Fazendas chinesas podem ser elo perdido por trás do surgimento da pandemia em humanos

Fazendas que fornecem civetas, cobras e ratos-de-bambu vivos podem ser os locais onde o coronavírus foi transmitido de uma espécie para outra.

Por Dina Fine Maron
Publicado 12 de abr. de 2021, 16:45 BRT
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Criadores chineses costumavam criar e vender animais selvagens para alimentação, como a civeta mostrada na imagem, em um mercado em Guangzhou. A legislação encerrou essa prática em fevereiro de 2020, quando o novo coronavírus se espalhou pelo mundo.

Foto de Kin Cheung, Reuters

A fazenda de civetas anteriormente tinha sido um chiqueiro, relata Peter Li, descrevendo uma visita feita antes da pandemia a um dos então numerosos pequenos negócios da China especializados na criação de animais silvestres para a produção de carne. Cerca de 10 civetas, animais selvagens com caudas longas e peludas e marcas faciais como as de um guaxinim, viviam confinadas juntas por 8 a 12 meses antes de serem vendidas, explica Li, especialista em políticas chinesas da Humane Society International e professor de política do Leste Asiático na Universidade de Houston-Downtown. Segundo ele, animais selvagens alojados próximos uns dos outros, muitas vezes em condições insalubres, possuem um grande potencial de propagação de doenças.

Por fim, donos de restaurantes sofisticados provavelmente usaram algumas civetas — consideradas uma iguaria na China — como ingrediente em uma sopa cara que também inclui carne de cobra.

Antes da pandemia de covid-19, essas fazendas abasteciam os mercados de animais selvagens da China com animais vivos — civetas, ratos-de-bambu, crocodilos, porcos-espinhos, cobras, entre outros — principalmente para serem vendidos a restaurantes. As pequenas propriedades, promovidas por agentes do governo como forma de reduzir a pobreza em áreas rurais com poucas oportunidades de emprego, somavam milhares e empregavam milhões de pessoas. Mas, ao final de 2020, o governo informou que havia fechado todas essas fazendas como parte de sua resposta ao novo coronavírus.

Agora, uma equipe da Organização Mundial da Saúde (OMS) está considerando se as fazendas de vida selvagem podem ser o elo perdido que ajudou o novo coronavírus a passar de seus prováveis hospedeiros animais — morcegos — para humanos no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan, um local conectado às primeiras infecções humanas. (A equipe também investiga possíveis ligações a outro mercado em Wuhan que foi vinculado a um paciente anterior sem conexão com Huanan.)

Peter Daszak, ecologista de doenças britânico da EcoHealth Alliance dos Estados Unidos e membro da delegação da OMS que viajou à China para investigar as origens da pandemia em janeiro de 2021, disse à Rádio Pública Nacional dos Estados Unidos (NPR, na sigla em inglês) que a equipe da OMS encontrou novas evidências indicando que fazendas de vida selvagem no sul da China forneciam animais para o mercado de Huanan, reforçando a teoria de que elas podem ter ajudado a desencadear a pandemia.

A equipe da OMS ainda não forneceu detalhes de suas evidências ou provas de animais infectados nas fazendas ou no mercado de Huanan. A organização se recusou a fazer comentários antes da entrega de um relatório detalhando suas descobertas, previsto para ser divulgado nas próximas semanas, e os membros da delegação também não responderam aos pedidos de comentários.

Considerando que mais de um ano se passou entre o fim de 2019, quando a doença foi relacionada ao mercado, e dezembro de 2020, quando a China disse ter fechado todas as suas fazendas fornecedoras de animais selvagens, conseguir essas evidências pode ser impossível. Ainda assim, preencher as lacunas sobre como o vírus pode ter chegado aos humanos é essencial para a compreensão da pandemia de covid-19 e o combate a doenças zoonóticas futuras.

Yunnan, a província do sul da China onde se localizam muitas das fazendas de vida selvagem agora fechadas, também é o local onde virologistas encontraram um vírus de morcego quase idêntico ao coronavírus que circula em humanos. Algumas fazendas de vida selvagem vendiam animais que podem ser infectados com outros tipos de coronavírus, incluindo civetas. Por esse motivo os cientistas suspeitam que essas espécies também podem ser suscetíveis ao Sars-CoV-2, o vírus que causa a covid-19.

