DNA surpreendente encontrado em povos primitivos da Europa Meridional

Um estudo de 8 mil anos de dados genéticos da Espanha e de Portugal gera um panorama surpreendentemente complexo da ascendência de seus habitantes.

Por Erin Blakemore
Publicado 14 de mai. de 2019, 10:38 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Esses esqueletos de caçadores-coletores primitivos — que por acaso são irmãos — ajudaram os pesquisadores a descobrirem um quadro genético surpreendentemente complexo da Península Ibérica, que é composta por Espanha e Portugal.
Foto de Julio Manuel Vidal Encinas

Desde o início da migração humana, a Península Ibérica — que hoje abrange a Espanha e Portugal modernos — exibe uma combinação das culturas da África, Europa e do Mediterrâneo.

Em novo artigo da revista científica Science, um grupo de 111 geneticistas populacionais e arqueólogos classificou 8 mil anos de dados genéticos da região. Eles descrevem um quadro que exibe bastante complexidade genética, mas que também sugere uma misteriosa migração ocorrida há cerca de 4,5 mil anos, que reestruturou por completo o DNA dos ibéricos primitivos.

A equipe analisou evidências de DNA em busca de pistas sobre como e quando diversas populações se tornaram parte do fundo genético da Península Ibérica. Eles sequenciaram os genomas de 271 ibéricos primitivos, então combinaram essas informações com os dados publicados anteriormente de outros 132 habitantes primitivos da península.

O quadro era mais complexo do que haviam imaginado.

Os homens das estepes

Desde o início da Idade do Bronze, a composição genética da região apresentou uma drástica mudança. A partir de cerca de 2,5 mil a.C., podem ser detectados no fundo genético ibérico genes associados a povos das estepes próximas ao Mar Negro e Mar Cáspio, região onde hoje é a Rússia. E a partir de aproximadamente 2,5 mil a.C., grande parte do DNA da população foi substituída por aquele dos povos das estepes.

A “Hipótese Kurgan” sustenta que esse grupo se disseminou para o leste da Ásia e oeste da Europa por volta da mesma época — e esse estudo mostra que também chegou até a Península Ibérica. Embora 60% do DNA total da região continue o mesmo, os cromossomos Y dos habitantes foram quase inteiramente substituídos até 2 mil a.C. Isso sugere um intenso afluxo de homens das estepes, uma vez que apenas homens são portadores do cromossomo Y.

“Parece ter sido uma influência bastante dominada pelo sexo masculino,” diz Miguel Vilar, antropólogo geneticista que atua como diretor sênior do programa para a National Geographic Society.

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Conheça esta história que começa aproximadamente 7 milhões de anos atrás e ainda é envolta em muitos mistérios.

Quem eram esses homens — e será que vieram em paz? Vilar, que não participou do estudo, especula que os homens das estepes podem ter vindo a cavalo, portando armas de bronze, assim, dando início à Idade do Bronze na região. Ele compara essa migração com aquela que os povos indígenas da América do Norte e Sul tiveram que enfrentar quando os primeiros europeus chegaram, na década de 1490.

“Mostra que é possível uma migração cruzar todo o continente (Europeu) e ainda possuir forte influência nesse extremo longínquo,” conta.

Embora o bronze tenha começado a ser utilizado na Península Ibérica por volta dessa época, nenhum outro traço distinto da cultura dos povos das estepes foi encontrado até agora. O estudo mostrou que os povos de onde hoje é o País Basco, que falam o único idioma não indo-europeu da Europa Ocidental, portam marcadores genéticos intimamente relacionados àqueles dos povos das estepes. E, diferente dos espanhóis modernos, os bascos modernos não exibem a mesma quantidade de mistura genética que ocorreu na península ao longo dos séculos.

A equipe também encontrou um único indivíduo com DNA do norte da África de um local no meio da Península Ibérica. Seus ossos datam de 2,5 mil a.C., aproximadamente.

“A princípio, pensei que se tratava de um erro”, diz Iñigo Olalde, geneticista populacional que liderou o estudo.

Quando repetiu suas análises, ficou confirmado. A presença desse único africano sugere um intercâmbio precoce e esporádico entre a Península Ibérica e o Norte da África, o que explica as descobertas arqueológicas de marfim africano em escavações da Idade do Bronze na Península Ibérica. Mas a equipe acredita que a ascendência norte-africana tenha se disseminado na Península Ibérica apenas por volta dos últimos 2 mil anos.

Diversidade da Era do Gelo

O estudo produz um quadro complexo da história genética da Espanha — que é reforçado em um artigo complementar publicado na revista científica Current Biology. Nesse estudo, pesquisadores da Espanha e Alemanha descobriram que caçadores-coletores e agricultores que viviam na Península Ibérica também eram geneticamente mais diversos do que se acreditava anteriormente. Foram descobertas evidências de que diferentes culturas de caçadores-coletores se misturaram na Península Ibérica, de clima quente, que foi utilizada como refúgio na Era do Gelo, há 19 mil anos. Agricultores mais novos na região posteriormente se misturaram com caçadores-coletores.

“O DNA foi uma surpresa”, diz a estudante de doutorado Vanessa Villalba-Mouco, arqueogeneticista que liderou a pesquisa para o Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana na Alemanha e a Universidade de Zaragoza na Espanha. “Pistas sobre o que aconteceu naquela época nos ajudam a entender a evolução do período seguinte. É preciso coletar amostras de mais indivíduos para conhecer a história deles com mais precisão”.

A análise de DNA primitivo “está nos ajudando a desconstruir a ideia de que temos populações geográficas distintas, como africanos, asiáticos ou europeus”, diz Vilar. “A população que vive em regiões como a Península Ibérica não apenas é heterogênea, como também é produto de diferentes ondas de migrações”.

Para Olalde, a pesquisa representou uma chance inédita de explorar a história genética do lugar que ele chama de casa. “Para mim, poder conduzir esse estudo foi a realização de um sonho”, diz.

E trabalhar com uma grande amostra — algo raro em estudos que dependem de DNA extraído de ossos de milhares de anos de idade — foi especialmente animador para Olalde, que trabalha no laboratório de David Reich na Faculdade de Medicina de Harvard. “Conseguir analisar quase 400 indivíduos é incrível. Graças a eles, agora temos uma ideia muito mais detalhada de todos os diferentes povos que habitaram a Península Ibérica e como eles moldaram as populações atuais”.

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