
Estamos sozinhos no universo? Estas rochas de Marte podem finalmente dar uma resposta
Nuvens de gelo de água podem ser vistas flutuando sobre antigos vulcões em Marte. Mas, bilhões de anos atrás, a superfície era mais temperada. Amostras de rocha podem nos dizer se ela abrigava vida antiga.
Em toda a paisagem de Marte, a vista parece ser de tirar o fôlego. Tudo está quieto, exceto por um pequeno robô que sobe pacientemente pelas laterais da cratera Jezero. O Perseverance, carinhosamente conhecido como “Percy”, não tem a capacidade de apreciar os tons laranja-avermelhados da paisagem desértica como um ser humano.
Mas o rover vem explorando o planeta vermelho desde 2021 e acumula, cuidadosamente, uma coleção de rochas que pode mudar nossa compreensão da história de Marte, como ele se compara ao nosso próprio planeta e como chegamos aqui.
Marte nem sempre foi um mundo desolado e empoeirado. Os cientistas acreditam que, em algum momento da história do planeta vermelho, ele era temperado, como a Terra é hoje. Mas há cerca de três ou quatro bilhões de anos, o “encanamento” interno de Marte foi misteriosamente desligado e, como resultado, o planeta vermelho perdeu seu campo magnético protetor. O vento solar destruiu a atmosfera nos cem milhões de anos seguintes, aproximadamente, e Marte se tornou o deserto estéril que é hoje.
Mas, bilhões de anos atrás, a vida pode ter se formado nos ambientes ricos em água que cobriam o planeta vermelho. E é isso que o Perseverance está procurando – sinais de que pode ter existido vida antiga e uma compreensão do que aconteceu com Marte e por quê.
É por isso que o rover está coletando rochas e preservando-as cuidadosamente em tubos de amostras que a Nasa (a agência espacial dos Estados Unidos) espera coletar na próxima década para trazer de volta à Terra.
“Cada uma das amostras a bordo do rover tem o potencial de responder a uma ou mais de nossas perguntas mais importantes sobre Marte”, disse Meenakshi Wadhwa, cientista planetária da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos.
A missão chama-se “Mars Sample Return” (“Retorno de Amostra de Marte”), e Wadhwa atua como sua principal cientista, ajudando a elaborar um plano para transportar as rochas por mais de 160 milhões de quilômetros em nosso Sistema Solar.
Essas amostras de Marte podem registrar evidências de sua idade ou “informações críticas sobre o antigo ambiente de Marte”, explica Ken Farley, cientista adjunto do projeto Perseverance e geoquímico do Caltech (o Instituto de Tecnologia da Califórnia localizado em Pasadena, no estado da Califórnia, Estados Unidos). Mas, acima de tudo, elas têm o poder de nos dizer se estamos sozinhos no universo.
Aqui estão algumas das rochas que podem ajudar a responder a essa pergunta fundamental.
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O Perseverance não é o único rover que está explorando as rochas estranhas de Marte. O rover Curiosity, também da Nasa, encontrou a primeira evidência de enxofre elementar em Marte em junho de 2024. Embora o rover possa capturar imagens e testar a composição dos cristais amarelos, ele não foi projetado para devolver amostras à Terra, como o Perseverance.
Os antigos depósitos de sedimentos procurados pela Nasa em Marte
Os cientistas escolheram a cratera Jezero como local de pouso do Perseverance em parte porque ela pode ter sido o local de um antigo delta de rio que fluiu para um lago há mais de três bilhões de anos.
A água que fluía pelo delta depositou sedimentos em forma de leque, e o rover Perseverance da Nasa começou a explorar a parte superior do leque em 2022.
“A frente do leque foi muito interessante para nós porque estávamos procurando depósitos antigos de fundo de lago lamacento”, explica Briony Horgan, co-investigadora e planejadora de longo prazo da missão do rover Perseverance, além de cientista planetária da Universidade Purdue, no estado norte-americano do Indiana. “Você sabe, o tipo de lugar em que toda a gosma orgânica e o lixo teriam sido levados para o lago e se acomodado no fundo.”
Inicialmente, os depósitos pareciam mais arenosos do que viscosos. Mas após um exame mais aprofundado, os cientistas descobriram que a amostra tem, de fato, “horizontes lamacentos” presos a ela. “Inicialmente, não entendemos isso porque eles estão de fato preservados sob essas placas salgadas e arenosas que investigamos muito”, diz Horgan. “Mas descobrimos que, quando perfuramos o solo, havia lama escura por baixo.”
No planeta Terra, essa lama que sobrou e secou seria o local ideal para preservar orgânicos e vida microbiana antiga fossilizada. “Pense na lama mais viscosa em que você pisa no fundo de um lago e em todos os sinais de vida que estão lá”, ela reflete. “Foi basicamente isso que coletamos”. Mas se essa lama marciana contém fósseis é uma questão em aberto.
O que se descobriu sobre o assoalho da cratera Jezero em Marte
As primeiras amostras que o Perseverance coletou do assoalho da cratera são cruciais para entender não apenas como a Cratera Jezero e Marte se desenvolveram, mas também quando.
“As amostras que coletamos ao longo do piso da cratera são muito importantes para a datação”, diz Sandra Siljeström, astrobióloga do RISE Research Institutes of Sweden (um instituto de pesquisa estatal sueco que colabora com universidades, indústria e setor público), que também trabalha na equipe científica do Mars Perseverance.
