A erupção do Vesúvio assou pessoas até a morte — e transformou um cérebro em vidro

Dois estudos revelam mais detalhes sobre o que aconteceu com as vítimas do infame cataclismo em 79 d.C.

Por Robin George Andrews
Publicado 26 de jan. de 2020, 08:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Esses fragmentos de material vítreo foram extraídos da cavidade craniana de uma vítima da erupção do ...
Esses fragmentos de material vítreo foram extraídos da cavidade craniana de uma vítima da erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C., que destruiu as cidades de Pompeia e Herculano.
Courtesy of Pier Paolo Patrone, University of Naples Federico II

Quando o Monte Vesúvio descarregou sua fúria em 79 d.C., Herculano foi apenas uma das várias cidades sufocadas por cinzas e assoladas por avalanches vulcânicas superaquecidas. Porém, passados três séculos após o início das escavações, os especialistas ainda não sabem ao certo o que exatamente matou as vítimas dessa metrópole outrora efervescente.

Além dos desmoronamentos de construções, do lançamento de detritos e do pisoteamento de moradores em fuga, vários estudos apontaram como causas a inalação de cinzas e gases vulcânicos, o choque térmico súbito e até a vaporização de tecidos moles das pessoas.

Agora, dois estudos acrescentam algumas reviravoltas à história.

Um deles conclui que aqueles que se abrigaram nas garagens de barco da cidade não foram de fato queimados ou vaporizados, mas assados como se estivessem dentro de um forno de alvenaria. O segundo estudo analisou uma vítima encontrada em outro ponto da cidade, cujo cérebro parece ter derretido antes de vitrificar, como um feitiço.

Ainda que esses dois relatos de transmogrificação biológica sejam confirmados em pesquisas futuras, não significa que finalmente saberemos como essas pessoas morreram. Só é possível afirmar que é uma hipótese para o que ocorreu com elas perto de sua morte.

Com tantas evidências claras perdidas no tempo, “provavelmente nunca saberemos a verdade concreta” sobre como morreram, afirma Elżbieta Jaskulska, osteoarqueológa da Universidade de Varsóvia, que não participou de nenhum dos estudos. Mas tentar resolver esse quebra-cabeça vale a pena, e não apenas porque preenche capítulos inexistentes de uma história icônica.

“Desastres vulcânicos não se atêm ao passado”, afirma Janine Krippner do Programa de Vulcanismo Global do Instituto Smithsoniano, que não participou do estudo.

Muitos vulcões em todo o mundo podem produzir explosões semelhantes, o que significa que a história continuará a se repetir. Compreender os danos causados às pessoas no passado por essas avalanches vulcânicas permitirá que socorristas se equipem melhor para tratar aqueles que, apesar de feridos, conseguirem sobreviver à ira futura de um vulcão.

Um grupo estuda corpos solidificados na Casa do Criptopórtico enquanto percorre as ruínas em Pompeia. Além dessa cidade próxima à região atual de Nápoles, a cidade portuária de Herculano e muitos outros locais próximos ao Monte Vesúvio foram soterrados por nuvens e fluxos piroclásticos em 79 d.C.
Foto de David Hiser, Nat Geo Image Collection

É de estourar os miolos...

Naquele dia de verão, em 79 d.C., avalanches vulcânicas de gás e cinzas quentes, a uma velocidade aproximada de 80 quilômetros por hora, foram indubitavelmente o aspecto mais letal do Vesúvio. Geralmente são chamadas de fluxos piroclásticos, mas as versões mais gasosas que inundaram Herculano são chamadas de nuvens piroclásticas.

Acreditou-se por muito tempo que diversas das vítimas atingidas pela erupção tivessem morrido por asfixia com as cinzas e gases tóxicos. Uma série de estudos nas últimas duas décadas, com coautoria de Pier Paolo Petrone, paleobiólogo do Hospital Universitário Federico II em Nápoles, sugeriu que as temperaturas da nuvem foram tão altas que os órgãos internos de muitas pessoas entraram em falência repentina, uma morte por choque térmico extremo.

