Conheça os mistérios do Triângulo das Bermudas australiano
Pelo menos 1600 naufrágios – e incontáveis histórias de piratas e saques – estão no mar, sob as águas do Oceano Índico. Agora exploradores marítimos estão mergulhando para revelar seus segredos.
Um mergulhador nada perto do local do naufrágio do Batavia, navio-almirante da Companhia Holandesa das Índias Orientais que afundou na costa da Austrália Ocidental em 1629, durante sua viagem inaugural da Holanda para Java.
A costa de 13 000 quilômetros da Austrália Ocidental está repleta de pelo menos 1600 navios naufragados – mais do que qualquer outro estado australiano – e esses destroços agora atraem turistas, emocionam os mergulhadores e fascinam os cientistas.
Quase quatro vezes o tamanho do Texas – mas com apenas 2,6 milhões de habitantes – a Austrália Ocidental (WA) recebe poucos turistas em comparação com a costa leste mais desenvolvida da Austrália, onde estão Sydney e Melbourne. A capital do estado, Perth, fica a 2 mil quilômetros da cidade mais próxima, Adelaide.
Mas aqueles que viajam para WA descobrem que alguns de seus locais mais atraentes estão fora de suas costas, escondidos sob as ondas do Oceano Índico. Aqui, os naufrágios podem ser encontrados em todos os lugares, desde as praias da cidade até os parques marinhos distantes, e servem como foco de uma nova série de documentários de TV em seis partes, Shipwreck Hunters Australia. Além de serem excelentes locais de mergulho, essas ruínas subaquáticas revelam surpreendentes correntes da história marítima de WA.
Costa do naufrágio
A partir de 1600, esta costa tornou-se um cemitério para navios holandeses, britânicos e portugueses, diz Ross Anderson, curador de arqueologia marítima do Museu da Austrália Ocidental. Muitos navios pereceram na rota de navegação dos Roaring Forties da Europa para a Indonésia. Eles se aventuraram muito para o leste e para as águas traiçoeiras de WA, que são carregadas de armadilhas naturais como marés extremas, recifes rasos no mar, falésias imponentes e clima perigoso.
Erro humano foi a causa do primeiro naufrágio registrado em WA há 400 anos. Os visitantes do impressionante WA Shipwrecks Museum de Perth podem ver um canhão de ferro fundido recuperado deste navio, o Trial, que afundou cerca de 160 quilômetros a oeste da cidade de Karratha, no norte do estado, em 1622. Eles também podem aprender sua história escandalosa.
No caminho da Inglaterra para a Indonésia, o Trial saiu do curso, bateu nas pedras e afundou. Mais de 100 tripulantes foram engolidos pelo mar. Um dos 36 que sobreviveram, o comandante do navio John Brookes, mentiu sobre seu desaparecimento para esconder sua negligência. Este relato falso escondeu o local onde o Trial naufragou por três séculos, diz Alistair Paterson, professor de arqueologia da University of Western Australia.
Um local igualmente remoto protegia o segredo do maior mistério marítimo da Austrália. O WA Maritime Museum de Perth explica aos visitantes como uma estrondosa batalha da Segunda Guerra Mundial entre o alemão HSK Kormoran e o australiano HMAS Sydney II afundou os dois navios de guerra, matando 645 tripulantes australianos e mais de 70 alemães em 1941.
O HMAS Sydney II da Austrália entra na água pela primeira vez nesta foto de arquivo de 1934.
O HMAS Sydney II (visto aqui) e o HSK Kormoran da Alemanha foram encontrados a 290 quilômetros da costa da Austrália Ocidental quase 70 anos depois de terem desaparecido após uma batalha de 1941.
A mídia australiana ficou obcecada pela busca por esses navios, que não foram encontrados até 2008, cerca de 290 quilômetros a oeste da cidade de Carnarvon, WA.“O Sydney e o Kormoran foram difíceis de encontrar por causa da profundidade [do naufrágio] de 2,4 quilômetros e dificuldades em calcular onde os navios finalmente afundaram”, destaca Paterson.
