigos, muitos tiranossauros parecem idênticos. O Thanatotheristes, porém, tem diversas características que o diferenciam do restante, como uma série de saliências protuberantes ao longo do nariz.
Foto de Illustration by Julius Csotonyi

JARED VORIS JÁ está familiarizado com a morte. Até o início de 2018, o mestrando da Universidade de Calgary havia passado mais de um ano debruçado sobre ossos de acervos de museus, estudando o crescimento dos tiranossauros desde o momento em que saem dos ovos até se transformarem em monstros ambulantes. Em uma visita aos acervos do Museu Real Tyrrell de Paleontologia, na província canadense de Alberta, ele notou um armário com fósseis que não reconhecia.

Agora, dois anos após minuciosas pesquisas, Voris e seus colegas identificaram o primeiro tiranossaurídeo canadense descoberto em 50 anos. Com quase oito metros de comprimento, o dinossauro foi batizado de Thanatotheristes, que em grego significa “ceifador da morte”.

Tendo vivido há mais ou menos 79,5 milhões de anos, o Thanatotheristes degrootorum ocupa uma posição próxima ao início da ascensão dos tiranossauros à dominação ecológica. Os fragmentos de crânio desenterrados — inclusive ossos maxilares superior e inferior, dentes e parte de um osso malar — esboçam as primeiras páginas da história da supremacia dos tiranossaurídeos, o subgrupo de tiranossauros que inclui o T. rex, tornando-se, então predadores do topo da cadeia alimentar.

“Tentei ser bem meticuloso na identificação de características que o tornassem único”, afirma Voris, que agora é doutorando na Universidade de Calgary. “É interessante ter a oportunidade de batizar uma nova espécie — e espero que não pare por aí.”

Quando os tiranossauros surgiram, cerca de 165 milhões de anos atrás, não eram os tiranos que viriam a reinar por todo o Cretáceo na Ásia e na América do Norte. Alguns eram bem pequenos — com no máximo 1,5 metro de altura — e caçavam às sombras dos carnívoros maiores daquela era, como os alossaurídeos do tamanho de um ônibus e os megalossaurídeos, com suas garras enormes

Por enquanto, os fragmentos cranianos são tudo o que resta do Thanatotheristes. Embora seja possível que ...
Por enquanto, os fragmentos cranianos são tudo o que resta do Thanatotheristes. Embora seja possível que houvesse mais itens preservados nos rochedos cinza-azulados próximos ao local da descoberta, é mais provável que as enchentes recentes tenham destruído esses artefatos.
Image by Jared Voris

Há aproximadamente 80 milhões de anos, esses outros predadores desapareceram, dando aos tiranossauros a chance de subir até o topo da cadeia alimentar e transformar-se em gigantes. Até 66 milhões de anos atrás, logo antes de sua extinção, o infame T. rex chegara a medir 12 metros de comprimento, pesando mais de nove toneladas. Mas o Thanatotheristesrevelado no periódico Cretaceous Research em 23 de janeiro, não parece ter sido tão grande ou tão imponente quanto o T. rex, o que ressalta a diversidade do topo da cadeia alimentar daquele período.

“Parece que os tiranossauros tiveram uma história evolutiva dinâmica”, conta Steve Brusatte, paleontólogo da Universidade de Edimburgo, que não participou do estudo, por e-mail. “Nem todos eram superpredadores monstruosos como o T. rex, mas havia muitos subgrupos pequenos com seus próprios domínios e características corporais distintas.”

Caça ao ceifador

Os tiranossauros provavelmente eram raros quando ainda existiam, e são ainda mais raros enquanto fósseis. Sendo assim, montar o quebra-cabeças evolutivo do grupo a partir de restos ósseos é uma tarefa desafiadora. Os colegas herbívoros desses animais desenvolveram uma incrível variedade de grandes penas e cristas no pescoço e cabeça que os ajudavam a identificar a própria espécie, os rivais e os possíveis parceiros para acasalamento. Os tiranossauros, porém, careciam desses traços.

"É difícil dizer quando aparece uma nova espécie no registro fóssil", diz Scott Persons, paleontólogo da Faculdade de Charleston, que não participou do estudo. “Você entra num trabalho minucioso. É necessário afinar as observações taxonômicas.”

