Implosão acidental gera nova medição para o ponto mais profundo do oceano

O colapso de um instrumento científico no fundo do mar permitiu que os cientistas fizessem um dos cálculos mais precisos até agora sobre o abismo conhecido como depressão Challenger.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 17 de fev. de 2022, 15:22 BRT
Mapa da Fossa das Marianas

Um mapa da Fossa das Marianas mostra o ponto mais profundo do oceano, a depressão Challenger.

Foto de Atlas do Mundo, National Geographic, 11ª edição

Um pequeno estouro acompanhou o som de ondas quebrando – o primeiro sinal de que algo estava errado.

Sentado a bordo do R.V. Falkor em dezembro de 2014, David Barclay sentiu o som através de fones de ouvido conectados a um microfone subaquático no casco do barco. Pensou, de imediato, nos dois instrumentos científicos afundando nas águas sob seus pés, a caminho de um abismo no Oceano Pacífico conhecido como Depressão Challenger. O local fica quase 11 quilômetros abaixo das ondas – cerca de dois quilômetros a mais do que o Monte Everest tem de altura –, o que faz dele o ponto mais profundo do oceano.

O navio de guerra H.M.S. Challenger da Marinha Britânica partiu, em 1872, para a primeira expedição organizada a fim de estudar as características do oceano. Empurrado para fora do seu curso, o navio – mostrado aqui em uma xilogravura colorida à mão – passou em cima de um vasto cânion subaquático agora conhecido como Fossa das Marianas. A tripulação mediu a profundidade da extremidade sul a 8.140 metros. Em uma expedição de acompanhamento na década de 1950, a tripulação do H.M.S. Challenger II descobriu uma depressão ainda mais profunda dentro desta fossa, que marcou o ponto mais profundo do oceano, batizado de depressão Challenger.

Foto de North Wind Picture Archives

Os dois instrumentos faziam parte dos esforços de Barclay para criar uma maneira compacta e menos cara de gravar a paisagem sonora subaquática, um projeto que ele tinha começado quando era estudante de pós-graduação no Instituto de Oceanografia Scripps. Estudar o barulho do mar poderia não apenas ajudar os cientistas a entender a estrutura do oceano, mas também identificar melodias particulares, seja de baleias ou submarinos.

A viagem de ida e volta dos instrumentos para gravar dentro da Challenger deveria levar cerca de nove horas. Mas quando chegou a hora de retornar, apenas um microfone sobrevivente voltou das profundezas.

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    Como Barclay mais tarde deduziu, o estalo veio da implosão da carcaça de vidro de um dos instrumentos, uma esfera de quase 40 cm de largura que envolvia o aparelho. Embora o instrumento tenha sido destruído, Barclay e seus colegas eventualmente encontraram melodias úteis na cacofonia da explosão. A equipe usou as saltitantes ondas sonoras da implosão, gravadas pelo dispositivo sobrevivente, para calcular uma das medidas mais precisas já tomadas da depressão Challenger.

    A maioria das medições passadas se centraram entre 10.900 e 10.950 metros, mas a nova estimativa está entre as mais profundas até agora: impressionantes 10.983 metros.

    O HMS Challenger carregava muitos instrumentos científicos a bordo, alguns dos quais são mostrados aqui. Da esquerda para a direita há um cilindro que permite determinar a salinidade da água, um objeto para  coletar amostras do fundo do oceano, uma draga para coletar amostras da vida marinha, um termômetro para medir a temperatura do mar profundo e máquinas de som para determinar a profundidade da água.

    Foto de Collection PJ / Alamy Stock Photo

    Em dezembro de 2014, cientistas implantaram o Deep Sound, um par de instrumentos  que foram planejados para cair livremente através da água e gravar os sons do mar profundo. Mas depois que ambos os instrumentos afundaram abaixo de 2.400 metros, o Deep Sound Mark III implodiu. O dispositivo sobrevivente, o Deep Sound Mark II, que é mostrado aqui durante a implantação, gravou o colapso e seus muitos ecos enquanto o som saltava da superfície e do fundo do mar.

    Foto de Dieter Bevans

    Os cientistas sabem há muito tempo que a depressão Challenger é o ponto mais profundo do oceano, mas trabalham há décadas para determinar precisamente onde e quão longe está seu ponto mais profundo.

    "Gostamos de conhecer os extremos do planeta", diz Scott Loranger, o autor do estudo e oceanógrafo acústico do Instituto Oceanográfico Woods Hole, no estado americano de Massachussets. "Qual é a montanha mais alta? Qual é o deserto mais seco? Qual é a pimenta mais picante?" Tais esforços ajudam a expandir os limites do conhecimento humano, acrescenta. "Basicamente, é isso que todo cientista tenta fazer."

