Nova espécie humana ancestral descoberta nas Filipinas

Batizado de Homo luzonensis, a espécie é uma das descobertas mais importantes dos próximos anos, prevê cientista.

Por Michael Greshko, Maya Wei-Haas
Publicado 12 de abr. de 2019, 15:44 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pesquisadores que escavaram a caverna de Callao nas Filipinas encontraram dentes e ossos que afirmam pertencer ...
Pesquisadores que escavaram a caverna de Callao nas Filipinas encontraram dentes e ossos que afirmam pertencer a uma espécie humana antiga distinta, batizada por eles de Homo luzonensis.
Foto de D. Pardo, National Geographic Your Shot

A intricada árvore de ancestralidade humana agora tem mais uma ramificação: pesquisadores nas Filipinas anunciaram que descobriram uma espécie humana antiga antes desconhecida pela ciência.

O hominíneo de corpo pequeno, chamado de Homo luzonensis, viveu na ilha de Luzon pelo menos de 50 mil a 67 mil anos atrás. O hominíneo — identificado a partir de um total de sete dentes e seis ossos pequenos — apresenta uma mescla de características primitivas e mais avançadas. A descoberta memorável, anunciada na revista Nature, faz de Luzon a terceira ilha do sudeste asiático a apresentar sinais de atividade humana primitiva nos últimos 15 anos.

“Por muito tempo, as ilhas das Filipinas foram deixadas um pouco de lado", afirma Armand Mijares, coautor do estudo e líder do projeto, arqueólogo da Universidade das Filipinas em Diliman e bolsista da National Geographic. Entretanto o H. luzonensis muda tudo e continua a refutar a ideia ultrapassada de que a linhagem humana progrediu da espécie menos avançada para a mais avançada.

Cinco dos sete dentes atribuídos ao Homo luzonensis. Os dentes têm formatos relativamente simples e tamanhos pequenos, porém um pré-molar apresenta três raízes, algo incomum nos seres humanos modernos.
of © Callao Cave Archaeology Project

“Essa nova descoberta me deixou animado”, afirmou por e-mail Yousuke Kaifu, paleoantropólogo do Museu Nacional da Natureza e da Ciência de Tóquio, que não participou do novo estudo. “O estudo ressalta ainda a notável diversidade de hominíneos arcaicos (primitivos) que já existiram na Ásia, superando minhas expectativas”.

Aida Gómez-Robles, paleoantropóloga da Faculdade da Universidade de Londres, que revisou o estudo antes da publicação, hesita em afirmar categoricamente que o achado representa uma nova espécie. Contudo ela acrescenta que todas as possibilidades para explicar os fósseis incomuns são igualmente intrigantes.

“Certamente é uma das descobertas mais importantes dos próximos anos”, afirma ela.

Aprofundando-se no passado da Ásia

Décadas atrás, a história da Ásia parecia bem mais objetiva, apesar de incompleta. Os paleoantropólogos sabiam que hominíneos arcaicos como o Homo erectus se aventuraram por pontes terrestres rumo a regiões localizadas na atual Indonésia há quase um milhão de anos. No entanto, mais ao leste, acreditava-se que esses hominíneos se depararam com correntezas marítimas consideradas intransponíveis sem barcos.

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    Este osso do pé, atribuído ao Homo luzonensis, é estranhamente curvo — um traço encontrado mais comumente em primos mais antigos dos seres humanos modernos, como os australopitecíneos da África.
    of © Callao Cave Archaeology Project

    Luzon parecia especialmente difícil de ser alcançada pelos antigos hominíneos, uma vez que nunca foi conectada ao continente por pontes terrestres, assim, os arqueólogos imaginavam que as camadas mais profundas e antigas não trariam muitas surpresas. Quando Mijares escavou pela primeira vez a caverna de Callao em 2003, encontrou evidências de atividade humana de 25 mil anos atrás — e não escavou muito mais de um metro.

    “A maioria dos arqueólogos do sudeste asiático escavaria cavernas a uma profundidade máxima de dois metros e depois pararia”, conta Mijares.

    Tudo isso mudou em 2004, quando pesquisadores revelaram o  Homo floresiensis: um hominíneo diminuto, também conhecido como “hobbit”, que habitou a ilha indonésia de Flores até 50 mil anos atrás. Inspirado, Mijares voltou à caverna de Callao em 2007 para literalmente se aprofundar mais nas escavações.

