Sylvia Earle lança livro e ouve de Temer a promessa de criar reservas marinhas
A oceanógrafa e heroína do planeta conversou com a National Geographic durante sua visita ao Brasil para lançar A Terra É Azul.
Sylvia Earle me recebe às nove horas da manhã com um sorriso calmo no 14o andar do edifício icônico da Fiesp, na Avenida Paulista, em São Paulo, apesar da agitação que cerca sua visita. Acabara de assinar seu livro, A Terra É Azul, um clássico do ambientalismo mundial, para uma pequena fila de empresários e executivos, a maioria de terno, em uma mesa de madeira ao lado. Fotógrafos montam tripés e outros equipamentos na sala, onde pousará para fotos em seguida. Aos 82 anos de idade, mantém invejável vigor e ânimo. No teatro do maior sindicato de indústrias de São Paulo, no andar térreo, centenas de convidados e fãs aguardam sua palestra. Aproveito o momento de calmaria antes da palestra para fazer a primeira pergunta. Sei que terei muito pouco tempo. Lembro à lendária bióloga-marinha de que eu a entrevistara antes, em 2012, para a revista National Geographic Brasil , e que, naquela ocasião, ela dissera que os próximos dez anos seriam cruciais na luta pela preservação dos oceanos. Já se passaram seis anos. Como está a situação, hoje, indago.
“Mais difícil”, responde, “getting harder”, em inglês, para logo emendar: “mas a natureza é resiliente”. Parece determinada a não ceder à narrativa apocalíptica. “Temos ainda muita ignorância a vencer”, continua, “muitas pessoas ainda não sabem porque devem se importar com os oceanos. Mas aprendemos mais sobre eles durante a minha vida do que ao longo de todo o tempo anterior”. Sylvia Earle faz uma pequena pausa. Suponho que é para eu absorver o significado do que acaba de dizer. “Não é o petróleo, é a nossa existência que depende dos oceanos”, explica. E prossegue com otimismo. “As crianças estão crescendo com mais informação hoje do que em qualquer outra época. Não há momento melhor para ser criança do que hoje”, insiste.
Fico encantado, mais uma vez, com a capacidade de comunicação dessa cientista. Em poucas frases consegue colocar de ponta-cabeça o pessimismo corrente em relação ao futuro das gerações mais jovens. Elas receberão oceanos poluídos e quimicamente alterados pela emissão de gases de efeito estufa. Mas serão beneficiadas, também, pela imensidão do conhecimento produzido ao longo da segunda metade do século 20 e primeiras décadas do 21. Para a cientista, o acúmulo de conhecimento é tão significativo quanto a poluição. Não há desafio maior do que utilizar este conhecimento para garantir a qualidade da vida no planeta.
Esta é a quinta ou sexta visita da cientista ao Brasil. Ela não se lembra com certeza. Esteve aqui na Rio 92, conta, mas faz questão de dizer que nunca conseguiu mergulhar em águas brasileiras. Para Earle, sente-se, isso deixa sua experiência brasileira incompleta.
Voltará aos temas do tempo e do conhecimento, logo depois, no teatro da Fiesp, durante sua palestra. É recebida no palco pelo presidente da instituição, Paulo Skaf, e apresentado pelo jornalista e ambientalista, João Lara Mesquita, responsável pela ideia de traduzir para o português o livro “A Terra É Azul – Por que o destinos dos oceanos e o nosso é um só”. Mesquita pede para a plateia se levantar e Sylvia Earle é aplaudida de pé, com entusiasmo, antes mesmo de dar início à fala. Há uma energia especial no auditório. Não é todos os dias que o maior sindicato de indústrias do país se alinha em público, diante de uma grande plateia, com uma ambientalista mundialmente conhecida.
Na palestra, a bióloga-marinha, que é exploradora-residente da National Geographic Society, título dos mais prestigiosos conferidos pela centenária sociedade de pesquisas, conta histórias que vão revelando uma visão de mundo moldada pela água. Earle, que fabricou veículos submarinos, publicou mais de 100 artigos científicos e quebrou o recorde mundial de mergulho, descendo a uma profundidade de 381 metros numa roupa feita especialmente para tanto, pede para a plateia imaginar uma submersão gradual no oceano. Descreve a vida marinha, a diminuição e eventual ausência de luz a centenas de metros da superfície num corpo d’água com 11 quilômetros de profundidade. Isto para nos contar que há mais vida nesta escuridão aquática do que em toda a superfície da Terra. As criaturas das profundezas gostam da pressão e do breu, garante. Conhecemos ainda pouco desta vida, frisa, mas entendemos, hoje, a sua importância para todos os sistemas naturais do planeta.
Ao fim da palestra, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, lê uma carta endereçada ao presidente Michel Temer em apoio à criação de áreas de proteção marinha em torno dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo, na costa pernambucana, e em Trinidade e Martim Vaz, na costa capixaba. Na tarde da mesma segunda-feira, 6, Sylvia Earle seguiu para Brasília onde foi recebida pelo presidente Temer e ouviu do presidente a promessa de assinar os decretos de criação das áreas proteção ambiental. “O que o governo brasileiro está anunciando hoje é importante não só para o Brasil, mas para toda a Humanidade”, declarou Earle, de acordo com o site ambiental O Eco.
O presidente deve decretá-las na abertura do Fórum Mundial da Água, em 18 de março, que este ano será sediado pelo Brasil.
Assim que sejam criadas as reservas marinhas, que vem sendo discutidas há anos, será preciso convidar Sylvia Earle a voltar ao país para poder mergulhar em águas brasileiras – agora protegidas. Poderá render uma bela reportagem para a National Geographic.