Cresce o número de criaturas marinhas venenosas devido às mudanças climáticas

O aquecimento dos oceanos poderá ser o prenúncio da conquista do mar por criaturas perigosas, como serpentes marinhas, águas-vivas e o peixe-leão.

Por Joshua Rapp Learn
Publicado 18 de out. de 2018, 16:05 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Vespas-do-mar foram responsáveis pelo aumento de acidentes fatais com seres humanos e fechamentos de praias.
Vespas-do-mar foram responsáveis pelo aumento de acidentes fatais com seres humanos e fechamentos de praias.
Foto de Thomas P Peschak, National Geographic Creative

Seres humanos podem ficar sujeitos a um aumento de picadas e ferroadas pestilentas e outros encontros venenosos devido às mudanças climáticas, de acordo com um novo estudo divulgado ao mesmo tempo em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês “Intergovernmental Panel on Climate Change”) publicou um relatório advertindo que os impactos negativos do aquecimento global chegarão antes que o esperado.

Segundo uma nova análise abrangente sobre animais aquáticos venenosos ou pestilentos, as espécies perigosas podem se tornar cada vez mais comuns em novas regiões. Algumas das espécies cuja distribuição pode se deslocar para os polos em razão do aquecimento das águas são o peixe-leão, as serpentes marinhas, a estrela-do-mar-coroa-de-espinhos e uma série de diferentes tipos de águas-vivas venenosas.

“Há interesse humano nessas espécies por serem venenosas, mas também por refletirem padrões mais amplos que estão sendo observados — o deslocamento de distribuições populacionais, alterações em populações, sejam declínios ou aumentos — e isso está perturbando o equilíbrio do que observaríamos normalmente no ecossistema”, afirma Isabelle Neylan, aluna de PhD em ciências marinhas da Universidade da Califórnia em Davis e coautora do estudo recém-publicado no periódico Wilderness and Environment Medicine (Natureza e Medicina Ambiental, em tradução livre).

101 | Mudanças Climáticas
Conheça as causas e o impacto do aquecimento global e das mudanças do clima em nosso planeta.

 

Ela e seus coautores examinaram pesquisas médicas, ambientais e ecológicas a respeito do efeito das mudanças climáticas sobre criaturas venenosas e pestilentas, bem como diversos estudos de modelagem e dados de centros de venenos. Na realidade, o estudo recente é apenas a segunda parte da pesquisa — o primeiro estudo publicado anteriormente neste ano tinha como enfoque o efeito que as mudanças climáticas podem surtir sobre criaturas venenosas e pestilentas terrestres.

Ela afirma que a maioria das espécies pode não passar necessariamente por um aumento populacional, porém sua distribuição mudará à medida que as águas na região do equador aquecem, expulsando-as para o norte ou para o sul atrás de seus nichos de temperatura ideal. No entanto, nem todas as espécies sofrerão por igual, uma vez que algumas não conseguirão sobreviver a essas mudanças de distribuição.

“O padrão maior aqui é que não existe necessariamente um padrão”, conta Neylan, que conduziu esses estudos enquanto atuava como técnica pesquisadora da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, acrescentando que cada espécie pode enfrentar desafios únicos em termos de alterações na distribuição ou população.

Peixes-leão, águas-vivas e estrelas-do-mar

O grupo de animais mais propenso a aumentar em distribuição e população devido ao aquecimento das águas e alterações no nível de acidez do oceano são as águas-vivas, que contemplam a mortal irukandji e as vespas-do-mar, responsáveis pelos números crescentes de mortes na Austrália, que podem estar se deslocando para o sul em áreas mais populosas, em razão do aquecimento climático.

mais populares

    veja mais

    “Vespas-do-mar são muito venenosas — é provável que sejam as mais venenosas do mundo comparativamente”, afirma Timothy Erickson, médico do Hospital Brigham e da Mulher da Universidade de Harvard e coautor do estudo com Neylan.

    Jennifer Purcell, pesquisadora associada da Universidade do Oeste de Washington, estudou a proliferação de águas-vivas, mas não participou desse estudo recente. Ela afirma que a reprodução das águas-vivas aumenta em águas mais quentes.

    “Não são apenas algumas [espécies] — a maioria das águas-vivas analisadas de fato apresentou aumento populacional”, conta.

    Ela concorda que águas-vivas possam ter se tornado um problema em função das mudanças climáticas, mas acrescenta que outros fatores podem estar em jogo na propagação dessas espécies, como a soltura ou movimentação delas por seres humanos, proposital ou inadvertidamente.

