Fato ou ficção: como eram os verdadeiros vikings?

Testes de DNA e descobertas arqueológicas oferecem novas informações sobre a vida real dos vikings.

Apenas um capacete original da era Viking já foi encontrado e tinha um desenho notavelmente simples – em contraste com os estilos de capacetes com chifres das lendas.

Foto de David Guttenfelder Nat Geo Image Collection
Por Robert Kościelny
Publicado 5 de jan. de 2023, 10:48 BRT

Altos, loiros, de olhos azuis impiedosos. Bárbaros coroados com capacetes com chifres aterrorizantes, entregando-se a pilhagens e rituais sangrentos. São esses realmente retratos precisos das pessoas cuja expansão moldou o norte da Europa e além, ou uma hipérbole?

Os vikings estão envolvidos em diferentes mitos e concepções erradas. As lendas nasceram após suas primeiras incursões nas Ilhas Britânicas no final do século 8 e, desde então, cativam nossa imaginação, inspirando óperas, filmes, romances, quadrinhos e até videogames, o que torna difícil separar a realidade da ficção. Os pesquisadores ainda estão trabalhando hoje desenterrando artefatos e investigando suas origens.

Descobertas recentes indicam que os vikings foram os primeiros europeus a pisar no continente americano, pelo menos 400 anos antes de Colombo, e os primeiros estudos de DNA de seus restos mortais sugerem que eles eram um grupo diverso. As escavações revelaram tesouros enterrados, como uma coleção valiosa de joias descoberta este ano nos arredores de Estocolmo, o que continua alimentando nosso fascínio pelos invasores antigos. À medida que os arqueólogos preenchem os detalhes, examinamos alguns dos mitos duradouros inspirados nos vikings.

Mito 1: Os vikings eram um único grupo

Os vikings costumam ser considerados uma nação única, mas eram mais precisamente pequenos grupos governados por chefes eleitos. Algumas dessas tribos, que viviam no que hoje é a Escandinávia, cooperaram entre si na organização de ataques a países estrangeiros.

“Viking” não se refere a um povo, mas sim a uma atividade. Nos dois séculos que abrangem a era viking, a maioria dos habitantes do norte da Europa estava envolvida na pesca, agricultura, comércio e artesanato. “Tornar-se viking era algo que um homem poderia fazer em sua juventude para acumular honra e legados de guerra, mas era raro para qualquer homem participar de ataques estrangeiros continuamente ao longo de sua vida”, escreveu Brian McMahon, estudioso da Universidade Oxford Brookes, em O Viking: mito e equívocos.

A origem do nome “viking” é incerta. A palavra nórdica antiga geralmente significava “pirata” ou “invasor”. Para McMahon, o termo se refere àqueles “que se aventuraram no exterior para invadir e saquear”.  “'Vik' significa 'baía' ou 'riacho' – como em Reykjavik, na Islândia, onde os emigrantes escandinavos se estabeleceram por volta do ano 870 d.C.”, ele diz.

O historiador sueco Fritz Askeberg oferece outra visão. O verbo vikja significa quebrar, torcer ou desviar, e os vikings, segundo explica Askeberg em seu livro sobre a cultura nórdica antiga, eram pessoas que romperam com as normas sociais típicas, abandonando suas casas e saindo para o mar em busca de fama e despojos.

Mito 2: Os vikings eram extraordinariamente cruéis

"Nunca antes houve um terror na Grã-Bretanha como agora pela raça pagã... Esses bárbaros derramaram o sangue dos santos ao redor do altar e pisotearam os corpos dos santos no templo de Deus como esterco nas ruas."

Simulação de uma batalha da era Viking no Festival de Eslavos e Vikings em Wolin, na Polônia.

Foto de David Guttenfelder Nat Geo Image Collection

A aterrorizante descrição de um ataque ao Priorado de Lindisfarne, em uma ilha na costa nordeste da Inglaterra, foi escrita em 793 d.C. pelo estudioso Alcuin de York. A invasão marcou o início da era Viking na Europa, que durou por mais de 250 anos.

Embora os vikings realmente instilassem medo, os especialistas dizem que a violência era endêmica. “A crueldade viking não difere do que acontecia naquela época”, disse Joanne Shortt Butler, da Universidade de Cambridge. “Eles não eram mais brutais do que os representantes de outras nações ou tribos. Assassinatos, incêndios criminosos e saques estavam na ordem do dia.”

“Veja as ações de Carlos Magno, rei dos francos durante a era viking”, ela escreve. “O patrono do renascimento da cultura antiga ordenou a decapitação de 4500 saxões em Verden. ”

Mito 3: Eles bebiam de caveiras

Contos sobre a crueldade dos invasores escandinavos tornavam plausível atribuir aos vikings alguns hábitos desprezíveis, como beber dos crânios de seus inimigos. Uma tradição imprecisa foi a origem deste equívoco popular.

Ole Worm, médico da corte do rei da Dinamarca no século 17, também era um linguista apaixonado por pedras rúnicas, inscritas com runas (o alfabeto germânico e nórdico). Em 1636, Worm publicou uma pesquisa sobre runas, citando um poema nórdico cujo protagonista afirma que beberá cerveja em Valhalla (o paraíso para os míticos guerreiros nórdicos mortos) dos galhos curvos dos crânios.