Peter Ben Embarek, cientista dinamarquês de segurança alimentar que chefiou a delegação da OMS, relatou à revista Science em fevereiro, depois que ele e sua equipe retornaram da China, que “alguns desses animais podem ter sido infectados nessas fazendas e, em seguida, levaram o vírus ao mercado”. Ele acrescentou ainda que mais testes eram necessários.

Muitas fazendas de vida selvagem faziam fronteira com áreas desabitadas, então os animais em cativeiro poderiam facilmente ter sido infectados pelas fezes de morcegos próximos que também estivessem infectados. Além disso, de acordo com Li, as supostas operações de criação de algumas fazendas forneciam cobertura para a captura e venda de animais selvagens que eram vendidos como se fossem de criação.

Uma vez que o vírus estivesse incubado em um animal cativo — independente se ele viesse da natureza ou fosse criado na fazenda — o patógeno poderia então ter passado de animal em animal, sofrendo mutações no processo. Quando o animal chegasse a Huanan ou a outros mercados em Wuhan, o vírus poderia ter evoluído a ponto de se alojar em outra espécie: nós.

Antes da pandemia, as autoridades chinesas promoviam a criação de animais silvestres, como nesta fazenda de ratos-de-bambu no sudoeste da China, como um recurso para redução da pobreza. Doenças podem se espalhar rapidamente quando os animais são alojados próximos uns dos outros em condições de falta de higiene, caracterizando um possível cenário para o surgimento de doenças zoonóticas.

Foto de Dz 2020

O risco persistente da vida selvagem em cativeiro

Em resposta ao surto, a legislação chinesa proibiu a venda e consumo de animais selvagens para alimentação em fevereiro de 2020, mas permitiu que os criadores continuassem com o negócio para outros fins, como fornecimento de pele e uso na medicina tradicional chinesa.

Isso significa que o risco de propagação de doenças a partir de animais selvagens em cativeiro não foi eliminado, declara Debbie Banks, da Agência de Investigação Ambiental, com sede em Londres, que lidera pesquisas nas mais de 200 fazendas de tigres estimadas na China.

“O risco de contaminação ainda existe, independentemente de qual seja o uso final”, afirma Banks. A criação de peles pode ser particularmente preocupante porque visons são vulneráveis ao vírus e podem transmiti-lo aos humanos. Não se sabe se as fazendas de visons da China tiveram surtos do novo coronavírus como as centenas de fazendas na Europa e nos Estados Unidos, mas a indústria chinesa de visons é grande, tendo produzido mais de 11 milhões de peles em 2019.

As fazendas de vida selvagem são uma fonte plausível de disseminação, mas o pesquisador de vírus W. Ian Lipkin, diretor do Centro de Infecção e Imunidade da Universidade de Columbia, que estava trabalhando na China em janeiro de 2020, afirma que ficaria “muito surpreso” se houver evidências fortes disso.

Lipkin diz não ter conhecimento de testes em fazendas que provariam que elas tiveram um papel na transmissão do Sars-CoV-2 dos animais para os humanos. E acrescenta que, mesmo se o vírus fosse encontrado em uma fazenda agora, não estaria claro se o local desempenhou um papel importante no surto inicial ou se os animais foram infectados recentemente.

Mesmo os testes em carcaças congeladas do mercado de Huanan, em Wuhan, não revelaram níveis detectáveis do vírus, tornando difícil estabelecer uma ligação definitiva entre as fazendas, o mercado e o surto, explica Lipkin.

No ano passado, a OMS observou que, das 336 amostras coletadas de animais congelados no mercado de Huanan, nenhuma apresentou resultado positivo nos testes para o novo coronavírus. O vírus foi encontrado em algumas amostras retiradas de outros locais do mercado, incluindo ralos e esgotos, mas essas amostras não indicam se o vírus teria estado em animais, humanos ou ambos, afirma Lipkin.

Mas se surgirem evidências de que uma fazenda de vida selvagem conectada ao mercado de Huanan vendeu animais infectados com o novo coronavírus, segundo Lipkin, isso seria “uma grande descoberta”.

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