O que é o Antropoceno e por que esta teoria científica responsabiliza a humanidade?

O termo se relaciona com o impacto das atividades das pessoas no planeta Terra. Mas, afinal, do que se trata essa teoria?

Vista aérea de Iracemápolis sobre a copa das árvores.

Foto de Victor Moriyama
Por Redação National Geographic Brasil
Publicado 16 de jan. de 2023, 13:34 BRT, Atualizado 13 de jul. de 2023, 11:00 BRT

A mudança climática, o rápido acúmulo de gases de efeito estufa (GEE) e os danos irreversíveis causados pelo consumo excessivo de recursos naturais são um reflexo das atividades humanas no meio ambiente.

O impacto dessas ações é tal que existe uma corrente de cientistas os quais defendem que os humanos estão mudando a Terra e seus processos em uma escala muito maior do que todas as outras forças naturais combinadas. Desta forma, o planeta estaria vivenciando o que se convencionou chamar de Antropoceno.

O que é o Antropoceno?

Trata-se de uma nova época geológica moldada pela humanidade e que está em andamento. Assim é definido o conceito de Antropoceno pelos cientistas. 

Esta hipótese científica se baseia na suposição de que, tal como o clima, a biodiversidade, os mares, os oceanos e a própria Terra, as pessoas se tornaram um fator no sistema global, como explica o artigo “A Incursão Antropocênica no Sul Global”, publicado na revista “Desacatos”, em 2017.

Entretanto, ainda está em discussão se o Antropoceno seria introduzido como um tempo geológico (como o Pleistoceno ou o Holoceno), dentro do período Quaternário. Ou se estaria em um nível hierárquico inferior, ou seja, se acaso seria uma subdivisão dentro do Holoceno, como afirma Manuel Tironi, sociólogo, acadêmico do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e do Instituto de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Chile.

À esquerda: No alto:

Ilustração de humanos se adaptando para viver em grandes altitudes.

À direita: Acima:

Ilustração de humanos se adaptando para viver em um clima desértico.

fotos de Owen Freeman

Quando começou o Antropoceno?

Para que o Antropoceno seja considerado um novo tempo geológico, é necessário encontrar o que se chama "prego de ouro". Em outras palavras, um indicador sedimentar em uma escala planetária, explica Tironi. Por exemplo, durante uma grande glaciação (período em que o planeta congela), uma camada geológica demonstrativa desse período permanece em toda a superfície da Terra. 

Assim, há diferenças de opinião entre os estudiosos sobre o início do Antropoceno, e esta data ainda está em discussão. A esse respeito, o artigo “O Antropoceno - Um Conceito Geológico ou Cultural, ou Ambos?” (também publicado na “Desacatos”, em 2017, do historiador alemão Helmuth Trischler, fornece alguns dos marcos os quais, segundo os cientistas, poderiam marcar o início desta nova época.

De acordo com o artigo, Paul Crutzen e Eugene Stoermer apresentaram pela primeira vez a ideia do Antropoceno no boletim do Programa Internacional Geosfera-Biosfera (Igbp). Quando o fizeram, sugeriram que esta nova "Era Humana" teria começado com a Revolução Industrial, no final do século 18, e com o desenvolvimento da máquina a vapor, em particular.

Outros estudiosos sugerem que a “Era Humana” teria se iniciado ainda no século 17 como consequência da colonização das Américas. Este evento resultou na morte de cerca de 50 milhões de comunidades nativas, o que levou à conversão de grandes extensões de terra anteriormente cultivadas em floresta tropical. Este aumento da vegetação sequestrou enormes quantidades de dióxido de carbono da atmosfera e deixou um traço marcado no registro geológico.

O artigo continua dizendo que há especialistas os quais vão mais longe na linha do tempo e apontam que o Antropoceno como tendo se iniciado durante a revolução Neolítica. Ou seja, no curso da transição das sociedades nômades para o estabelecimento de sociedades permanentes (cerca de 11 mil e 700 anos atrás). 

Durante este tempo, "o homem alterou grandes porções da paisagem e interveio no patrimônio genético natural cultivando plantas para cultivos e animais domésticos e deixou vestígios detectáveis no registro geológico", enfatiza o documento. 

