E se Martin Luther King Jr. nunca tivesse sido assassinado?

Com essa questão em mente, historiadores desvendam como norte-americanos idealizam o legado de King — e de que forma concebemos os direitos civis em nossa própria época.

Por Rachel Brown
Publicado 19 de jan. de 2021, 14:17 BRT
Névoa envolve o Memorial Martin Luther King Jr. em Washington, em 12 de janeiro de 2018, ...

Névoa envolve o Memorial Martin Luther King Jr. em Washington, em 12 de janeiro de 2018, ano em que completou-se cinco décadas de seu assassinato.

Foto de J. Scott Applewhite, Ap

Martin Luther King Jr. foi morto a tiros em Memphis, em 4 de abril de 1968. Mas e se a tentativa de assassinato não tivesse de fato se consumado? E se não houvesse existido nenhuma tentativa? E se King ainda estivesse vivo?

É fascinante tentar imaginar isso tudo, mas não há como retratar esse cenário de forma realista. Não podemos estudar uma história que nunca aconteceu. Ainda assim, direcionar esses questionamentos a historiadores norte-americanos renomados nos fornece certa clareza sobre o assunto.

A vida real dos contemporâneos de King talvez preencha a lacuna que existe entre a realidade e a ficção — em particular a vida de Coretta Scott King, sua esposa e companheira de ativismo.

“O alcance de seu ativismo e a abrangência das questões nas quais ela estava trabalhando dão indícios da posição em que Martin Luther King estaria hoje”, sugere Jeanne Theoharis, professora de ciência política da faculdade Brooklyn College e autora de A More Beautiful and Terrible History: The Uses and Misuses of Civil Rights History (Uma história mais bela e terrível: Usos e abusos da história dos direitos civis, em tradução livre).

Quatro dias após o assassinato de seu marido, Coretta Scott King liderou a marcha dos trabalhadores de serviços sanitários de Memphis em seu lugar. Mas seu trabalho não se limitou a dar seguimento ao que seu falecido marido havia atingido, segundo Theoharis, ressaltando a oposição declarada de King desde o início da Guerra do Vietnã, as campanhas por justiça econômica e racial, os esforços pela paz global e a denúncia do regime de apartheid sul-africano, além de manifestações em favor dos direitos da comunidade LGBTQIA+ por parte dela.

King, se ainda estivesse vivo, muito provavelmente teria apoiado as mesmas causas — talvez até conduzisse protestos à Casa Branca, especula Komozi Woodard, professor de história, políticas públicas e estudos de Africologia na faculdade Sarah Lawrence.

“Temos esperanças de que a ‘América Branca’ teria amadurecido a ponto de descriminalizar o Dr. King com o passar do tempo”, assim como a imagem de Nelson Mandela deixou de significar terrorismo e passou a ser de salvador na África do Sul, Woodard relatou à National Geographic. “Dr. King poderia ter se candidatado à presidência com sucesso, como Mandela fez. ”

Rev. Dr. Martin Luther King Jr. em discurso realizado em 15 de abril de 1967 em uma manifestação pela paz na cidade de Nova York.

Foto de Ap

King ainda vive

Há uma diferença fácil de ser imaginada, pois fala por si só: não poderíamos comemorar o Dia de Martin Luther King, celebrado em 18 de janeiro, em um mundo em que ele não tivesse sido assassinado.

Conforme reiterado por Theoharis e Woodard, King, ao mesmo tempo amado e admirado por muitos, era consideravelmente impopular entre lideranças políticas e estadunidenses brancos no momento de sua morte.

“A liderança do FBI na época encarava a figura de King como um ‘messias negro’ em termos criminais”, alega Woodard, ao descrever como ele foi “alienado, isolado e eliminado” pela administração de Johnson.

Mas as décadas subsequentes ao assassinato de King testemunharam sua imagem ser manchada de uma forma muito diferente.

“O martírio de King possibilita esquecer aquilo que nos traz desconforto, permitindo-o ser o homem ‘sonhador’,” esclarece Theoharis. “Isso o coloca em segurança no passado distante.”

O verdadeiro King, que se declarou contra a brutalidade policial no início dos anos 1960, com táticas não-violentas, mas intencionalmente perturbadoras, desafiaria a característica esperançosa que lhe foi conferida nos dias atuais.

Woodard descreve como as opiniões de King estavam se tornando mais alinhadas com a vertente mais radical de Malcolm X . “Isso não significa que King teria abandonado os protestos não violentos”, acrescenta ele, “mas sim que ele estava cada vez mais militante no que diz respeito à pauta antipobreza”.

E, conforme Theoharis destaca, há diversas conexões entre o ativismo pelos direitos civis de 1960 e movimentos atuais como o Vidas Negram Importam — uma sequência de legados que Woodard traça de King até Stokely Carmichael, a cuja juventude do movimento Poder Negro (Black Power) Woodard supõe que King teria conferido “um núcleo de estabilidade”.

Se King ainda fosse vivo, sua suposta conexão ou envolvimento com o atual ativismo polarizado por questões raciais se oporia, conforme Theoharis define, à “fábula norte-americana de que as questões raciais já foram superadas”.

“Acredito estarmos muito desconfortáveis com a ideia de King intervir em nosso mundo hoje”, conclui ela. “Esse é o desafio de King que ainda vive.”

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