Cada pedaço de osso do tiranossauro contém pistas vitais — mesmo aqueles encontrados por acaso, como os restos do Thanatotheristes. John e Sandra De Groot acharam os ossos casualmente em 2010, quando a família caminhava às margens do Rio Bow, na região sul de Alberta. O casal entrou em contato com o Museu Real Tyrrell, que enviou paleontólogos para coletar os fósseis e procurar mais artefatos. Para homenagear a família, a equipe de Voris deu o nome degrootorum à espécie do Thanatotheristes.

“Eles foram de um valor inestimável”, diz Voris sobre os De Groots. “Isso prova que não é necessário ser um paleontólogo para contribuir com a paleontologia.”

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    Quase uma década depois que os fósseis foram limpos, catalogados e armazenados, Voris e seus colegas começaram a montar esse quebra-cabeças paleontológico. A equipe concentrou‑se nos ossos maxilares, que apresentavam saliências protuberantes singulares que davam ideia das estruturas faciais perdidas havia muito tempo. O osso malar do animal também tinha um formato oval quando visto em corte transversal, diferentemente de outros tiranossaurídeos próximos.

    Mesmo assim, em outros aspectos, o Thanatotheristes era parecido com seus parentes, que de forma alguma eram criaturas amigáveis. O nariz dos tiranossauros muitas vezes exibe marcas de brigas passadas com outros dinossauros — inclusive outros tiranossauros. O Thanatotheristes não foge à regra. Pode-se ver uma cicatriz esbranquiçada, de 10 centímetros de comprimento, serpenteando pelo lado direito do maxilar superior. “Parece até o Scarface”, diz Persons.

    Território dos tiranossauros

    O fóssil apresenta uma análise mais profunda da diversidade dos tiranossauros da América do Norte, muitos dos quais viveram e morreram na costa oeste de um imponente oceano interno que ia desde o Oceano Ártico até o Golfo do México.

    O Thanatotheristes foi encontrado em uma formação rochosa ainda pouco estudada e, com 79,5 milhões de anos de idade, os fósseis apresentam pistas do momento em que os primeiros tiranossaurídeos se transformaram em gigantes. “Trata-se do tiranossaurídeo mais antigo conhecido da parte norte da América do Norte”, afirma a coautora do estudo Darla Zelenitsky, paleontóloga da Universidade de Calgary e orientadora do doutorado de Voris.


    Além do Thanatotheristes, os tiranossauros do oeste dos EUA e do Canadá parecem formar duas linhagens distintas: um grupo do norte, com nariz comprido e profundo, e um grupo do sul, com nariz mais curto como o de um buldogue. Talvez essa divisão seja o reflexo de duas estratégias de alimentação diferentes, cada uma delas moldadas pela variedade de presas e pelo meio ambiente da região.


    Embora ainda não se saiba o que promovia esse padrão na América do Norte, uma possibilidade é o tamanho das presas. O grupo asiático de tiranossauros de corpos grandes — que acabou dando origem ao T. rex — vivia junto a enormes dinossauros herbívoros, inclusive os saurópodes com pescoços longos. É possível que esses tiranossauros tenham chegado a proporções gigantescas para poderem derrubar essas presas titânicas com mais facilidade.

    Ainda há muito a ser descoberto com relação a esse curioso padrão. Também há muitas lacunas no registro fóssil dos tiranossauros — principalmente no do Thanatotheristes. A não ser por um pequeno fragmento de mandíbula encontrado em outro sítio arqueológico de Alberta, em 2018, os ossos do Rio Bow são os únicos fósseis conhecidos desse predador. As expedições de retorno ao local onde os De Groots avistaram o Thanatotheristes não renderam outros ossos, sendo possível que as recentes cheias tenham levado embora o que quer que ainda houvesse ali.

    Se Voris conseguir o que quer, mais espécimes se juntarão a esse dinossauro. Ele pretende explorar a mesma formação rochosa em outras partes da região sul de Alberta, na esperança de encontrar outros ossos do Thanatotheristes. Voris não teme a morte. No máximo, ele a venera.

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