
Será que a humanidade está vivendo dentro de um buraco negro?
As semelhanças entre a física do universo e a dos buracos negros levaram alguns cosmólogos a questionar se o nosso universo poderia ter nascido em um buraco negro.
Olhando para as estrelas à noite, é fácil imaginar que o Espaço é infinito. Mas os cosmólogos sabem que o universo tem limites. Primeiro, seus melhores modelos indicam que o Espaço e o tempo tiveram um início, um ponto subatômico chamado singularidade. Esse ponto de intenso calor e densidade se expandiu rapidamente durante o Big Bang.
Em segundo lugar, o universo visível é circunscrito pelo que é conhecido como horizonte de eventos, um precipício além do qual nada pode ser observado porque o cosmos se expandiu mais rápido do que a velocidade da luz, deixando partes dele muito distantes para serem vistas até mesmo pelos nossos melhores telescópios.
Esses dois elementos — uma singularidade e um horizonte de eventos — também são características importantes dos buracos negros. Esses monstros gravitacionais espreitam por todo o cosmos, devorando gás, poeira e luz. Assim como o universo, os buracos negros são restringidos por seus próprios horizontes de eventos, uma fronteira além da qual nada pode ser observado e que se acredita conter uma singularidade. Talvez seja por isso que alguns artigos científicos recentes tenham sugerido que todo o nosso universo poderia existir dentro de um buraco negro.
Embora esteja um pouco fora do âmbito da cosmologia comum, a possibilidade alucinante de viver em um buraco negro não é apenas para universitários contemplativos que ficam acordados até tarde. “É certamente uma ideia razoável”, diz Niayesh Afshordi, astrofísico do Instituto Perimeter de Física Teórica em Waterloo, Canadá. “É só fazer com que os detalhes realmente funcionem.”
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A foto mostra o gás superaquecido girando em torno de um buraco negro central de nossa galáxia.
Uma breve história da teoria do universo dos buracos negros
A matemática que sustenta nossa compreensão do universo é bastante semelhante àquela que descreve os buracos negros. Ambas derivam da teoria da relatividade geral de Albert Einstein.
Essa é a ideia de que os objetos no Espaço criam curvas na estrutura do espaço-tempo que governam seus movimentos e explicam como a gravidade funciona. Coincidentemente, o raio do universo observável é o mesmo que seria para um buraco negro com a massa do nosso cosmos.
Ao longo dos anos, isso levou alguns pesquisadores a levantar a possibilidade de que o universo esteja dentro de um buraco negro. Dois dos primeiros a trabalhar nos detalhes foram o físico teórico Raj Kumar Pathria e, simultaneamente, o matemático I. J. Good na década de 1970.
Cerca de 20 anos depois, o físico Lee Smolin deu um passo adiante com uma teoria de que cada buraco negro que se forma em nosso universo produz um novo universo dentro dele, com uma física ligeiramente diferente da nossa. Assim, os universos brotam uns dos outros, mutando e “evoluindo” à medida que criam universos filhos. Ele chamou isso de seleção natural cosmológica.
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Nosso universo é o oposto de um buraco negro
Embora nenhuma dessas ideias tenha se tornado particularmente popular, muitos físicos ainda reconhecem a conexão conceitual entre buracos negros e o universo. “Matematicamente, eles são muito relacionados”, diz Ghazal Geshnizjani, físico teórico também do Instituto Perimeter. “Eles são como o oposto um do outro.”
Acredita-se que nosso cosmos tenha começado com uma singularidade, aquele ponto de densidade infinita que precedeu o Big Bang. Os buracos negros, por outro lado, terminam em uma singularidade, um minúsculo ponto de descarte de lixo onde tudo é esmagado além do significado.
O horizonte de eventos de um buraco negro — a fronteira esférica ao redor da singularidade — também é seu ponto sem retorno. Embora frequentemente vistos como aspiradores cósmicos na cultura pop, os buracos negros são, na verdade, objetos relativamente tranquilos.
“Frequentemente vistos como aspiradores cósmicos na cultura pop, os buracos negros são, na verdade, objetos relativamente tranquilos.”
Uma nave espacial pode entrar em uma órbita estável ao redor de um buraco negro e depois escapar, a menos que ultrapasse o horizonte de eventos, além do qual nada pode voltar.
A expansão constante do nosso universo impulsiona um fenômeno semelhante. Quando olhamos para o universo com telescópios, vemos objetos mais distantes se afastando de nós mais rapidamente do que os mais próximos. A distâncias suficientemente grandes, a expansão acontece mais rápido do que a velocidade da luz, afastando estrelas e galáxias tão rapidamente que elas desaparecem além de uma borda, o horizonte cósmico. É quase como se essas estrelas e galáxias estivessem desaparecendo na boca de um buraco negro invertido.
Já está com dor de cabeça? Não se preocupe. O ponto principal para os cientistas é que essas conexões superficiais entre buracos negros e o universo não implicam necessariamente que um seja o outro. Para dar esse salto, os físicos precisariam saber quais resultados observáveis tal ideia poderia ter.
“Temos teorias e elas têm consequências”, diz Alex Lupsasca, físico da Universidade Vanderbilt, em Nashville, no estado norte-americano do Tennessee. “Se as implicações da teoria forem descartadas por um experimento, então poderíamos dizer que as suposições são inconsistentes ou erradas.”
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“O físico Lee Smolin deu um passo adiante com uma teoria de que cada buraco negro que se forma em nosso universo produz um novo universo dentro dele.”
Como saber se o universo está dentro de um buraco negro
Então, quais seriam as consequências observáveis se o nosso universo estivesse, de fato, dentro de um buraco negro?
Por um lado, haveria uma espécie de direção ou orientação natural para o cosmos — galáxias girando em uma direção favorecida ou um eixo sutil no calor residual do Big Bang que preenche o universo. “Seria de se esperar algum tipo de gradiente em todo o nosso universo”, diz Afshordi. “Uma direção seria em direção ao centro do buraco negro, outra em direção à parte externa do buraco negro.”
No entanto, nossas melhores medições mostram que, nas maiores escalas, o cosmos parece ser bastante repetitivo. Os físicos se referem a isso como o princípio cosmológico. Ele afirma que o universo não tem uma direção especial e é praticamente o mesmo em todos os lugares. Como essa uniformidade poderia surgir do nascimento de um buraco negro é um desafio para qualquer um que afirme que o cosmos está dentro de um. Os buracos negros nascem de estrelas moribundas — um processo confuso, caótico e longe de ser uniforme.
Há também o problema da singularidade do buraco negro. Esse ponto infinitesimal é o momento final inevitável para qualquer pessoa ou coisa que caia dentro de um buraco negro, uma espécie de oposto de um cosmos em rápida expansão.
Para compreender melhor essas questões, os físicos precisariam descobrir como combinar as duas teorias mais bem-sucedidas do século 20: a relatividade geral, que se aplica aos objetos maiores, e a mecânica quântica, que rege os menores.
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Como uma singularidade é um ponto microscópico com massa enorme, ela não pode ser tratada por nenhuma das duas teorias isoladamente e requer algum tipo de síntese entre elas. Apesar de muitos esforços, essa teoria da gravidade quântica ainda não foi descoberta pelos cientistas. Pela mesma razão, não podemos determinar o que acontece exatamente dentro de um buraco negro ou antes do Big Bang.
No entanto, os cosmólogos concordam que explorar algumas dessas possibilidades é um exercício fascinante e pode levar a novas descobertas. Talvez eles até encontrem motivos para reconsiderar seus modelos cósmicos e descobrir que o universo realmente está dentro de um buraco negro.
