Quanto trabalho é necessário para fabricar folhas de ouro? 20 mil golpes de martelo

Utilizada em rituais budistas, a folha dourada que decora pagodes é cerca de 30 vezes mais fina que um fio de cabelo humano.

Por Paul Salopek
Publicado 2 de jan. de 2021, 08:00 BRT
Na King Galon Gold Leaf Workshop, em Mandalai, Mianmar, grãos de ouro agrupados entre folhas de ...

Na King Galon Gold Leaf Workshop, em Mandalai, Mianmar, grãos de ouro agrupados entre folhas de fibra de bambu são trabalhosamente transformados em folhas de ouro que revestem estátuas de budas em santuários por todo o país.

Foto de Paul Salopek

MANDALAI, MIANMAR — “Observe”, diz Htet Htet. “Dá para ver como é fina?”

Htet, empresária de 24 anos de idade, sentada em sua oficina abafada em Mandalai, olha atentamente para uma folha de ouro do tamanho de um selo sobre um pedaço de papel de bambu na palma de sua mão. A folha brilhante ondula quando ela a move.

Quão fina ela é?

A pele humana tem cerca de 0,17 centímetros de espessura, uma folha de papel tem 0,010 centímetros em média. Em contrapartida, a folha de ouro feita à mão na oficina de Htet mede apenas 0,0002 centímetros de espessura. Três mícrons: cerca de 30 vezes mais fina que um fio de cabelo humano. Como uma teia de aranha dourada ou a luz solar quase que materializada.

“Precisamos martelar 20 mil vezes para que ela fique tão fina”, diz Htet. “São mais de cinco horas martelando.”

A fabricação de folhas de ouro em Mianmar existe há muitos séculos e está estreitamente relacionada ao ritual budista. Cobrir estátuas de pagodes com folhas de ouro é uma forma de honrar os ensinamentos de Buda. Fazer estátuas douradas é, de acordo com os praticantes do budismo, “um ato de bondade e amor” e um caminho para “transmitir bons valores”. No budismo, o ouro significa sol: chama de pureza, conhecimento e iluminação.

A fabricação das folhas reluzentes e delicadas na pequena oficina de Htet, King Galon Gold Leaf Workshop, é estranhamente bela e cansativa.

 

Homens sem camisa batem martelos de cerca de três quilos em sacos de couro de cervo contendo grãos de ouro agrupados entre camadas de papel de bambu. Primeiro, eles batem no saco em um padrão circular para achatar o ouro em formato de moeda. Em seguida, eles martelam o meio do círculo para atingir a espessura mais fina. O ouro aquece com os milhares de golpes. O tempo é contado com uma clepsidra, relógio antigo que consiste em uma casca de coco com uma abertura que flutua em um recipiente com água. Quando completa uma hora, a casca afunda e os homens fazem um intervalo de 15 minutos.

Em meio ao constante barulho de martelos, o coco se enche lentamente. Não é uma profissão para quem tem dores nas costas.

“Quando comecei, as costas doíam muito”, diz Min Min, 33 anos de idade, batedora de ouro veterana. “O trabalho exige boa alimentação — carne, ovos, de tudo. Além disso, não podemos prestar atenção no ritmo dos trabalhadores que estão ao lado. Isso distrai e você pode se machucar.”

Um minilingote do tamanho de uma unha rende 200 folhas de ouro com cerca de seis centímetros. Mulheres em uma sala protegida do vento — para que a folha de ouro não voe — cortam a folha dourada com facas de chifre de búfalo.

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    Parte das folhas de ouro da oficina de King Galon cobriu a estátua de Buda com cerca de três metros de altura e seis toneladas, consagrada no Templo Mahamuni, o maior pagode de Mandalai.

    Foto de Godong, Alamy

    “A folha de ouro também pode ser consumida. Ela faz bem para o coração”, diz Htet, gerente da oficina. “As mulheres também usam no rosto como cosmético.”

    Os turistas costumavam comprar a folha de ouro de Htet como lembrança. Mas há um tempo os estrangeiros não visitam Mandalai devido ao coronavírus. Durante a pandemia global, todos os seus clientes são tradicionais: peregrinos budistas.

    Observando os homens fortes, transpirando e golpeando os martelos na oficina, é impossível não pensar: há quanto tempo isso vem sendo feito?

    O Vaticano esbanja ouro. O santuário de Al Aqsa, onde Maomé ascendeu ao céu, tem uma cúpula de ouro. Quase todos os templos hindus na Índia têm sua própria reserva de ouro. (Existem mais de quatro mil toneladas de ouro ocultas em templos por toda a Índia, segundo estimativa, mais do que nos cofres de Fort Knox). Desde o início, oferecemos ouro para exaltar nossos deuses e sábios, mas também como uma espécie de garantia metafísica: pagamento para uma vida agradável após a morte.

    Parte das folhas de ouro de Htet cobriu a estátua de Buda com cerca de três metros de altura e seis toneladas, consagrada no Templo Mahamuni, o maior pagode de Mandalai.

    A imagem enorme, cintilante e plácida está incrustada com uma camada irregular de folhas de ouro, que em algumas partes tem cerca de 15 centímetros de espessura. Peregrinos, ricos e pobres visitam o santuário. Partículas do produto de Htet fazem seus dedos brilhar.

    A folha de ouro é muito difícil de remover da pele.

     

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