Em 2018, Petrone e seus colegas relataram compostos avermelhados e ricos em ferro nos ossos geralmente quebrados de várias vítimas de Herculano. Essas manchas, afirmaram eles, são provenientes da destruição de glóbulos vermelhos quando as nuvens escaldantes vaporizaram os tecidos moles das vítimas — como músculos, tendões, nervos e gordura. A fervura de fluidos no cérebro também aumentaria a pressão e faria seus crânios explodirem. Essas alegações foram recebidas com ceticismo por alguns especialistas, que observaram que corpos cremados a temperaturas muito mais altas não sofrem vaporização.

Esse debate permanece aberto — mas um novo estudo de Petrone e colaboradores, publicado nesta semana no periódico New England Journal of Medicine, só põe mais lenha na fogueira.

Sabão e vidro

Tecidos cerebrais em descobertas arqueológicas são extremamente raros. Mesmo quando encontrados, muitas vezes não estão preservados, transformando-se em uma mistura saponácea de compostos como glicerol e ácidos graxos. Petrone decidiu examinar mais de perto uma vítima em particular, encontrada na década de 1960 no Collegium Augustalium, construção dedicada ao culto do Imperador Augusto, que governou Roma de 63 a.C. a 14 d.C.

Inesperadamente, uma substância vítrea foi encontrada dentro do crânio rachado,  o que foi surpreendente porque a própria erupção não produziu material vulcânico vítreo. O vidro do crânio continha proteínas e ácidos graxos comuns no cérebro, além de ácidos graxos normalmente encontrados em secreções oleosas do cabelo humano. Nenhuma fonte vegetal ou animal dessas substâncias foi localizada nas proximidades.

Os fragmentos de vidro, explica Petrone, provavelmente são restos do cérebro da vítima — e o primeiro exemplo desse tipo já encontrado em qualquer contexto antigo ou moderno.

Esse tecido transformado em vidro teria sido criado por vitrificação, um processo em que um material é aquecido até liquefazer e depois resfria muito rapidamente formando vidro em vez de um sólido comum. A madeira carbonizada próxima sugere que as temperaturas na construção podem ter atingido 520 graus Celsius. Ao que parece, estava quente o suficiente para incendiar a gordura corporal, vaporizar tecidos moles e derreter o tecido cerebral. A matéria cerebral foi subitamente apagada, mas Petrone afirma que o que a apagou permanece um mistério.

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    “É incrível e horripilante ao mesmo tempo pensar que um calor tão intenso possa transformar seu cérebro em vidro”, afirmas Miguel Vilar, antropólogo biológico da National Geographic Society, que não participou do estudo.

    Mas o processo de vitrificação em questão ainda não está totalmente explicado e, como não se sabe ao certo por que esse foi o único cérebro de uma vítima que teve esse destino (até agora) entre as vítimas do vulcão, não é possível afirmar com certeza de que se trate de uma matéria cerebral realmente vitrificada.

    Assado, não queimado

    O outro artigo recente, publicado nesta semana no periódico Antiquity, examinou restos mortais que apontam para um fim diferente para aqueles que morreram na área costeira de Herculano. Homens se reuniram no litoral, talvez em uma tentativa de organizar uma evacuação em direção ao mar, enquanto mulheres e crianças se abrigavam, na maior parte, em câmaras de pedra onde eram guardados barcos, chamadas fornici. Todos morreram e, até o momento, 340 corpos foram escavados na área.

    Os ossos das vítimas foram, por muito tempo, considerados restos mortais destruídos. Contudo, na última década, novos avanços científicos conseguiram analisar fragmentos humanos queimados permitindo ter uma noção do que ocorreu perto da morte dessas pessoas.

    “É possível fazer muitas determinações sobre a vida de alguém por meio de seus restos mortais cremados”, afirma Tim Thompson, antropólogo biológico aplicado da Universidade de Teesside, na Inglaterra. Então, ele e seus colegas pensaram: por que não aplicar essas técnicas às vítimas do Vesúvio?