    A equipe escavou mais de um metro e meio abaixo do ponto onde tinha interrompido as escavações em 2003, sem fósseis à vista. Mas então encontraram uma camada de brecha calcária, um tipo de rocha formada por um emaranhado de outros materiais. Sugestiva, essa camada continha fragmentos de ossos arrastados para dentro da caverna há muito tempo. Inicialmente, os ossos pareciam conter apenas ossos de animais como cervos e porcos. Contudo, sob um olhar mais atento, uma peça sobressaiu: um osso de pé quase inteiro que parecia humano. A equipe enviou o fóssil para Philip Piper, coautor do novo estudo, que examinava restos de animais.

    A caverna de Callao está situada na extremidade norte de Luzon, uma ilha que não esteve ligada ao continente da Ásia em nenhum momento nos últimos 2,5 milhões de anos.
    of © Callao Cave Archaeology Project

    “Ele me chamou e disse: Amigo, o que você tem são restos mortais humanos”, contou Mijares. “E respondi: Sério? Então vamos comemorar com uma cerveja!”

    Em 2010, Mijares e seus colegas revelaram o fóssil de 67 mil anos, que sugeriram hesitantemente que pertencesse a um membro de corpo pequeno do Homo sapiens, tornando-o talvez o mais remoto sinal de nossa espécie nas Filipinas na época. Mas Mijares suspeitava de que poderia se tratar na verdade de uma nova espécie, talvez até um análogo do H. floresiensis, mas localizado em Luzon. A equipe precisava de mais fósseis para se certificar.

    Uma coisa velha, uma coisa nova

    Por um golpe de sorte, as escavações expuseram mais dois ossos de dedos do pé, sete dentes, dois ossos de dedos das mãos e parte de um fêmur nos retornos realizados à caverna Callao em 2011 e 2015. Ao todo, os restos mortais representam ao menos três indivíduos.

    As curvas e ranhuras dos pequenos fósseis revelaram uma mistura inesperada de traços primitivos e mais avançados. Os formatos relativamente simples e tamanhos pequenos dos dentes, por exemplo, indicam um indivíduo mais “moderno”, porém um pré-molar superior apresenta três raízes (um traço encontrado em menos de 3% dos seres humanos modernos). E um osso do pé se assemelha ao dos antigos australopitecíneosum grupo que inclui a célebre prima do ser humano Lucy, que caminhou pela África há cerca de três milhões de anos.

    “Concordo com os autores que o conjunto de características observadas é diferente de tudo o que já vimos”, afirma María Martinón-Torres, diretora do Centro de Pesquisa Nacional sobre Evolução Humana.

    Shara Bailey, antropóloga da Universidade de Nova York, especialista em dentes antigos, destaca que o Homo naledi da África do Sul (descoberto por uma equipe integrada por  Lee Berger, bolsista da National Geographic) também possui características que parecem tanto antigas quanto modernas. Ele considera as duas descobertas como um sinal de que uma evolução do tipo “mosaico” seria mais comum entre hominíneos do que se pensava.

    Martinón-Torres ainda sugere que a mistura de características dentárias lembra, de certo modo, aquelas observadas em restos mortais de hominíneos de 15 mil anos atrás em Dushan, no sul da China, descritas recentemente por ela e seus colegas. Juntamente com o H. luzonensis, as descobertas unem achados recentes insinuando que, cerca de 12 mil anos atrás, quando o Pleistoceno se aproximava do fim, os hominíneos da Ásia apresentavam uma surpreendente diversidade.

    O que diz um nome?

    Embora muitos cientistas enalteçam a pesquisa por ser bastante completa, é difícil definir uma espécie a partir de apenas 13 dentes e ossos pequenos. As tentativas de extrair DNA feitas pelos cientistas foram infrutíferas, o que é comum com amostras cozidas por milênios no calor e umidade de regiões tropicais.

    A estatura pequena do H. luzonensis também poderia ser o motivo para que alguns traços dos ossos parecessem mais primitivos do que realmente são, afirma John Hawks, paleoantropólogo da Universidade de Wisconsin-Madison, que não participou do estudo. Isso atrapalha comparações dessa espécie com outros hominíneos conhecidos. Apesar de haver características convincentes e ele considerar plausível a hipótese de ser uma nova espécie, lamenta: “Quem dera houvesse mais ossos.”

    Outros pesquisadores estão mais confiantes em considerar o H. luzonensis como uma nova espécie.

