Mares mais calmos devido à pandemia podem reduzir estresse e melhorar saúde das baleias

Cientistas têm a rara chance de estudar um mundo marinho praticamente livre de humanos e suas máquinas barulhentas.

Por Craig Welch
Publicado 22 de jul. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma baleia-jubarte surge nas águas mornas da Baía de Monterey, na Califórnia, EUA.

Uma baleia-jubarte surge nas águas mornas da Baía de Monterey, na Califórnia, EUA.

Foto de Paul Nicklen, Nat Geo Image Collection

A PANDEMIA trouxe paz às águas da Baía de Monterey. As lanchas, os iates e os passeios para observação de baleias acabaram. Restaurantes e docas fechados mantêm os barcos de pesca comercial afastados. As viagens de navios de cruzeiro foram interrompidas.

No início deste ano, com os primeiros bloqueios causados pela pandemia do coronavírus, o cientista de baleias e Explorador da National Geographic Ari Friedlaender viu uma oportunidade. Ele voltou da pesquisa sobre baleias na Antártida e encontrou poucos carros na rua, praticamente nenhum barco na água e baleias-jubarte chegando à parte central do estado da Califórnia vindo de regiões do México, onde tiveram seus filhotes no inverno. Um dos pontos de lazer mais populares no litoral do Golden State de repente ficou livre dos ruídos humanos conhecidos por prejudicar os animais marinhos.

Então Friedlaender conseguiu permissão para navegar nas águas da Baía de Monterey. Enquanto as baleias-jubarte se refastelavam com sardinhas e anchovas, ele rapidamente coletou amostras da carne de 44 baleias. Ele utilizará essas amostras para analisar os níveis hormonais das baleias, que aumentam e diminuem de acordo com o estresse.

Da Califórnia ao Alasca e às baías pantanosas do sul da Flórida, as interrupções causadas pela pandemia de coronavírus estão oferecendo aos cientistas marinhos uma chance única de abordar diretamente uma pergunta que vem sendo feita há décadas: quanto nossas barulhentas atividades no mar alteram o mundo dos animais marinhos?

Cacofonia nos mares

Não é segredo que o ruído causado pelos humanos pode acarretar problemas para diversos animais no oceano. Foi demonstrado que o sonar da Marinha causa embolia nas baleias-bicudas quando elas sobem rápido demais na tentativa de fugir dos pulsos, e o baixo zumbido dos navios porta-contêineres abafa tão agressivamente as vocalizações das baleias que a cacofonia força alguns animais a ficarem em silêncio. Os botos-de-dall mudaram rapidamente seus padrões de nado para evitar o ruído provocado pela navegação dos navios.

Mas, nos últimos anos, os cientistas descobriram que o impacto dos ruídos no oceano não atinge apenas os cetáceos. O estresse auditivo pode afetar focas, peixes, lulas — e mesmo até criaturas simples como ostras. Barcos com motores externos fazem com que alguns peixes da família Pomacentridae deixem de fugir ao detectarem o odor de predadores. Sons altos podem deformar as vieiras, o que pode reduzir sua sobrevivência, afastar o bacalhau-do-ártico de suas áreas de alimentação e espalhar cardumes de atum, potencialmente alterando os padrões migratórios.

Mesmo a 800 metros de distância, o ruído em baixa frequência de armas sísmicas utilizadas no mapeamento oceânico e na exploração de petróleo e gás é capaz de matar os minúsculos zooplânctons, que estão na base da cadeia alimentar do oceano, incluindo krills em estágios iniciais do desenvolvimento.

Essas descobertas se tornaram mais importantes à medida que a globalização gerou um drástico aumento no tráfego marítimo ao longo dos últimos 50 anos. Na verdade, tanto se aprendeu sobre o impacto do ruído na vida marinha nas últimas duas décadas que, em 2016, a Agência Norte-Americana de Administração dos Oceanos e da Atmosfera adotou um plano de dez anos para mapear e estudar o aumento da cacofonia no oceano.

Fotos: Por que as baleias-jubartes gostam tanto de saltar?

“Quase toda a vida subaquática depende de som”, diz Michelle Fournet, ecologista acústica da Universidade de Cornell, que também dirige um grupo sem fins lucrativos de especialistas em ruídos da vida selvagem, o Sound Science Research Collective. “Sabemos que muitas funções vitais são comprometidas quando o ambiente fica muito barulhento.”

E, diferentemente da luz, o som se move de forma eficiente pela água. Hidrofones na Baía de Monterey conseguem detectar respingos de chuva na superfície do oceano, a milhares de metros de profundidade. Na água, o barulho de um pequeno explosivo chamado “bomba de foca”, lançado por barcos de pesca para afastar focas e leões-marinhos que atacam suas redes de lulas e anchovas, é capaz de atingir distâncias surpreendentemente longas.

“Se estiver no convés do navio, ouve-se apenas um som bem abafado”, diz John Ryan, oceanógrafo biológico do Instituto de Pesquisa do Aquário da Baía de Monterey. Abaixo da superfície, no entanto, um barulho da mesma intensidade de fogos de artifício é capaz de envolver a plataforma continental e mergulhar profundamente no Canyon Submarino de Monterey.

Contudo compreender como todos esses ruídos prejudicam cada espécie é complexo. Lanchas e barcos com motores produzem sons altos e agudos, enquanto grandes embarcações comerciais, como navios-tanque e navios de carga, produzem sons graves, como o ruído de uma cidade agitada ao longe. Sons que podem ser prejudiciais para uma espécie podem ser completamente inaudíveis para outra. As baleias-azuis se comunicam por meio de alguns sons abaixo da frequência audível por humanos. Os golfinhos podem emitir sons muito acima do nosso alcance auditivo.

Para solucionar essas questões, a maioria das pesquisas sobre os ruídos do oceano foi realizada em laboratórios ou em águas marinhas fortemente atingidas pelo som humano.

Até agora.

Uma enorme mudança na qual o silêncio é o protagonista

Fournet, por exemplo, estuda ecologia tropical e trabalha com uma equipe que instalou dispositivos de escuta subaquática na Baía da Flórida, no Parque Nacional Everglades. Lá, ela monitora o impacto do ruído nas trutas-do-mar-manchadas, nos camarões-de-estalo e nos peixes-sapo-do-golfo, um pequeno peixe que canta para sua parceira, que se aproxima e bota seus ovos no ninho do macho.

Mas este ano ela está particularmente empolgada com seu trabalho no sudeste do Alasca. Durante uma década, Fournet estudou o impacto do ruído de grandes embarcações na comunicação de baleias-jubarte naquela região. Este ano, no entanto, devido ao risco provocado pela pandemia de coronavírus, as visitas a navios de cruzeiro e a observação de baleias em Juneau foram canceladas. A mudança, ela diz, “é gigantesca”.

A última vez que os cientistas conseguiram encontrar um trecho silencioso para ouvir as baleias ao longo da Passagem Interior foi um período de três dias em 1976, quando o número de baleias-jubartes, na época ameaçadas de extinção, havia caído para cerca de 250 animais. Agora a população se recuperou e conta com três a cinco mil indivíduos. “Isso significa que, para as baleias nascidas entre 1970 e agora, este será o primeiro verão tranquilo”, diz ela. Será a primeira vez que um grande número de baleias se comunica sem perturbações enquanto são ouvidas pelos cientistas.

As baleias-jubarte são famosas por suas belas canções. Embora os machos em idade reprodutiva sejam destaque, as fêmeas e os filhotes também se comunicam usando um rico repertório. As baleias-jubarte produzem sons variados que soam como gotas de água. Há a vocalização “uop”, que se assemelha a um ronronado; ou “suop”, que se parece com uma risada humana. Outro som lembra o barulho de um rodo molhado sendo passado no vidro.

Portanto, este ano, Fournet pediu que seus colegas do Alasca instalassem um hidrofone nas águas de Juneau, a capital da observação das baleias, onde geralmente é muito alto para conseguir ouvir as baleias-jubarte. O objetivo é entender como são as conversas quando os humanos e suas máquinas barulhentas não estão presentes.