    “As águas-vivas podem ser o caso mais gritante, mas a minha preocupação é que tenham escolhido algumas espécies sensacionais para tentar difundir uma história forte e importante”, prossegue.

    Embora tenham proliferado inicialmente na Flórida após serem soltos no mar por seus antigos donos, os peixes-leão começaram a proliferar pela costa do Atlântico até a Geórgia e as Carolinas. Esses peixes que, aliás, possuem aparentemente um ótimo sabor, podem dizimar populações de criaturas marinhas e peixes pequenos e dão uma dolorosa ferroada nos seres humanos que esbarram neles.

    A estrela-do-mar-coroa-de-espinhos começou a proliferar de sua localização tradicional nas águas do Indo-Pacífico para o sul, no interior da Grande Barreira de Corais, perto da costa da Austrália, devido ao aumento na temperatura dessas águas. Essa voraz estrela-do-mar tóxica pode se alimentar de sistemas inteiros de corais. Nas pessoas que esbarram nelas acidentalmente ao nadar ou durante outras atividades, elas podem causar dor, inflamação e infecção.

    Outros peixes como o baiacu também foram avistados em novas áreas. Entretanto os autores notaram uma falta de dados sobre como as mudanças climáticas estão afetando a distribuição ou população de um dos peixes com o qual os seres humanos mais têm acidentes — as arraias. Eles pedem mais pesquisas sobre as distribuições e efeitos das mudanças nos padrões meteorológicos sobre as arraias, peixes-pedra e polvos-de-anéis-azuis para poder entender possíveis problemas futuros.

    Uma situação desfavorável

    Nem todas as espécies aquáticas tóxicas serão beneficiadas com as mudanças climáticas. Embora serpentes marinhas também tenham sido encontradas em novas regiões ou tenham aumentado a população na Coreia do Sul, Califórnia e Havaí, os pesquisadores relatam que as populações de algumas das serpentes mais venenosas do mundo, sejam terrestres ou aquáticas, está diminuindo no mundo como um todo.

    Sapos venenosos podem ter um destino ainda pior por sua sensibilidade a mudanças de temperatura. E não é uma mera redução populacional. Neylan observa ainda que algumas espécies estão se extinguindo por uma combinação entre mudanças climáticas e patógenos como o fungo quitrídio, que também está se propagando em função das mudanças climáticas.

    “A diversidade está reduzindo de forma geral, o que é péssimo”, afirma Neylan, acrescentando que, quando espécies como o peixe-leão se deslocam a novas regiões com poucos predadores ou ainda nenhum predador, elas podem afetar desfavoravelmente os ecossistemas.

    “Qualquer mudança no ecossistema tem efeitos propagadores”, esclarece Neylan.

    Hospitais despreparados

    Erickson diz que, com a propagação de criaturas venenosas para novas regiões, os hospitais e sistemas de saúde podem não saber como lidar com a grande quantidade de possíveis vítimas de picadas ou ferroadas.

    Isso poderia levar a um aumento dos custos de saúde. “Alguns dos antídotos são bem caros”, explica Erickson, acrescentando que a consequência desses problemas será provavelmente pior para os países mais pobres.

    Onde for possível, ele afirma que os hospitais podem ter que implantar planos melhores para conseguir os antídotos necessários. Ele destaca ainda a necessidade de melhorar as informações públicas sobre o tipo de medidas imediatas que devem ser tomadas, como colocar vinagre em queimaduras de águas-vivas ou água quente para ferroadas de arraias e peixes-leão.

    Segundo os pesquisadores, o problema só tende a agravar futuramente pelo fato de que cada vez mais pessoas se mudam para áreas costeiras. Eles ressaltam que, até o fim do século, metade da população mundial estará vivendo a uma distância máxima de 100 quilômetros do litoral.

    “Há cada vez mais gente entrando na água”, concorda Purcell.

    “Fazemos parte do nosso ambiente e ecossistema. As mudanças nos afetam e estamos modificando o que está ocorrendo em nosso ecossistema”, afirma Neylan.

    mais populares

      veja mais
      loading

      Descubra Nat Geo

      • Animais
      • Meio ambiente
      • História
      • Ciência
      • Viagem
      • Fotografia
      • Espaço
      • Vídeo

      Sobre nós

      Inscrição

      • Assine a newsletter
      • Disney+

      Siga-nos

      Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2024 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados