Fóssil de esponja de 890 milhões de anos pode ser o animal mais antigo já encontrado

O fóssil reticulado teria vivido mais de 300 milhões de anos antes do animal mais antigo atualmente conhecido na Terra. Contudo, como muitas alegações sobre formas de vida muito antigas, o estudo desperta um grande debate.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 2 de ago. de 2021, 07:00 BRT
Um curioso grupo de fósseis pode ser de esponjas primitivas — parentes da bela esponja da ...

Um curioso grupo de fósseis pode ser de esponjas primitivas — parentes da bela esponja da espécie Spongia officinalis mostrada na imagem — o que os tornaria os animais fossilizados mais antigos já encontrados.

Foto de Rasmus Loeth Petersen, Alamy Stock Photo

Parentes da humilde esponja-do-mar filtraram as águas da Terra por ao menos milhões de anos, muito antes do surgimento das primeiras plantas terrestres. Sua simplicidade levou cientistas a sugerir que as esponjas foram os primeiros animais a surgir em nosso planeta. Mas quando exatamente isso ocorreu continua sendo objeto de debate.

Agora, um estudo publicado na revista científica Nature sugere que estruturas reticuladas em um recife antigo podem ser esponjas de 890 milhões de anos. Se confirmado, as esponjas fósseis, encontradas em rochas calcárias de “Little Dal”, no noroeste do Canadá, seriam anteriores em mais de 300 milhões de anos aos mais antigos fósseis animais não contestados.

No entanto, a maioria das alegações de formas de vida fossilizadas extremamente antigas gera controvérsia. As criaturas que floresceram nos mares primitivos podem ter tido uma aparência bastante diferente daquelas que nadam pelos oceanos atuais, e não há consenso científico sobre o quanto e quais tipos de evidências podem distinguir animais de outras formas de vida — ou de estruturas geológicas. E os fósseis de Little Dal também não entram nesse consenso.

“É semelhante ao teste psicológico de Rorschach, mas com alguns rabiscos em uma rocha”, afirma Jonathan Antcliffe, paleontólogo especializado em vida primitiva da Universidade de Lausanne, na Suíça.

Durante uma entrevista pela plataforma Zoom, Elizabeth Turner, a única autora do estudo, mostra uma esponja da espécie Spongia officinalis de cor amarelo-mostarda — uma parente moderna da suposta esponja fóssil. Ela aponta a rede de tubos flexíveis que proporcionam sua característica esponjosa, explicando que a malha é “idêntica” à de fósseis analisados recentemente, bem como a de diversos fósseis reticulados mais novos identificados recentemente por outros cientistas.

“Parece evidente”, afirma Turner, geóloga de campo da Universidade Laurentian, em Ontário. Mas ela admite que a proposta de identidade animal é polêmica. “É hora de ser publicada e divulgada entre a comunidade científica para discussão e contestação.”

Fósseis suspeitos

Os fósseis recém-descritos foram localizados nas profundezas do imponente recife Little Dal. A estrutura foi formada em uma época em que mares superficiais e quentes inundaram uma vasta extensão de terra na atual região da América do Norte — o passar do tempo e a movimentação tectônica secaram os mares interiores e petrificaram os recifes. Ao contrário de muitos recifes modernos formados por corais, os arquitetos dessa estrutura antiga foram cianobactérias. Esses micróbios crescem em camadas viscosas, formando montes em camadas à medida que as areias se acumulam em suas superfícies aderentes e os minerais dissolvidos nas águas se transformam em pedaços sólidos como uma penugem.

Quando fossilizadas, as estruturas microbianas em camadas são conhecidas como estromatólitos. Alguns datam de 3,5 bilhões de anos atrás, contendo alguns dos primeiros vestígios convincentes de qualquer tipo de vida na Terra.

Turner começou a estudar Little Dal décadas atrás como aluna de graduação da Queen’s University em Ontário. Na época, ela estava interessada nos métodos de formação de recifes por cianobactérias. Mas uma série de amostras peculiares com estruturas complexas chamou sua atenção.

“Havia algo suspeito nelas”, conta Turner. O recife Little Dal é basicamente “apenas um conjunto irregular de laminações”, explica ela. No entanto algumas amostras incomuns da estrutura apresentavam formas tubulares ramificadas e unidas novamente em uma rede poligonal tridimensional. Ela não conseguia determinar o que eram as formas incomuns.

“Pensei em refletir sobre a questão com o tempo”, prossegue ela.

Nos últimos anos, entretanto, foram obtidos cada vez mais indícios da possível identidade das amostras. Em vários locais, os pesquisadores encontraram redes espiraladas com uma semelhança extraordinária com os possíveis fósseis em rochas muito mais recentes do que o recife Little Dal. Eles sugeriram que as formações de malhas ramificadas poderiam ser restos fósseis de um grupo de esponjas conhecido como keratosas.

Muitos esqueletos de esponjas são formados a partir de pequenas estruturas rígidas denominadas espículas, compostas por carbonato de cálcio ou sílica e com o formato de estrepes, dispositivos usados para furar pneus. Nos fósseis, as estruturas são sinais indicativos de esponjas antigas, mas as esponjas conhecidas como keratosas não possuem esses esqueletos rígidos. Em vez deles, sua estrutura esponjosa resulta das redes da proteína espongina, que apresenta uma textura flexível e elástica, ideal para sua exploração comercial moderna no banho.