    Pesquisadores escavam com cuidado centenas de centímetros de argila espessa nesta imagem da escavação da caverna de Callao em 2011.
    of © Callao Cave Archaeology Project

    “A equipe da descoberta fez um estudo louvável e bem detalhista ao descrever esses novos fósseis e a atribuição de um nome a uma espécie nova é válida, a meu ver”, afirma por e-mail Adam Brumm, arqueólogo da Universidade Griffith, especialista no H. floresiensis, que não participou do estudo. “Esta é uma descoberta sensacional.”

    Florent Détroit, autor principal do estudo, palestrante do Museu Nacional de História Natural da França, acrescenta que “espécie” são categorias inventadas pelo homem com o objetivo de esclarecer a história evolucionária, não necessariamente realidades biológicas fixas e definitivas.

    “Se, futuramente, colegas demonstrarem que estávamos errados porque os fósseis podem se enquadrar em uma espécie de hominíneo já conhecida, iremos simplesmente juntar a espécie e esquecer o assunto, mas, por ora, estou convencido de que é o que tínhamos de fazer”, afirma por e-mail.

    Ossos do ofício

    Como quer que o novo hominíneo acabe sendo definido, os pesquisadores estão animados pelos indícios de que nossos antigos parentes das Filipinas realizavam algumas atividades muito familiares, inclusive com sinais de uso de ferramentas.

    estudo de 2010 que apresentou o osso do pé na caverna de Callao (agora considerado parte do H. luzonensis) menciona que o osso de cervo encontrado nos mesmos sedimentos possui o que se parece com marcas de cortes feitas por ferramentas de pedras. Michael Petraglia, paleoantropólogo do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, considera o osso um sinal de que o H. luzonensis era um caçador e construtor de ferramentas habilidoso.

    Também há evidência de que o H. luzonensis ou outro hominíneo antigo viveu em Luzon em uma época muito mais remota. Em 2018, Mijares e seus colegas anunciaram a descoberta de ferramentas de pedra e esqueletos de rinocerontes abatidos datando de mais de 700 mil anos atrás, encontrados não muito longe da caverna de Callao. Por causa da diferença de tempo entre os restos mortais e o local das ferramentas, entretanto, é difícil afirmar se os usuários das ferramentas de pedras eram antepassados do H. luzonensis ou um hominíneo sem parentesco com ele.

    Uma profusão de possibilidades

    Embora a evolução tenha levado o H. luzonensis a uma forma pequena análoga à do H. floresiensis, não sabemos que condições da ilha geraram as diferenças entre as duas espécies. Além disso, embora uma grande quantidade de estudos deixe claro que uniões entre espécies ocorreram regularmente, não sabemos se os ancestrais do H. luzonensis interagiram ou procriaram com outras espécies de hominíneos que viviam na Ásia na época, como os enigmáticos denisovanos.

    “É possível encarar isso como uma espécie de experimento natural na evolução humana”, afirma Gerrit van den Bergh, especialista em H. floresiensis da Universidade de Wollongong.

    Outra grande incógnita é como os ancestrais do H. luzonensis chegaram às Filipinas. Em 2016, os pesquisadores descobriram ferramentas de pedra na ilha indonésia de Sulawesi datando de 118 mil a 194 mil anos atrás (ou ao menos 60 mil anos mais velhas que os mais antigos humanos modernos conhecidos da ilha). Juntamente com os restos mortais de Flores e Luzon, os locais sugerem que a dispersão dos antigos hominíneos pela região não era necessariamente tão rara (ou tão acidental) quanto os pesquisadores acreditavam.

    “Se os rinocerontes podem nadar e se movimentar de um lugar para outro, decerto que podemos pensar nos erectusfloresiensisluzonensis não só necessariamente nadando, mas pelo menos navegando em jangadas, talvez até mesmo em barcos”, afirma Petraglia. “É pura especulação, mas é possível fazer essa suposição e formular alguns argumentos convincentes.”

    Uma coisa está clara: o sudeste da Ásia provavelmente abrigou mais de uma espécie de hominíneo do que os atuais fósseis deixam transparecer. De sua parte, Mijares continua a procurar outros sinais do H. luzonensis, inclusive com uma busca atualmente no Parque Nacional Biak na Bato Park em Luzon, com o apoio da National Geographic Society. Apesar de tudo, Mijares considera brilhante o futuro do H. luzonensis — e da antropologia asiática.

    “Estou orgulhoso porque, como filipino e do sudeste asiático, tendemos a ficar à margem desse debate. Agora podemos nos engajar ativamente no debate porque nossa região (nossos sítios arqueológicos) agora é reconhecida”, afirma Mijares. “E acredito que esse seja o meu legado neste mundo”.

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