
Existe um antídoto filosófico para a solidão e os algoritmos? O que a filosofia diz sobre 5 temas polêmicos
“A investigação filosófica é um elemento central na história intelectual de muitas civilizações”, diz a Encyclopaedia Britannica.
“A investigação filosófica é um elemento central na história intelectual de muitas civilizações”. Com essa definição da Encyclopaedia Britannica (plataforma de conhecimentos gerais do Reino Unido) já é possível entender a importância da filosofia na existência humana, estando ela presente em sociedades antiquíssimas como a grega ou no Império Romano.
Coube à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) instituir a efeméride do Dia Mundial da Filosofia, celebrado anualmente em toda terceira quinta-feira de novembro, de forma a incrementar o pensamento crítico filosófico e reforçar a importância dos ensinamentos de nomes essenciais da área.
Entre eles podem ser citados a filósofa moderna e cientista política Hannah Arendt; o conhecido pensador alemão Friedrich Nietzsche (1844 – 1900); ou os nomes clássicos como Epíteto (50 – 130 d. C.) e Aristóteles (384 a.C a 322 a.C).
Para debater um pouco mais sobre a importância da filosofia – inclusive na atualidade, diante de tantas transformações sociais como os impactos causados pela mudança climática ou a popularização da inteligência artificial, National Geographic entrevistou o pensador, professor e filósofo britânico John Armstrong, cofundador da The School of Life, autor de livros como “O Poder Secreto da Beleza” e “Arte Como Terapia”.
Ele expõe suas opiniões sobre temas-chave como o antropoceno, a tecnologia, a solidão e a relação entre o bem e a beleza: confira, a seguir, os melhores momentos da conversa com John Armstrong.
(Vale a pena ler também: O novo Grande Museu Egípcio é faraônico: mas por que tesouros importantes do Egito Antigo não estão lá?)

Hoje em dia, o espaço para o debate migrou para as mídias sociais. Segundo John Armstrong, esse lugar não promove uma boa troca de ideias e opiniões: "o debate é uma habilidade significativa e cuidadosa, na qual é preciso compreender o que o outro está dizendo, filtrar o que pode ser importante, levantar objeções bem direcionadas", diz ele.
FILOSOFIA X ANTROPOCENO
NatGeo: Vivemos na era do Antropoceno, em que a ação humana é a força dominante que molda o planeta. Qual é a principal responsabilidade ética que surge dessa condição sem precedentes? É uma ética de preservação, reparação ou uma maneira completamente nova de interagir com a natureza?
John Armstrong: É muito tentador pensar em deveres éticos para com o planeta, mas há um perigo: isso faz com que as pessoas que não assumem muita responsabilidade prática sejam consideradas imorais. Mas, muitas vezes, são essas pessoas que seria útil alcançar.
O valor que mais gostaria de incentivar é a elegância: a beleza alcançada com meios mínimos. Não devemos fazer com que viver uma vida menos consumista pareça um dever doloroso, mas sim o subproduto de uma visão mais refinada da felicidade.
FILOSOFIA X ALGORITMOS
NatGeo: Você argumenta que o caráter é a “arquitetura” de nossas vidas mentais. Em um mundo de algoritmos que moldam nossos desejos e opiniões, quem é o principal arquiteto do nosso caráter hoje? Ainda somos nós, ou terceirizamos essa construção para plataformas digitais?
John Armstrong: Vamos nos aprofundar um pouco no que é um algoritmo. Em última análise, é apenas uma recomendação sobre o que prestar atenção a seguir.
O programa de filosofia da Universidade de Oxford, por exemplo, é um algoritmo, já que diz: depois de examinar este argumento, faça este teste, então outro livro ou ideia é recomendado com base no seu desempenho. Nesse sentido, um comerciante de vinhos tem um algoritmo – se você gostou desse vinho, que tal experimentar este?
O problema com os algoritmos digitais é sua total falta de preocupação com o bem-estar ou desenvolvimento a longo prazo. Não há amor ou visão orientada para um bom desenvolvimento por trás deles; eles apenas dizem que você parece fazer “muito X”, então “aqui está mais X, um X mais intenso”. Geralmente, é o oposto da educação.