Ao examinar fragmentos de rochas com a espessura de uma folha de papel ao microscópio, Turner comparou as semelhanças das formas e estruturas tubulares entre as amostras de Little Dal, fósseis anteriormente identificados como esponjas keratosas e esponjas modernas.

Décadas após ter observado as formas incomuns, Turner finalmente se sentiu pronta para publicar sua descoberta. “É um tributo à lentidão da ciência”, brinca ela.

Esponja ou algo mais?

O novo estudo se soma ao longo debate sobre quando surgiram os primeiros animais — e quais evidências são necessárias para confirmar que um fóssil seja animal. Nas últimas décadas, o uso de rastreadores geoquímicos da vida primitiva, conhecidos como biomarcadores, tornou-se comum para identificar possíveis criaturas, explica Keyron Hickman-Lewis, geobiólogo especializado em micróbios primitivos do Museu de História Natural de Londres. Restos fósseis de vários tipos de lipídios, por exemplo, são comumente usados como biomarcadores.

Contudo, desde então, segundo Hickman-Lewis, muitas dessas supostas evidências de vida primitiva se revelaram falsas. Alguns dos pretensos biomarcadores provavelmente foram devidos à contaminação, ao passo que outros sinais químicos não eram indicativos infalíveis de animais. Por exemplo, cientistas descobriram recentemente que uma combinação de algas e alterações geológicas poderia produzir os mesmos compostos identificados anteriormente como evidências de esponjas antigas extraídas de sedimentos de 635 milhões de anos em Omã.

Assim, após o grande entusiasmo inicial, Hickman-Lewis declarou: “temos uma forte suspeita de origem animal antiga”.

O estudo das redes de malhas de Little Dal promete acirrar ainda mais o debate. “Acredito que as evidências sejam convincentes”, afirma Robert Riding, revisor do estudo, da Universidade do Tennessee em Knoxville. Ele publicou recentemente um estudo documentando fósseis semelhantes associados a um estromatólito de aproximadamente 485 milhões de anos encontrado em Nova York.

A associação dessas esponjas com os recifes microbianos faria sentido, observa Turner. A atmosfera da Terra nem sempre foi rica em oxigênio, e a origem das esponjas é anterior ao período em que esse gás propício à vida se tornou abundante em todo o mar. Mas provavelmente teriam existido os chamados “oásis de oxigênio” em torno de recifes de cianobactérias, onde os micróbios fotossintéticos teriam gerado o oxigênio necessário às esponjas.

“A proximidade entre esses recifes e as supostas esponjas torna mais provável uma origem animal”, pondera Hickman-Lewis.

Outros especialistas estão menos convictos dessa origem, observando que a rede semelhante a uma esponja não é tão exclusiva do grupo quanto sugerido por Turner e outros. “Basicamente, todas as formas da vida — bactérias, algas, fungos, plantas, animais — podem criar estruturas semelhantes”, retruca Antcliffe.

Em uma análise de evidências das primeiras esponjas em 2014, Antcliffe e seus colegas concluíram que os fósseis de animais mais antigos e não contestados são espículas de esponja encontradas no Irã datadas de cerca de 535 milhões de anos atrás — e ele afirma que nenhum estudo recente o convenceu do contrário.

Muitas análises identificaram o que ele considera serem “vestígios vagos” de estruturas semelhantes a esponjas primitivas. Mas nenhuma apresenta características inquestionáveis, como espículas ou poros. Essa última característica foi fundamental para confirmar a identidade das tão debatidas esponjas conhecidas como arqueociatos, outro grupo sem espículas identificado em rochas de 523 milhões de anos.

Um dos desafios se resume à dificuldade de distinguir esponjas primitivas de outros animais, afirma Drew Muscente, paleontólogo e geobiólogo da Universidade de Harvard. Os dinossauros, por exemplo, possuem uma série de características ósseas distintivas — órbitas oculares, suturas cranianas e muito mais — que podem ajudar os cientistas a diferenciar seus fósseis de objetos inanimados. “Todos esses pequenos detalhes estão ausentes em uma esponja ou organismo semelhante a uma esponja”, explica ele.

Processos químicos abióticos, ou sem vida, também podem formar estruturas que parecem surpreendentemente semelhantes à vida, acrescenta Rachel Wood, geóloga da Universidade de Edimburgo especializada em rochas carbonáticas. “Ela pode ter razão. Mas acredito que é preciso explorar e refutar todas as demais possibilidades antes de fazer uma afirmação tão drástica como essa. “Então, por ora, Wood comenta: “acredito que ela errou ao afirmar que sejam esponjas”.

Somente uma análise mais aprofundada pode resolver a questão. Wood observa que a criação de modelos tridimensionais da rede tubular permitiria uma análise mais detalhada das estruturas. E Riding espera que o novo estudo inspire mais cientistas a analisar mais profundamente outros estromatólitos e a pesquisar mais dessas estruturas reticuladas.

“Acredito que essa história não acabe aqui”, observa Riding. “É apenas o começo de uma fase bastante interessante.”

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