Fóssil do menor dinossauro do mundo encontrado preso em âmbar

O pequeno Oculudentavis khaungraae, semelhante a um pássaro, provavelmente se alimentava de insetos em uma floresta tropical no período Cretáceo.

Por Michael Greshko
Publicado 17 de mar. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um pedaço de âmbar com menos de quatro centímetros de largura conserva um crânio inteiro de Oculudentavis khaungraae, um tipo de dinossauro recém-descoberto que viveu na atual região de Mianmar há 99 milhões de anos.
Foto de Xing Lida

UM NOVO E ESPETACULAR fóssil preso em âmbar de Mianmar conserva o crânio do menor dinossauro pré-histórico já encontrado: uma criatura semelhante a um pássaro que viveu há 99 milhões de anos e que não passava do tamanho dos menores pássaros de hoje.

O fóssil, descrito na revista científica Nature, mede apenas 1,5 centímetro de comprimento da parte de trás da cabeça até a ponta do focinho, a largura aproximada de uma unha do polegar. As proporções do crânio sugerem que o animal possuía o tamanho aproximado de um colibri-abelha-cubano, o que tornaria o dinossauro recém-descoberto mais leve que uma moeda.

Ao que parece, a minúscula criatura teria parentesco mais próximo com os dinossauros com penas Archaeopteryx e Jeholornis, primos distantes das aves modernas. Os pesquisadores suspeitam que, assim como esses animais, o pequeno dinossauro possuía asas com penas, porém, sem mais fósseis, não é possível determinar se era um voador habilidoso. E, apesar de ter as mesmas proporções de um beija-flor, o pequeno dinossauro não se alimentava de néctar. Seu maxilar superior dispunha de 40 dentes afiados, e seus enormes olhos — adequados para identificar presas na folhagem — possuem características diferentes das observadas nos demais dinossauros. É por isso que o gênero da criatura é Oculudentavis, uma derivação de palavras em latim que significam olho, dente e ave.

Nenhuma criatura atualmente viva é como o Oculudentavis. “Sua descoberta revela um nicho ecológico completamente diferente que nunca soubemos que existia”, afirma Jingmai O’Connor, coautora do estudo, paleontóloga do Instituto de Paleoantropologia e Paleontologia de Vertebrados da China. “É interessante, mas, ao mesmo tempo, um mistério total, tudo sobre esse animal é tão curioso.”

“É uma descoberta bastante rara e espetacular!”, escreveu por e-mail Ryan Carney, paleontólogo da Universidade do Sul da Flórida, que não participou do estudo. “Como se fosse um instante do Cretáceo conservado em um frasco, esse âmbar preserva um retrato sem precedentes de um crânio de dinossauro em miniatura com características novas e empolgantes”.

Um focinho com dentes afiados

Quando Lida Xing viu pela primeira vez o fóssil, o considerou “muito incomum”. O paleontólogo da Universidade Chinesa de Geociências e principal autor do novo estudo supôs que o focinho longo e os grandes olhos do animal implicavam que se tratava de um pássaro primitivo. Mas Xing ficou surpreso com a quantidade de dentes, aparentemente maior do que de qualquer outra ave com dentes do Cretáceo. Os vinte e três dentes completos, cada um com menos de meio milímetro de comprimento, estão distribuídos apenas no maxilar superior direito da criatura.

Para uma visualização melhor do crânio, Xing levou o pedaço de âmbar a uma instalação de raios X de alta potência em Xangai para registrar características tão pequenas quanto a largura de um glóbulo vermelho. Ele então enviou as imagens para O'Connor, especialista em dinossauros aviários, que ficou impressionada com o que observou.

“O fóssil estava tão intacto e tão bem preservado. Estava absolutamente perfeito”, conta O'Connor.

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Para determinar a idade relativa do dinossauro, O'Connor e seus colegas examinaram as imagens do crânio e analisaram o grau de fusão de seus ossos, um indicativo da maturidade do animal. Os pesquisadores determinaram que o Oculudentavis morreu na idade adulta ou próximo a essa idade — tornando seu diminuto tamanho ainda mais peculiar.

Olhos como nenhum outro pássaro

A criatura incomum também tinha olhos tão grandes que formariam protuberâncias nas laterais da cabeça. Intrigada, O'Connor decidiu entrar em contato com Lars Schmitz, o “paleontólogo de olhos”, pesquisador do Departamento de Ciências da Fundação W.M. Keck da Califórnia, que estuda a evolução da visão.

Quando Schmitz viu pela primeira vez as imagens do crânio, percebeu que os olhos apresentavam semelhanças com os olhos proporcionalmente grandes dos pássaros menores, o que reforçou a hipótese de que o fóssil de Oculudentavis era proveniente de um adulto.

Os répteis e os pássaros possuem pequenos anéis ósseos nos olhos que os ajudam a sustentar os órgãos visuais. As placas que formam esses anéis geralmente possuem o formato de retângulos estreitos, mas, no Oculudentavis, os pequenos ossos têm a forma de conchas de sorvete. “Esse formato não é encontrado em nenhum outro pássaro conhecido, muito menos em um dinossauro”, afirma Schmitz.

Os únicos animais que atualmente possuem ossos oculares em forma de concha são os lagartos diurnos. Os pesquisadores acreditam que o Oculudentavis utilizava os olhos extraordinariamente grandes para procurar alimento durante o dia, capturando insetos com o focinho dentado.

O pássaro mais semelhante da atualidade pode ser o da família Todidae, um pássaro caribenho pequeno que se alimenta de insetos, afirma Jen Bright, bióloga e especialista em crânios de aves da Universidade de Hull. Contudo todos os crânios de pássaros da família Todidae possuem o dobro do tamanho do fóssil de Oculudentavis. “É impressionante encontrar um fóssil de vertebrado tão pequeno assim”, afirma ela. “É tão extraordinário, adorei!”

O'Connor especula que as características distintas do Oculudentavis podem ter se desenvolvido em seu ambiente pré-histórico singular. Em ecossistemas com recursos escassos, como ilhas, a evolução pode provocar a miniaturização de animais e restos de uma criatura marinha chamada amonoide sugerem a existência de depósitos de âmbar birmaneses formados em ilhas, ou ao menos nas costas.

“Os menores vertebrados atualmente vivos são esses sapinhos minúsculos de Madagascar, predadores assim como supomos que o Oculudentavis tenha sido,” afirma O'Connor.

Desenterrando fósseis

O Oculudentavis apareceu pela primeira vez em 2016, quando Khaung Ra, colecionadora de âmbar birmanesa, adquiriu dois espécimes de uma mina, dentre elas o minúsculo e misterioso crânio. Ra doou o fóssil ao Museu do Âmbar Hupoge, localizado em Tengchong, na China, e dirigido por Ra Guang Chen, seu genro. O epíteto da espécie do dinossauro khaungraae é uma homenagem à doação de Ra.

O fóssil é a mais recente descoberta nas minas de âmbar no norte de Mianmar, cujos depósitos de resinas de árvores fossilizadas conservam os restos dos menores habitantes de uma floresta tropical antiga. Nos últimos anos, paleontólogos encontraram insetos, uma cobra e até alguns restos de dinossauros com penas preservados em âmbar. Nenhum cientista fez mais para catalogar esses fósseis presos em âmbar do que Xing, cuja pesquisa é parcialmente financiada pela National Geographic Society.

À medida que cresce o valor científico do âmbar birmanês, também aumentam as preocupações éticas em torno de seu estudo. Diversos fósseis importantes preservados em âmbar chegaram primeiro às mãos de colecionadores particulares, levantando dúvidas sobre o acesso de futuros cientistas aos espécimes. Os mineradores também enfrentam condições inseguras e as minas ficam no estado de Kachin, em Mianmar, lar de um conflito muito longo entre os militares de Mianmar e os rebeldes que lutam pela independência de Kachin. Em 2018, uma ofensiva militar para conquistar as áreas de mineração expulsou milhares de indígenas de Kachin, segundo o Grupo de Redes de Desenvolvimento de Kachin.

Segundo Xing, o Museu do Âmbar Hupoge está tentando abrir um museu em Mianmar, e Xing e outros pesquisadores buscam assegurar o acesso científico a espécimes em âmbar, devolvendo-os ao país quando o conflito na região terminar. “O ideal é deixar os importantes fósseis em âmbar no país onde foram encontrados”, afirmou ele por e-mail.

Com a continuidade da iniciativa para devolver as peças de âmbar de Mianmar, os cientistas permanecem atentos a mais pedaços do Oculudentavis. Xing já ouviu boatos de um elo perdido. Ao que consta, o âmbar que continha o crânio do Oculudentavis era proveniente de um pedaço maior com penas preservadas, mas, quando os restos chegaram a Xing, as duas peças já haviam sido separadas, cortadas e polidas, impedindo-o de confirmar se tinham a mesma origem.

Schmitz certamente ficaria entusiasmado com a possibilidade. “Não poderia nem descrever o quanto!”, afirma ele. “O crânio é tão incomum... quem sabe o que mais descobriremos além do que já foi descrito?”

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