Com isso, em vez de nossos caracteres se expandirem, se aprofundarem e se tornarem mais maduros com a experiência, ficamos mais limitados e frágeis.
(Leia em profundidade: O que é a felicidade segundo Aristóteles?)

O filósofo britânico John Armstrong.
FILOSOFIA X BELEZA
NatGeo: você defende uma correlação entre o Bem e o Belo, sugerindo que a beleza e a estética servem como um caminho para uma vida mais significativa, feliz e ética. Você poderia explicar melhor como a Ética e a Estética estão relacionadas em seu pensamento?
John Armstrong: Na maioria das vezes, a ética (o que é bom) e a estética (o que é belo) parecem muito distantes uma da outra. Isso ocorre porque o materialismo puro vê a beleza como um luxo. A imagem de “fazer o bem” geralmente se concentra em ajudar as pessoas materialmente. Mas a beleza, se permitirmos, toca a alma e é fundamental para o anseio humano.
Uma sociedade saudável não poderia ser fundada apenas na prosperidade material. A beleza é graciosidade, ternura, harmonia e generosidade (todos ideais éticos); ela deve nos encorajar a internalizar essas qualidades em nossos próprios pensamentos e ações.
FILOSOFIA X SOLIDÃO
NatGeo: vários estudos mostram que a solidão se tornou uma epidemia em muitos países ao redor do mundo e agora está afetando populações mais jovens, especialmente os homens. Como a filosofia pode ajudar a reverter esse cenário?
John Armstrong: posso tentar uma ideia estranha aqui neste tópico. Ela tem a ver com um episódio do antigo programa de carros, “Top Gear”. O programa era voltado diretamente para homens jovens. Nesse episódio, os apresentadores dirigem carros esportivos em alta velocidade por uma colina e, em determinado momento, uma música clássica incrivelmente bela começa a tocar: é uma peça majestosa e celestial.
Tenho certeza de que muitos jovens que nunca teriam ouvido essa música ficaram profundamente comovidos. Eles começaram a perceber que há mais coisas na vida do que manter a boa forma ou jogar videogame. Seria ótimo pensar em amizades formadas em torno de dizer (timidamente) “Eu adorei isso, você não?”.
(Conteúdo relacionado: Livros de filosofia que você deve ler pelo menos uma vez na vida)
“No passado, os guardiões da cultura podiam ter suas falhas, mas geralmente eram pessoas instruídas e sérias, preocupadas em não cometer erros. ”
FILOSOFIA X REDES SOCIAIS
NatGeo: Na era digital, nossa “ágora” — ou seja, o nosso espaço para o debate ético — migrou para as mídias sociais. Como essa mudança de uma arquitetura física para um espaço virtual distorceu ou transformou nossa capacidade de dialogar sobre o bem e o mal?
John Armstrong: No passado, os guardiões da cultura podiam ter suas falhas, mas geralmente eram pessoas instruídas e sérias, preocupadas em não cometer erros e que se esforçavam bastante para apresentar fatos corretos e argumentos lógicos.
Havia uma visão generalizada de que, obviamente, muitos temas importantes precisavam ser debatidos de forma inteligente, mas a verdade sobre eles era complexa. Pessoas com visões simplistas eram vistas como sem instrução, sem direito inerente de ter suas ideias de baixo nível amplamente divulgadas.
Ainda que tenhamos direito às nossas próprias ideias, por mais tolas que sejam; não há direito sensato de espalhar as ideias de alguém pelos quatro cantos do mundo. O espaço digital não promove o debate — dado que o debate é uma habilidade significativa e cuidadosa, na qual é preciso compreender o que o outro está dizendo, filtrar o que pode ser importante, levantar objeções bem direcionadas e esperar o mesmo tratamento em troca. Basicamente, não há muito dinheiro a ser ganho com esse tipo de troca.
*A entrevista foi feita por Luciana Borges, Editora Sênior de National Geographic Brasil e LATAM.