Groenlândia pode perder mais gelo neste século que nos últimos 12 mil anos

A taxa de derretimento do gelo nas últimas duas décadas é comparável aos níveis mais altos da histórica geológica recente – e ela ainda está subindo.

Por Madeleine Stone
Publicado 30 de set. de 2020, 12:22 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
A velocidade em que a camada de gelo da Groenlândia derrete é alta demais para ser ...

A velocidade em que a camada de gelo da Groenlândia derrete é alta demais para ser fruto de um ciclo natural, dizem cientistas. Se toda ela desaparecer, o nível global dos oceanos aumentaria em 7,3 metros.

Foto de Martin Zwick, REDA&CO/Universal Images Group/Getty Images

Briner e seus colegas agora preencheram essa lacuna no tempo e, no processo, reconstruíram a história do derretimento da Groenlândia de uma forma mais sofisticada. Os pesquisadores combinaram um modelo de alta resolução da camada de gelo com dados de temperatura e queda de neve provenientes de uma série de núcleos de gelo coletados na Groenlândia. O passo seguinte foi extrapolar as informações para toda a camada de gelo utilizando um modelo climático. Eles executaram seus modelos voltando e avançando no tempo, do período de 12 mil anos atrás até o ano de 2100 d.C., utilizando cenários de baixa e alta emissão de carbono para examinar possíveis situações da camada de gelo no futuro.

Os resultados obtidos demonstram que o derretimento atual da Groenlândia é o mais extremo comparado a qualquer evento já ocorrido durante o Holoceno.

Entre 10 mil e 7 mil anos atrás, um evento de aquecimento conhecido como ótimo climático do Holoceno, ou hipsitermal, fez com que a camada de gelo da Groenlândia fosse reduzida drasticamente. Durante um século especialmente extremo, cerca de 6 bilhões de toneladas de gelo derreteram – próximo aos 6,1 bilhões de toneladas de gelo que a Groenlândia pode perder neste século se a taxa média de derretimento entre 2000 e 2018 continuar a mesma até 2100.

Mas 6,1 bilhões de toneladas é uma estimativa conservadora da quantidade de gelo que a Groenlândia deve perder. Com o acúmulo de carbono na atmosfera, o planeta continua aquecendo, e as taxas médias de derretimento continua aumentando. Também é provável que a Groenlândia passe por anos de derretimento mais extremo, como em 2012 e 2019, quando ondas de calor combinadas com as mudanças climáticas foram desencadearam grandes perdas de gelo no verão.

Em um cenário otimista, no qual a humanidade reduz rapidamente as emissões globais de carbono, os modelos de Briner mostram que a Groenlândia perderá cerca de 9,7 bilhões de toneladas de gelo entre 2000 e 2100. Mas, se continuarmos a queimar combustíveis fósseis de forma irresponsável, a Groenlândia pode perder cerca de 21 bilhões de toneladas de gelo no século, uma taxa de derretimento cerca de quatro vezes maior do que as estimativas mais altas dos últimos 12 mil anos produzidas pelos modelos matemáticos.

Esse último cenário, denominado RPC 8,5, é considerado pessimista do ponto de vista das emissões, mas é o caminho mais provável para a Groenlândia com base nas recentes perdas de gelo. As constatações do RPC 8,5 também são consistentes com outro estudo recente que concluiu que a Groenlândia poderia ficar sem gelo em apenas mil anos.

Ted Scambos, glaciólogo do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo que não participou do estudo, o considerou “uma excelente combinação de registros paleontólogos, medições atuais e modelos matemáticos que permite que o trabalho seja estendido a projeções futuras.”

“O artigo também é uma resposta para aqueles que ignoram os efeitos constantes das mudanças climáticas com a desculpa de que ‘a terra sempre sofreu mudanças’ – e para isso a resposta é: ‘mas não neste ritmo’”, diz Scambos.

Limitações e próximas etapas

Os resultados do estudo são acompanhados de uma advertência importante: os autores restringiram seus modelos ao sudoeste da Groenlândia porque a região possui uma dinâmica física relativamente simples, onde as temperaturas do ar são as principais responsáveis pelo derretimento do gelo, e não o aquecimento dos oceanos ou o rompimento de geleiras que se soltam no mar. A partir dessa região, os resultados foram extrapolados para toda a Groenlândia.

