Em caso raro, câncer é descoberto em perna fossilizada de tartaruga
Animal de 240 milhões de anos teria sido acometido por tipo de câncer ósseo semelhante ao que atinge centenas de pessoas todos os anos.
HÁ CERCA DE 240 MILHÕES de anos, na região onde hoje é a Alemanha, uma tartaruga que ainda não possuía casco desenvolveu algo muito menos fortuito: um tipo de tumor ósseo em uma de suas pernas traseiras.
O tumor fossilizado, descrito na revista científica JAMA Oncology, demonstra que até mesmo no período Triássico, quando os dinossauros começaram a aparecer, os animais poderiam ser acometidos por doenças com mutações no DNA, levando ao aparecimento de câncer.
A descoberta é interessante porque o "câncer é absurdamente raro no registro fóssil", diz a líder do estudo Yara Haridy, paleontóloga do Museu de História Natural de Berlim. "A maioria dos cânceres ocorre em tecidos moles e, embora seja possível identificar evidências de patologias em tecido mole no osso [fossilizado], seria muito difícil diagnosticar o câncer dessa forma".
A equipe do estudo determinou que o tumor representava um tipo de câncer ósseo chamado osteossarcoma periosteal—"quase idêntico ao osteossarcoma em humanos", afirma o coautor Patrick Asbach, médico e radiologista da Charité University of Medicine em Berlim. Atualmente, esse tipo específico de câncer ósseo atinge cerca de 800 a 900 das cerca de 3.450 pessoas diagnosticadas com câncer esquelético todos os anos nos Estados Unidos.
"É interessante ver que as doenças que conhecemos tão bem também afetavam animais que hoje estão extintos, e que nós, humanos, não somos os únicos a sofrermos com a doença", observa Asbach.
Uma peça faltando na evolução das tartarugas
A tartaruga sem casco que apresentava o tumor, Pappochelys rosinae, é parente da tartaruga de hoje e foi descoberta em 2015. Na época, a espécie do tamanho de um cão Chihuahua foi considerada a última peça do quebra-cabeça, trazendo informações sobre como o casco das tartarugas evoluíram de costelas achatadas e ossos abdominais para as estruturas encouraçadas de hoje.
Cerca de 20 indivíduos do gênero Pappochelys foram descobertos em 2008 em uma pedreira de calcário próximo à cidade de Velberg, cerca de 80 quilômetros a sudeste de Stuttgart, na Alemanha. Os fósseis estão abrigados no Museu Estadual de História Natural de Stuttgart.
Entre eles, havia um fêmur que apresentava um crescimento intrigante, que chamou a atenção de Haridy em meados do ano passado. Ela então recrutou Asbach para ajudá-la a realizar uma micro tomografia computadorizada a fim de examinar o interior do osso fossilizado e analisar sua estrutura, o que permitiu que a equipe determinasse o tipo de câncer.
Ao passo que seja impossível saber ao certo se o câncer que acometeu a tartaruga causou a sua morte, em humanos, osteossarcomas normalmente se espalham para os pulmões.
"Caso tenha se espalhado para os pulmões, pode ter tornado a tartaruga menos eficiente para fugir ou se alimentar, o que no fim pode ter causado a sua morte", especula Haridy.
Embora seja relativamente comum ver patologias em ossos fossilizados, a maioria é resultado de lesões traumáticas, como mordidas e fraturas, afirma Steve Salisbury, paleontólogo da Universidade de Queensland na Austrália, que pesquisou doenças infecciosas em fósseis de T. rex.
"É muito raro conseguirmos relacionar patologias encontradas em vertebrados fossilizados com doenças conhecidas", complementa Salisbury, que não participou do estudo. "Seria interessante comparar o osso fossilizado com exemplos de cânceres semelhantes em tartarugas modernas, presumindo que os tipos de câncer que acometiam esses animais no período Triássico ainda existam hoje".
A antiga origem do câncer
Cientistas descobriram diversos outros cânceres antigos em fósseis de peixes e de um anfíbio, além de um tumor não maligno em um mamífero um pouco mais velho, chamado gorgonopsídeo. Entretanto essa nova descoberta é o caso de câncer mais antigo já descoberto em um amniota, o grupo que inclui répteis, aves e mamíferos.
A descoberta de um osteossarcoma ajuda a dissipar a crença que alguns especialistas têm de que as doenças mudam tanto ao longo do tempo que as "manifestações atuais delas não podem ser usadas para reconhecer patologias passadas", afirma o coautor Bruce Rothschild, professor de medicina na Universidade do Kansas e pesquisador no Carnegie Museum, que estudou câncer em dinossauros.
"Não somente é possível reconhecer e confirmar o diagnóstico de câncer, como também especificar sua variedade".
E, ao passo que seja verdade que agentes causadores de câncer da atualidade, como nicotina e álcool, possam aumentar as nossas chances de desenvolver câncer, a descoberta de um tumor do período Triássico é mais uma evidência de que muitos dos cânceres encontrados hoje e seus genes associados provavelmente têm uma origem muito antiga, argumentam especialistas.
"Nós não somos muito diferentes", afirma Rothschild, "de todos aqueles com os quais compartilhamos esse planeta, agora e no passado".