Rua construída por vilão bíblico é descoberta em Jerusalém

Para comprovar a autoria de Pôncio Pilatos, arqueólogos estão fazendo um túnel sob um bairro palestino. Críticos dizem que a obra, financiada por uma entidade judaica, é mais um esforço em marcar a cidade como estritamente judia.

Por Andrew Lawler
Publicado 22 de out. de 2019, 12:07 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Para revelar uma antiga rua com degraus em Jerusalém, arqueólogos e engenheiros israelenses estão construindo uma espécie de túnel de metrô sob um bairro palestino.
Foto de Simon Norfolk, National Geographic

Pôncio Pilatos foi alguém que muitos judeus e cristãos adoram odiar. Para os cristãos, o governador romano da Judéia teve um papel central na morte de Jesus por volta de 30 d.C.; para os judeus, ele foi um governante insensível, tendo preparado o terreno para uma rebelião que causou a destruição de Jerusalém quatro décadas depois.

Mas uma nova descoberta sugere que Pilatos também gastou muito tempo e dinheiro embelezando a famosa cidade que atraía não apenas peregrinos judeus, como também visitantes de todo o Império Romano.

Arqueólogos que trabalham escavando um túnel sob um bairro palestino ao sul das muralhas de Jerusalém estão descobrindo uma importante rua com degraus que levava ao pé do Monte do Templo, espaço que antes abrigava o Templo Judaico e que agora abriga alguns dos locais mais sagrados do Islã.

A impressionante via tinha aproximadamente 600 metros de comprimento, quase 8 metros de largura e precisou de cerca de dez mil toneladas de rochas calcárias. “Acreditamos que tenha sido um único projeto construído de uma só vez”, diz Joe Uziel, arqueólogo da Autoridade de Antiguidades de Israel, encarregado dos trabalhos. Uziel e seus colegas publicaram recentemente suas descobertas no periódico Tel Aviv: Journal of the Institute of Archaeology.

Por muito tempo, historiadores acreditaram que Herodes, o Grande – rei instituído pelos romanos e falecido por volta de 4 a.C. – havia sido responsável pela maior parte das grandes construções que transformaram a antiga Jerusalém em um importante centro de peregrinação e turismo. Mas a análise de mais de 100 moedas encontradas sob a rua aponta que as construções ocorreram durante o governo de Pilatos, que durou cerca de uma década, a partir de 26 ou 27 d.C.

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    O governador romano Pôncio Pilatos interrogou Jesus e ordenou sua execução, de acordo com os evangelhos cristãos.
    Foto de Chronicle, Alamy

    As moedas mais recentes descobertas sob as pedras utilizadas para pavimentar a rua datam de cerca de 31 d.C. As moedas mais comuns de Jerusalém do século 1 foram cunhadas a partir de 40, “portanto, a ausência dessas moedas sob o pavimento significa que a rua foi construída antes do aparecimento delas, ou seja, apenas na época de Pilatos”, diz Donald Ariel, especialista em moedas da Autoridade de Antiguidades de Israel.

    Pilatos governou durante o Império de Tibério, e escritores contemporâneos mencionam incidentes nos quais, em uma ocasião, o governador incitou o ódio dos judeus ao exibir uma imagem para suposta idolatria e deixou o povo furioso ao roubar as riquezas do Templo para pagar pela construção de um novo aqueduto. 

    Os evangelhos cristãos também acusam o governador de ordenar a crucificação de Jesus, provavelmente sob a acusação de sedição. O historiador judaico-romano Josefo afirma que Pilatos foi destituído pelo imperador por ordenar um ataque aos samaritanos no norte da Judéia e que voltou a Roma em desgraça. 

    O arqueólogo e principal autor do estudo Nahshon Szanton, da Universidade de Tel Aviv, especula que a construção da rua por Pilatos “pode ter sido realizada para reduzir as tensões entre os moradores de Jerusalém”, bem como para “ganhar reputação por grandes projetos de construção”. Em 70 d.C., a rua foi enterrada sob escombros após uma revolta entre grupos judeus que levou à destruição da cidade pelos romanos. Muitas de suas pedras foram reutilizadas em projetos posteriores.

     

    Matthew Adams, diretor do Instituto W.F. Albright de Pesquisa Arqueológica de Jerusalém, que não participou do estudo, diz que os resultados fornecem informações sobre uma época na qual Roma exercia cowntrole direto sobre a Judéia. “Também fornecem algumas evidências de cooperação entre as autoridades romanas e as autoridades religiosas judaicas”, acrescenta ele, observando que as fontes mais conhecidas enfatizam a existência de certa tensão entre as duas.

    Mas Jodi Magness, arqueóloga da Universidade da Carolina do Norte, dos EUA, não está totalmente convencida. “O material que está sendo encontrado é proveniente de aterramentos e pode ter sido trazido de qualquer lugar por carrinhos de mão. Por essa razão, sou cética quanto à idade da rua”, afirma ela. “Não é impossível que Pilatos tenha sido responsável pela construção, mas essa não é a única ou mesmo a mais provável possibilidade.”

    Magness também critica o método utilizado para escavar a rua com degraus. Em vez de escavar a partir da superfície, para expor a rua, os responsáveis estão perfurando um túnel do tamanho de um trem do metrô. “Dessa forma, não existe um contexto – não é possível enxergar o que está acima ou ao lado. É inaceitável.”

    Uziel argumenta que o túnel foi necessário devido ao bairro localizado na superfície, que é densamente povoado, e que a equipe consegue coletar informações estratigráficas detalhadas.

    Os trabalhos, financiados em grande parte por uma organização judaica chamada Fundação Cidade de David, atraíram críticas internacionais por sua localização e métodos. Os palestinos que vivem e trabalham nessa área de Jerusalém Oriental reclamam dos danos causados pelas escavações às suas casas e empresas, ao passo que o foco em um conhecido período da história judaica irrita outros indivíduos. A Autoridade Palestina condenou o túnel e diz que ele faz parte de um plano de “transformar Jerusalém Oriental em uma região judaica”, que ele e grande parte do resto do mundo consideram território ocupado.

    O embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, discursa em uma cerimônia em junho passado, em uma controversa escavação arqueológica em Jerusalém Oriental.
    Foto de Tsafrur Abayov, AFP, Getty

    Em junho do ano passado, durante uma cerimônia de inauguração de um trecho do túnel, o embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, descartou essas preocupações. O projeto, afirmou ele, “confirma com evidências, ciência e estudos arqueológicos o que muitos de nós já sabíamos, certamente em nossos corações: a centralidade de Jerusalém para o povo judaico.”

    E, se a ciência estiver correta, foi um romano odiado que ajudou a torná-la uma cidade conhecida em todo o império por seus locais sagrados e arquitetura monumental.

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