    Paranoia profissional 

    Barclay, que agora é professor associado na Universidade Dalhousie, na Nova Escócia, Canadá, descreve-se como "profissionalmente paranoico" – apelido conferido depois de uma carreira dedicada a pegar equipamentos caros e jogá-los no mar. Essa paranóia o obriga a uma preparação meticulosa. Na noite prévia a cada grande missão, ele escreve uma lista de tudo o que poderia dar errado.

    "Parece um pouco sádico", diz ele. "Mas é um exercício muito bom de se fazer."

    Enumerar as possíveis rotas para a falha ajuda Barclay a evitar catástrofes causadas pelo homem, como esquecer de carregar a bateria de um instrumento ou não ligar um dispositivo. No entanto, há sempre coisas que estão fora do controle.

    Explorar as maiores profundezas do nosso planeta não é fácil. A massa de água cria uma pressão esmagadora, que impacta a depressão Challenger com uma tonelada por centímetro quadrado, cerca de mil vezes a pressão na superfície.

    In 1960 Swiss oceanographer Jacques Piccard and United States Navy Lieutenant Don Walsh piloted the U.S. Navy's bathyscaphe Trieste. The self-propelled vehicle, seen here suspended above the waves, uses a gasoline-filled tank as part of its buoyancy control. The pair became the first two people to ever visit the ocean's deepest point. They measured a record depth of 10,911 meters.

    Na Fossa das Marianas

    Uma nova medição do ponto mais profundo do oceano foi feita quando um instrumento subaquático implodiu, liberando ondas de som que saltavam entre o fundo do mar e a superfície.

    Foto de Christine Fellenz, equipe NG. Fonte: National Geographic Atlas of the World, 11ª Edição

    Poucas pessoas já visitaram a depressão Challenger. Os primeiros foram o oceanógrafo suíço Jacques Piccard e o tenente da Marinha dos Estados Unidos Don Walsh, que desceram a bordo do submersível do batiscafo Trieste em 23 de janeiro de 1960.

    Quando o Trieste se aproximou do fundo do mar, a temperatura gélida fraturou uma janela de plexiglass, enviando o estalo da rachadura através da cabine fechada. Mas a janela aguentou, e Piccard e Walsh chegaram em segurança à Challenger, permanecendo por 20 minutos antes de subir.

    Outros cientistas enviaram veículos operados remotamente para o abismo ou mediram as grandes profundezas da superfície usando um sonar. Os dois dispositivos de Barclay faziam parte dessa longa história de exploração.

    A dupla de equipamentos foi programada para descer a uma certa profundidade e permanecer, gravando a sinfonia oceânica antes de retornar à superfície. Um deles, conhecido como Deep Sound Mark II, viajaria até 9 mil metros de profundidade. O outro, Deep Sound Mark III, deveria chegar ao fundo do oceano. Mas uma vez que eles desapareceram de vista, havia poucas maneiras de rastrear seu progresso.

    "Você puxa a corda e depois a solta, e ele se foi", diz Barclay. "Você não o vê. Você não fala com ele. Você não sabe o que está fazendo nesse tempo todo."

    Sempre preparado, Barclay tinha montado o microfone subaquático do navio para gravar na superfície, ocasionalmente ouvindo pistas do que estava acontecendo. Foi quando ele ouviu o estouro. Naquela noite, ainda sem saber o que tinha acontecido, ele e a tripulação olharam através da superfície do oceano na hora marcada para recuperar os instrumentos. Encontraram apenas um deles balançando nas ondas.

    Os cientistas puxaram o Deep Sound Mark II de volta ao navio e ouviram a gravação. Uma onda de ruído corta o silêncio, uma cacofonia criada pela implosão  do Mark III. Barclay especula que um dos pequenos flutuantes de cerâmica do instrumento pode ter falhado, desencadeando uma cascata de destruição.

    Como o vidro do instrumento desabou sob o peso de oito quilômetros de água, ele liberou um bolsão de ar que oscilou sob pressão antes de se fragmentar em um véu de pequenas bolhas. O som de toda essa atividade correu pela água, saindo da superfície e voltando para as profundezas do oceano – onde o outro microfone, Mark II, gravava.

    "Tornou-se imediatamente muito óbvio que tínhamos perdido o instrumento", diz Barclay sobre o microfone destruído.

    As ondas saltitantes das profundezas do oceano

    Seis anos depois, Loranger sentou-se em seu escritório para ouvir as reverberações da explosão. Com o trabalho de campo esticado pela pandemia, ele esperava encontrar algo útil na gravação. Depois de uma caótica série inicial de som, vários ecos distintos podem ser ouvidos, cada um deles um pouco mais silencioso do que o último, até se transformarem em silêncio.