Ela suspeita que a natureza das interações acústicas mudará. Fournet acredita que seja possível que as baleias, cujas vocalizações não são mais abafadas pelo barulho dos barcos, tenham uma comunicação mais complexa.

“Quando estamos em um show de rock e queremos falar algo importante a outra pessoa, falamos alto, devagar e com palavras simples”, diz ela. Durante uma conversa enquanto se toma um chá no sofá da sala, é provável que pensamentos mais sofisticados sejam expressados. “A linguagem fica muito mais rica e é possível transmitir mais informações nessa troca.”

Menos estresse para as baleias?

Na Baía de Monterey, Friedlaender procura algo um pouco diferente. Sua intenção não é avaliar se as baleias estão mudando suas canções ou movimentos. Ele está interessado no bem-estar geral desses mamíferos. O silêncio possibilitado pela falta de atividade humana permite que esses animais tenham uma vida um pouco mais saudável — e os cientistas conseguem mensurar isso?

Há tempos, os cientistas acreditam que os ruídos são responsáveis por aumentar o estresse das baleias. E eles sabem que o estresse crônico pode ser tão perigoso para alguns animais quanto para os humanos. Foi demonstrado que essa condição suprime o crescimento, a reprodução e o funcionamento do sistema imunológico, levando à morte precoce e ao declínio da população em espécies tão diversas quanto os lêmures-de-cauda-anelada e as iguanas-marinhas.

“Só porque não se observa uma resposta comportamental, não significa que não há consequências”, diz o colega de Friedlaender, Brandon Southall, cientista de baleias que trabalhou na NOAA em Washington, D.C., durante anos, interagindo diretamente com a Marinha sobre os impactos de ruídos subaquáticos na vida nos oceanos.

Porém, embora os cientistas coletem regularmente amostras dos níveis de cortisol das baleias, eles raramente possuem um grupo de controle em ambiente “de baixo ruído” apropriado com o qual comparar os níveis hormonais. Talvez o grupo de controle mais significativo até o momento tenha surgido como resultado de uma coincidência trágica.

Durante os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, dois grupos de cientistas estavam no mar na Baía de Fundy, no Canadá — um para gravar os sons de filhotes de baleias-francas e suas mães, e outro para coletar amostras fecais dessas baleias. Eles permaneceram no mar mesmo depois que o tráfego de navios e aeronaves foi interrompido.

Os pesquisadores conseguiram demonstrar uma queda significativa e imediata nos níveis hormonais detectados nas fezes das baleias assim que as águas foram tomadas por um silêncio fantasmagórico. Nos anos seguintes, à medida que os níveis de ruído aumentaram, os cientistas constataram um aumento no estresse dos animais.

Friedlaender planeja retornar à Baía de Monterey no primeiro semestre do próximo ano para coletar mais amostras de carne, conforme o tráfego de navios volta ao normal. E como ele também possui fotografias da barbatana dorsal e da cauda de muitos animais, tentará coletar amostras dos mesmos indivíduos. Como o Instituto de Pesquisa do Aquário já opera um hidrofone na baía, sua equipe poderá correlacionar diferenças nos níveis de estresse com mudanças nos níveis de ruído provocado pelos navios.

Friedlaender espera que suas descobertas sejam semelhantes às realizadas pelos cientistas após os ataques de 11 de setembro. Mas seus resultados podem se mostrar um pouco mais complicados porque as duas interrupções no tráfego não são idênticas. Após os ataques de 11 de setembro, tudo parou — todo o tráfego marítimo e aéreo. Nos primeiros meses do ano de 2020, na Baía de Monterey e em outros lugares, pequenos barcos e navios-tanque deixaram de navegar, mas o tráfego marítimo continuou em alto mar.

“Não é possível afirmar apenas olhando para uma baleia, mas esses animais são afetados pelo que fazemos”, diz Friedlaender.

Este ano, ele, Fournet e outros cientistas em todo o mundo podem finalmente entender melhor a intensidade desse impacto.

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