Uma data proposta para o Antropoceno, e que seria mais próxima no tempo, é a dos anos 50, durante a "grande aceleração". De acordo com essa teoria, neste período houve um aumento sem precedentes tanto do consumo de massa, como do crescimento populacional, do desenvolvimento econômico e da urbanização das populações, como explica o artigo “Antropoceno: As Questões Vitais em um Debate Científico”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (a Unesco).

Para o acadêmico chileno Manuel Tironi, um “prego de ouro” sobre o qual há maior consenso e que marcaria o início do Antropoceno seria o irídio (um elemento químico) deixado pelas detonações nucleares dos anos 50: "Esses eventos deixaram uma camada que arqueólogos e geólogos do futuro poderão ver".

Quais são as características do Antropoceno?

O especialista explica à National Geographic que o Antropoceno tem duas características fundamentais. Por um lado, esta é uma época geológica marcada pela alteração irreversível dos processos biofísicos em escala planetária. E, em segundo lugar, que esta transformação é o resultado da atividade humana

"A tese central do Antropoceno é que a humanidade afetou a natureza a ponto de ser responsável pelo novo estrato no registro geológico", resume o artigo “A Incursão do Antropoceno no Sul Global”.

Em sua curta existência, o conceito de Antropoceno tem sido objeto de controvérsia e o próprio termo foi posto em cheque, informa a Unesco. "Historiadores e antropólogos têm questionado a referência a anthropos (que significa um “ser humano genérico”). Eles se perguntam se não seria o caso de salientar, nesta definição, o homem ocidental e um certo sistema econômico como responsáveis por se ultrapassar os limites biogeofísicos do planeta", explica o documento da organização. 

Tironi concorda com esta posição e considera que este conceito "converte o ser humano em uma espécie genérica". Em outras palavras, isso torna todas as pessoas igualmente responsáveis. É por isso que, embora o Antropoceno seja o termo escolhido para definir esta era, outros nomes também foram sugeridos.

Ilustração representando tecnologia versus seleção natural.

Arte de Owen Freeman

Por que outros nomes o Antropoceno é conhecido?

Entre os mais relevantes, o especialista chileno menciona os conceitos de Capitaloceno e Plantationoceno. No primeiro caso, o conceito de Capitaloceno tenta tornar visível o papel e a responsabilidade que o capitalismo tem no planeta em nível global.

Já o Plantationocene se refere à figura das plantações como um símbolo e foca no processo de colonização, que incluiu escravidão e genocídio, como Tironi explica. "Esta lógica da plantação se expande e se torna a própria lógica do estado contemporâneo".

O site da Unesco também menciona outro termo que poderia substituir o Antropoceno: Ocidentaloceno. Esta palavra é sugerida pelo historiador francês Christophe Bonneuil, que considera que "a responsabilidade pela mudança climática não é dos países pobres do mundo, mas dos países ricos industrializados".

O Antropoceno na América Latina: um chamado à ação

Além do "prego de ouro”, o Antropoceno tem expressões locais, assegura Tironi. Especificamente na América Latina, ele se manifesta através do desmatamento da Amazônia ou do extrativismo realizado em países como o Chile, Peru e Argentina.

Embora ainda haja muito a ser estudado, o impacto da atividade humana é evidente. É por isso que o Antropoceno é um apelo à ação para enfrentar o impacto. No artigo “Antropoceno: A Questão Vital de Um Debate Científico”, a Unesco sugere que todos os países do mundo deveriam fazer um esforço para reduzir suas emissões de GEE. 

Para o sociólogo Manuel Tironi, esta nova era não só deveria provocar um senso de urgência, mas também convidar a reflexão sobre como cada pessoa tem a capacidade de fazer uma transformação no dia-a-dia.

"A transformação tem que nos convidar a repensar nossas práticas em uma escala mais individual – seja como habitamos este planeta; como nos relacionamos com a natureza e nossas comunidades; o que é a natureza para nós; como imaginamos um projeto coletivo, governança e política e como nos projetamos coabitando a diferença”, finaliza Tironi.

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