O poeta estava se referindo aos galhos que brotavam dos crânios dos animais, ou seja, os chifres. Mas o médico da corte traduziu a frase para o latim como ex craniis eorum quos ceciderunt – dos crânios daqueles que eles mataram. Isso adicionou outro ponto à má reputação dos vikings. É importante ressaltar que outros grupos étnicos teriam bebido dos crânios de seus inimigos, mas isso tende a ser associado aos vikings.

Mito 4: Eles torturavam suas vítimas em um ritual de “águia de sangue”

Outro hábito deplorável atribuído aos invasores nórdicos é o rito de deixar a marca da “águia de sangue” nas vítimas vivas. Na cerimônia, cortavam as costelas da coluna, e depois as estendiam. Extraíam os pulmões e os espalhavam de forma que lembrassem asas, alguns acreditavam que o corpo pudesse voar para Odin, o principal deus da mitologia nórdica. 

Como a primeira referência foi em um verso escáldico, pode ser outro caso de licença poética que foi interpretada de forma muito literal, explica Eleanor Rosamund Barraclough, professora de história medieval da Universidade de Durham, em Beyond the Northlands: Viking Voyages and the Old Norse Sagas.

Roberta Frank, da Universidade de Yale, há muito questiona a veracidade do ritual, e acredita que provavelmente se originou com os primeiros escritores cristãos escandinavos que buscavam estigmatizar seus ancestrais pagãos. “O procedimento da águia de sangue varia de texto para texto, tornando-se mais sinistro, pagão e demorado a cada século que passa”, escreveu ela na revista acadêmica English Historical Review.

Recentemente, cientistas da Universidade da Islândia e da Universidade Keele da Inglaterra analisaram se era possível realizar uma “águia de sangue” em uma vítima viva. Em um artigo publicado no Speculum: A Journal of Medieval Studies (Jornal de Estudos Medievais), eles concluíram que, embora fosse anatomicamente possível realizar essa prática com as ferramentas disponíveis na época, a vítima teria morrido por perda de sangue ou asfixia nos estágios iniciais da tortura. A execução completa da águia de sangue só poderia ser realizada em um cadáver. Até que os arqueólogos encontrarem um cadáver com evidências claras de que isso aconteceu, provavelmente nunca saberemos.

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    Capacete Gjermundbu foi encontrado em 1943 quebrado em fragmentos. Desde então, foi restaurado e exibido no Museu de História da Universidade de Oslo.

    Foto de Berit Roald NTB Scanpix, Alamy Stock Photos

    Mito 5: Eles usavam capacetes com chifres

    Alguns mitos podem ser atribuídos à tradição, incluindo o elogiado capacete com chifres. O único capacete da era Viking já encontrado, o capacete Gjermundbu desenterrado em Ringerike, na Noruega, assemelha-se à máscara do Batman, sem as orelhas pontudas e sem chifres, aponta Barraclough.

    Nas representações da era Viking, os guerreiros aparecem com a cabeça descoberta ou vestidos com capacetes simples, possivelmente feitos de ferro ou couro. Embora alguns personagens com chifres apareçam na arte nórdica, como na tapeçaria de Oseberg, eles geralmente representam deuses ou monstros em vez de guerreiros mortais, escreve McMahon.

    Uma fonte originária dos capacetes com chifres foi identificada: eles foram usados por Carl Emil Doepler, o figurinista da estreia da ópera de Wagner, O anel do nibelungo, no Festival de Bayreuth, em 1876. Outro propagador do século 19 foi o pintor sueco Johan August Malmström, que os utilizou em suas ilustrações para as sagas nórdicas.

    Doepler, Malmström e outros podem ter sido inspirados pelas descobertas contemporâneas de capacetes antigos com chifres, que, como se descobriu posteriormente, datavam de antes da era Viking. Talvez os artistas tenham se inspirado nos ecos distantes dos antigos historiadores gregos e romanos, que descreveram os europeus do norte usando capacetes decorados com chifres. Pelo menos um século antes do advento dos vikings, os enfeites na cabeça não só estavam fora de moda, mas provavelmente também eram usados apenas em cerimônias por pastores nórdicos e germânicos.

    Mito 6: Eles eram altos e loiros

    “Viking” evoca a imagem de um homem robusto, de cabelos claros e olhos azuis. Em outras palavras, Chris Hemsworth na saga Thor. Mas Lise Lock Harvig, da Universidade de Copenhague, concluiu a partir de estudos de DNA de esqueletos em tumbas medievais que naquela época teria existido uma mistura de loiros, ruivos e morenos, assim como hoje. A sociedade viking não era exclusivamente de descendência escandinava. “Já estávamos lidando com uma mistura cultural e étnica”, diz Harvig. Tanto as cores do cabelo quanto da íris eram diversas.

    Mesmo a ideia da altura incomum dos vikings é um mito, de acordo com McMahon. O homem médio dessas extensões do norte da Europa tinha então cerca de 1,73 metro de altura, o mesmo que o homem europeu médio. A reputação imponente é provavelmente o resultado do nacionalismo que surgiu nos séculos 19 e 20, que promoveu os vikings como o arquétipo nórdico e ariano.

    Mesmo a ideia de que os vikings eram homens pouco higiênicos parece desmascarada por evidências arqueológicas: seus túmulos e outros locais escavados estão cheios de pentes, pinças e navalhas ao lado de restos mortais masculinos e femininos. Eles também poderiam ter usado sabão com alto teor de lixívia para eliminar os piolhos, que também tinham o efeito colateral de descolorir os cabelos.

    Este artigo foi publicado originalmente na edição polonesa da National Geographic.

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