Se esse foi o pior desastre oceânico de WA, o Batavia foi o mais macabro. Este navio holandês com destino à Indonésia transportava mais de 300 pessoas e vastas riquezas quando atingiu um recife e afundou nas ilhas Houtman Abrolhos de WA, em 1629.
Cerca de 250 passageiros do Batavia conseguiram sobreviver, em três pequenas ilhas. Entre eles estavam intrigantes assassinos. O capitão do Batavia e o sub comerciante, semanas antes, traçaram um plano para tomar o navio, roubar sua recompensa e se tornar piratas. Mais de 120 sobreviventes do naufrágio foram massacrados por esses homens e seus subordinados.
A descoberta do Batavia em 1963 levou a Austrália Ocidental a aprovar leis que protegem o patrimônio arqueológico subaquático da província – uma inovação mundial.
Os turistas podem mergulhar neste local de naufrágio dirigindo cinco horas ao norte de Perth, até Geraldton, e depois fazer um passeio de barco pelas ilhas Houtman Abrolhos, 88 quilômetros a oeste. Os restos do Batavia estão a apenas 5 metros abaixo da superfície. Eles também podem ser explorados virtualmente por meio do e-book interativo gratuito do WA Museum, Batavia 1629, que usa fotos, modelos 3D e animações para retratar a viagem da destruição da embarcação.
Outro naufrágio acessível para mergulho nas ilhas Houtman inspirou Ash Sutton, um dos membros da equipe do documentário Shipwreck Hunters Austrália, com sua história de sobrevivência contra todas as adversidades. O navio holandês Zeewijk afundou em 1726, mas 82 de seus 208 passageiros homens milagrosamente conseguiram chegar à Indonésia em um barco improvisado.
Esta vista aérea mostra as ilhas Houtman, um arquipélago de 192 ilhas localizado ao norte de Perth, na Austrália Ocidental. Os sobreviventes do naufrágio do Batavia chegaram a essas ilhas, apenas para serem mortos mais tarde por amotinados.
“Um bando de marinheiros [Zeewijk] viveu no próprio naufrágio por meses enquanto ele estava preso em um recife”, diz Sutton, que agora mora nas ilhas Houtman. “É uma das histórias mais marcantes que já ouvi.”
Mistérios submersos
Os turistas não precisam deixar Perth para mergulhar na história marítima deste estado, conta o arqueólogo marinho Jeremy Green. O naufrágio do britânico Omeo, em 1905, repousa a apenas 25 metros da costa nas águas azuis da praia de Coogee, em Perth. Faz parte da Trilha Marítima Coogee, uma rota de mergulho com snorkel de 230 metros de comprimento embelezada por recifes artificiais e esculturas subaquáticas.
Outros destroços estão a 16 quilômetros a noroeste do Omeo, no popular destino turístico Rottnest Island. Este paraíso sem carros é cercado por praias requintadas, picos de surfe e recifes de corais, que afundaram uma dúzia de embarcações nos últimos dois séculos. Essas ruínas são feitas sob medida para mergulho, devido à água translúcida, profundidades rasas e presença de 25 espécies de corais tropicais.
O que os turistas não podem explorar é o SS Koombana. pois ele nunca foi encontrado. Um luxuoso navio de passageiros, semelhante ao Titanic, transportava mais de 150 pessoas entre Port Hedland e Broome, no extremo norte de WA, quando desapareceu na fúria de um ciclone, em 1912.
“Várias tentativas de encontrar o local de descanso final de Koombana foram feitas ao longo das décadas, e encontrar o naufrágio é um mistério marítimo notável que adoraríamos resolver”, afirma Ross Anderson.
Mais de 400 anos depois de se tornar um colossal cemitério oceânico, a Austrália Ocidental ainda guarda segredos marítimos.
Ronan O'Connell é um jornalista e fotógrafo australiano que viaja entre a Irlanda, Tailândia e Austrália Ocidental.