As perdas de gelo que os pesquisadores estimaram a partir de seus modelos são semelhantes aos dados observacionais da era dos satélites, o que dá respaldo às descobertas. Ainda assim, na próxima etapa, a equipe pretende aplicar os modelos em toda a Groenlândia e incorporar processos adicionais responsáveis pelo derretimento e quebra do gelo.

O sudoeste da Groenlândia é “a região que apresentou um dos maiores aumentos no derretimento nos últimos anos, portanto, é um bom indicador de como o restante da camada de gelo pode mudar no geral”, disse a glacióloga Ruth Mottram, do Instituto Meteorológico Dinamarquês, que não participou do estudo.

Mottram aponta que os autores também utilizaram morenas glaciais – depósitos de destroços rochosos deixados para trás após o recuo de uma geleira – para observar como os modelos de aumento e declínio do gelo correspondem às evidências do mundo real. “A combinação de resultados obtidos em campo com os modelos matemáticos permite mais confiança nos resultados referentes ao clima do passado gerados por modelos e, portanto, mais confiança também nas projeções futuras, assim esperamos”, afirma ela.

Mas Ellyn Enderlin, glacióloga da Universidade Estadual de Boise, nos EUA, acredita que extrapolar dados do sudoeste para toda a camada de gelo é “um pouco ousado”.

“Embora os autores apontem que as tendências na perda de massa moderna sejam semelhantes nessa região e no restante da camada de gelo, é possível que essa correlação não se sustente em períodos muito mais longos, quando a geometria da camada de gelo era diferente da atual”, explica Enderlin.

Em uma camada de gelo com mais geleiras que se soltam no mar, diz Enderlin, o derretimento “teria sido fortemente controlado pelas instabilidades inerentes a esses sistemas, que podem não seguir os mesmos padrões de perda de massa gerados pelos modelos do estudo para a porção sudoeste da camada de gelo”.

Embora haja mais trabalho a ser feito para desvendar os detalhes mais sutis do passado da Groenlândia e seu destino, Scambos diz que, nesse ponto, a comunidade científica acumulou evidências suficientes para afirmar com confiança que a Groenlândia – assim como o clima da Terra em geral – sofrerá drásticas alterações a menos que a humanidade mude seu comportamento.

“Encontramos o acelerador e colocamos um tijolo sobre ele em termos climáticos”, comenta Scambos. “E não vai haver desaceleração até mudarmos.”

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De acordo com um novo e alarmante estudo, a Groenlândia está perdendo mais gelo neste século do que em qualquer outro momento do Holoceno, período geológico de 12 mil anos em que a civilização humana prosperou.

O artigo, publicado hoje na revista científica Nature, apresenta as últimas evidências de que a camada de gelo do norte da Terra, que contém água congelada suficiente para elevar o nível do mar no mundo em cerca de 7,3 metros, entrou em um período de rápido declínio e pode derreter totalmente se a humanidade continuar queimando combustíveis fósseis no ritmo atual. A pesquisa também refuta a ideia de que a deterioração recente da Groenlândia ocorra devido a um ciclo natural, mostrando quão rápido é o derretimento atual em comparação com os altos e baixos do passado geológico.

“Agora, temos certeza de que este século será único em termos de variabilidade natural, considerando os últimos 12 mil anos”, afirma o principal autor do estudo Jason Briner, glaciólogo da Universidade Estadual de Nova York em Búfalo.

Juntando passado e futuro

Nos últimos 40 anos, com o rápido aquecimento do Ártico, a perda de gelo na Groenlândia ocorreu em ritmo acelerado. Contudo, para contextualizar essa tendência em longo prazo, os cientistas precisaram acessar registros do aumento e redução da camada de gelo ao longo de milhares de anos.

No passado, os pesquisadores tentaram reconstruir as alterações de tamanho da camada de gelo da Groenlândia ao longo do Holoceno utilizando isótopos de oxigênio 18 presentes nos núcleos de gelo, que indicam temperaturas anteriores. Mas a maioria dessas análises utilizou apenas um único núcleo de gelo para inferir as condições climáticas de toda a Groenlândia, conferindo grande incerteza à reconstrução. E nenhum estudo anterior havia unido as reconstruções de modelos matemáticos da história da Groenlândia com projeções do derretimento de gelo deste século.

“Alguns já projetaram o passado da Groenlândia e outros projetaram o futuro”, conta Briner. “Mas ainda não havia um estudo que tenha utilizado o mesmo modelo, os mesmos métodos e toda uma análise completa envolvendo o passado e o futuro.”

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