    Em 26 de março de 2012, o National Geographic Explorer em Large e o cineasta James Cameron completaram com sucesso o primeiro mergulho solitário no Challenger Deep usando um submersível que ele co-desenhou, apelidado de DEEPSEA CHALLENGER, mostrado aqui iniciando um mergulho de teste de 8 mil metros. Durante a expedição, realizada em parceria com a National Geographic, Cameron documentou a sua experiência em alta resolução e coletou amostras para estudo.

    Foto de Mark Thiessen, NatGeo Image Collection

    "Esqueci de clicar no stop e estou apenas digitando", diz Loranger. Foi quando ele ouviu algo estranho. Cerca de 25 segundos após a implosão, um fraco "piu" cortou a gravação. O eco tinha viajado mais de 40 quilômetros, saltando entre a superfície e o ponto mais profundo do oceano várias vezes. "Nossa", ele lembra de pensar. "Eu não esperava isso para nada."

    Medir ondas sonoras é uma das maneiras mais comuns de mapear o fundo do mar, assim como um morcego usa a ecolocalização para ver no escuro. Durante muitos anos, pesquisadores detonaram explosivos na superfície da água ou perto da água para gerar ondas sonoras que quicassem no fundo. Mais recentemente, cientistas mudaram para métodos mais controlados de criação de ruído, como o ar pressurizado, diz Mark Rognstad, um especialista em mapeamento do fundo do mar no Instituto Hawai'i de Geofísica e Planetologia, nos EUA, que não faz parte da equipe de estudo.

    Quanto mais profunda a água, mais intenso e mais grave o som precisa ser para chegar ao fundo. A implosão de 2014 proporcionou apenas essa fonte de som intenso. O colapso dos cases de vidro sob pressão pode ser bastante violento, diz Rognstad. Ele fazia parte de uma expedição financiada pela National Geographic para procurar navios afundados durante a Batalha de Midway, na Segunda Guerra Mundial, quando a implosão de uma esfera de vidro dentro de um veículo operado remotamente causou estragos. "Foi descrito para mim como uma vara de dinamite disparando", diz ele.

    A intensidade da implosão de Mark III enviou ondas de choque ziguezagueando para frente e para trás entre a superfície e o fundo do mar, o que foi fundamental para a medição precisa por parte da equipe. Usando as características acústicas de um dos ecos como modelo, Loranger e seus colegas identificaram os tempos de chegada para a explosão inicial e cada reflexão.

    Os pesquisadores então modelaram os caminhos das várias ondas sonoras, ajustando para mudanças na velocidade do som em diferentes profundidades causadas por mudanças de temperatura, pressão e salinidade.

    Isso os levou ao cálculo final para a profundidade da depressão Challenger: 10.983 metros, com uma margem de erro de mais ou menos seis metros.

    A magia do som

    Diferentes métodos produziram números variados para a profundidade no Challenger Deep – e à medida que as tecnologias avançam, os esforços para encontrar as maiores profundezas do oceano certamente continuarão. Uma análise meticulosa publicada no ano passado produziu uma profundidade de 10.935 metros a partir de medições acústicas e de pressão coletadas durante os mergulhos do Victor Vescovo no submersível Limiting Factor. Alguma variação é esperada entre diferentes métodos, pois cada um tem seus próprios desafios e incertezas.

    "Não há como colocar uma régua e medir exatamente", diz a geóloga da Universidade de New Hampshire Rochelle Wigley, que não fazia parte da equipe de estudo. Ela ressalta que a diferença entre os dois valores mais recentes não é tão grande, é menos que 0,5%.

    Independentemente da profundidade exata da Challenger, parte do fascínio está na busca – e nas muitas maravilhas desconhecidas que podem ser descobertas ao longo do caminho. A implosão em si é um exemplo de descoberta por acaso, produzindo dados que os pesquisadores nunca se propuseram a coletar.

    A gravação também oferece a todos uma maneira de visitar um lugar onde poucos terão a oportunidade de chegar, diz Barclay. Como gritar no Grand Canyon para ouvir seus ecos, a gravação é "uma maneira de realmente estar na depressão", diz ele. "E isso, eu acho, é realmente mágico."

    Quanto ao plano inicial de Barclay, de ouvir as paisagens sonoras dentro da Challenger, ele e os seus colegas finalmente alcançaram o objetivo. Em 2021 eles pousaram um dispositivo no ponto mais profundo do nosso planeta, registrando os ritmos tranquilos do oceano por quatro horas.

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