    A equipe examinou costelas de 152 indivíduos em seis dos doze fornici. Analisaram a condição do colágeno, uma proteína essencial que permanece bastante robusta por longos períodos, mas que pode deteriorar na presença de elevadas temperaturas, dentre outras circunstâncias.

    Dessas 152 pessoas, apenas 12 apresentaram colágeno acentuadamente deteriorado. A maioria dessas 12 amostras veio de crianças, cujo esqueleto menos mineralizado deixou seu colágeno mais vulnerável à ruptura ao longo do tempo. Existe também uma correlação experimentalmente comprovada entre o grau de cristalização de um osso e sua exposição a elevadas temperaturas. A equipe verificou que os ossos dessas vítimas continham baixos níveis de cristalização.

    Ambas as descobertas indicam — de forma convincente, segundo Jaskulska — que as vítimas dos fornici não foram expostas às temperaturas extremamente altas das nuvens piroclásticas na ocasião ou logo depois de sua morte.

    Vários estudos que analisaram alterações nas propriedades magnéticas dos materiais,  danos à alvenaria, madeira, argamassa e assim por diante, estimaram uma faixa de temperatura das nuvens piroclásticas da erupção. As temperaturas variaram de máximas de 800 graus Celsius até mínimas de 240 graus Celsius.

    O novo estudo sugere que o limite inferior dessa faixa seja o mais plausível. Mesmo a essas temperaturas mais baixas, os ossos das vítimas deveriam ter sofrido mais danos. A ausência desses danos significa que os cadáveres tiveram proteção adicional contra as nuvens.

    O dano causado pelo calor provavelmente foi reduzido pelas paredes intactas dos fornici, já que as pessoas foram encontradas em suas proximidades. O inchaço nos tecidos externos e o acúmulo de água interna ao redor de ossos longos também implicam que os esqueletos foram assados em vez de queimados.

    Em suma, as vítimas não foram incendiadas em uma fogueira; em vez disso, as nuvens aqueceram o ar ao redor delas, o que destrói menos os tecidos humanos do que o fogo diretamente.

    Morte na escuridão

    Thompson afirma que o que não aconteceu foi a vaporização de tecidos moles. Mesmo em temperaturas superiores a 640 graus Celsius em estudos de cremação controlados, o tecido humano demora ao menos 40 minutos para ser totalmente destruído. As nuvens piroclásticas nem chegam perto dessas condições.

    “Essa hipótese não está bem fundamentada”, afirma Thompson.

    Petrone concorda que a aglomeração de massas ofereceria proteção adicional contra danos causados pelo calor, mas discorda de que as temperaturas tenham sido baixas dentro dos fornici, fazendo alusão a uma vítima com cérebro vitrificado dentro do Collegium, que teve seu esqueleto carbonizado e fraturado e o crânio aparentemente explodido devido às altas temperaturas da nuvem.

    Divergências científicas à parte, ninguém duvida de que os momentos derradeiros da vida dessas pessoas foram um pesadelo, afirma Thompson. Morreram tremendo na escuridão, devido à exposição ao calor extremo ou por asfixia. Plínio, o Jovem, jurista e escritor romano que observou a erupção à distância, recordou em uma carta que algumas pessoas ficaram tão assustadas com o cataclismo que chegaram a rezar para morrerem. Muitos pediram a ajuda dos deuses, escreveu ele, mas ainda mais gente acreditou que não haviam restado deuses e que uma última noite eterna havia se abatido sobre o mundo.

    Embora seja macabro pensar a respeito, a maneira pela qual essas pessoas pereceram pode revelar características importantes sobre as nuvens piroclásticas, ainda não totalmente compreendidas, observa Krippner. Esse conhecimento, por sua vez, pode ajudar os atuais cientistas a preverem e atenuarem futuros desastres vulcânicos. Assim, os condenados em Herculano poderiam contribuir para proteger a vida de outras pessoas 2 mil anos após a sua morte.

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