“Porque uma questão importante é: se havia vida, quando o delta esteve ativo e por quanto tempo?”, diz a pesquisadora. “As datas que temos na cratera Jezero são de mais ou menos meio bilhão de anos. É muito impreciso, e isso se deve ao fato de não termos rochas datáveis de um lugar de onde sabemos de onde elas vêm. Nesse caso, o contexto é tudo; o fato de sabermos de onde as amostras vieram e quando foram coletadas é inestimável", diz.
Como essas amostras do assoalho da cratera vieram de rochas ígneas forjadas em fluxos de lava, elas podem ajudar os cientistas a entender a composição química do interior de Marte, ressalta Wadhwa. Isso poderia também auxiliar na compreensão de por que Marte perdeu seu campo magnético e se tornou um mundo estéril.
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Buscando mais tipos de rochas em Marte
Com base em imagens de satélite, Jezero parecia ter depósitos de minerais chamados carbonatos ao longo da borda da cratera. “Da órbita, quase parecia que poderia ser uma espécie de anel de banheira”, diz Horgan.
Os cientistas ainda estão tentando descobrir o que exatamente o anel de carbonato representa – uma hipótese é que se trata de um antigo depósito de praia, embora seja difícil imaginar uma deslumbrante praia de areia branca com água azul batendo nas margens de Marte. Na Terra, esses materiais geralmente se formam em águas rasas de lagos alcalinos e de água doce.
Os carbonatos estão praticamente ausentes da superfície de Marte, mas são abundantes no antigo delta do rio Jezero. E essa região específica, chamada de unidade de carbonato de margem, era um dos destinos mais esperados do Perseverance. O rover coletou três amostras separadas de núcleos de rocha da área; duas são sedimentares, enquanto a outra é de carbonato com cimento de sílica.
“Não é apenas interessante para a vida”, explica Horgan. “Também é um ótimo marcador do clima e do ambiente em Marte.” As amostras sedimentares podem ter vindo de rochas depositadas por rios e lagos, observa Wadwa. “Elas podem nos informar sobre a variedade de ambientes que existiam na antiga Marte.”

Coletada em julho de 2024 pela Perseverance, a amostra de Cheyava Falls contém marcas semelhantes a manchas de leopardo (no centro da imagem) e olivina na rocha.
Vida microbiana: o que a amostra da rocha Cheyava Falls mostra
Se você já ouviu falar de alguma rocha de Marte, provavelmente é a amostra de Cheyava Falls. Em julho de 2024, o Perseverance pegou um pedaço de uma rocha na cratera Jezero que já foi exposta à água corrente.
Imagens da câmera do robô revelaram “manchas de leopardo” – que são impressões digitais de processos químicos que a vida microbiana poderia ter usado como fonte de energia na Terra. A rocha também continha fortes evidências de moléculas orgânicas, que são os blocos de construção da vida.
“Essa é uma rocha de granulação muito fina, e essas rochas são geralmente boas para capturar e preservar bioassinaturas”, diz Siljeström. “As bioassinaturas são coisas em uma rocha, que podem ser informações morfológicas ou químicas, que indicam vida.”
No entanto, isso não significa que o Perseverance tenha encontrado evidências de vida antiga em Marte. Para determinar isso, precisaríamos devolver as amostras à Terra.
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A borda da cratera e as futuras amostras
O Perseverance aterrissou no solo da cratera em fevereiro de 2021 e, desde então, tem saído de Jezero, percorrendo o leque do delta e subindo pelas paredes da cratera. Em dezembro de 2024, o rover finalmente terminou sua subida de 500 metros verticais e chegou ao topo. Em janeiro de 2025, o rover coletou sua primeira amostra da borda da cratera, conhecida como amostra da Silver Mountain.
Isso significa que ela é provavelmente mais antiga do que as amostras coletadas na cratera Jezero – é seguro dizer, de fato, que essa amostra é a mais antiga que o Perseverance coletou. “Isso é importante porque se acredita que Marte era mais habitável quanto mais tempo se voltava no passado”, explica Siljeström. “Quanto mais jovem ele se torna, menos água provavelmente estava disponível.”
Até o início de abril de 2025, o Perseverance coletou e armazenou 21 tubos em sua estrutura, incluindo dois “tubos testemunha” para ajudar os cientistas a filtrar quaisquer contaminantes terrestres das amostras. O rover ainda tem oito tubos de amostra e dois tubos de testemunha disponíveis para coleta de amostras.
Para confirmar se alguma das rochas do estoque atual ou futuro de Percy são realmente antigas ou se incluem vida microbiana fossilizada, os cientistas precisariam estudar todas essas amostras em um laboratório.
“Podemos aprender algo analisando as amostras em laboratórios que simplesmente não são possíveis com análises remotas por espaçonaves”, diz Wadhwa. Desde a resolução da câmera até as técnicas de datação por radioisótopos e a possibilidade de segurar uma rocha na mão e saber se ela é sedimentar ou ígnea, existem técnicas de laboratório presenciais que simplesmente não podem ser reproduzidas por um robô em Marte.
A Nasa ainda está tentando descobrir a logística da missão, e o mais cedo que os cientistas poderão estudar essas rochas será em meados da década de 2030. Mas, assim como as rochas que as missões Apollo trouxeram da Lua, as rochas de Marte não teriam preço – cientificamente falando.
“Quando se recebe essas amostras, isso significa que você as terá por décadas e décadas, para as próximas gerações”, conclui Horgan. “Ainda estamos aprendendo coisas novas com as amostras da Apollo – e isso já faz 60 anos. É isso que realmente esperamos fazer: trazer essas amostras de volta como um repositório para que as gerações futuras continuem aprendendo sobre Marte.”
