Uma semana após tragédia em Brumadinho, consequências ainda são incalculáveis

Prisões, multas, indenizações e descomissionamento de barragens foram anunciados, mas medidas não reparam traumas e danos causados pelo desastre socioambiental. Mortes confirmadas chegam a 110 e área atingida pela lama é de 270 hectares.

Por Gabriel de Sá
Publicado 1 de fev. de 2019, 10:18 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Cães ajudam na busca por corpos depois do rompimento da barragem em Brumadinho (MG).
Foto de Carlos Fabal

Uma semana após a tragédia socioambiental que atingiu Brumadinho (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, o pesadelo causado pelo rompimento da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, operada pela Vale, parece estar longe do fim. Pelo menos 110 pessoas foram mortas e cerca de 240 continuam desaparecidas após serem atingidas pelo mar de lama composta de rejeito de minérios.

Diante da quantidade de desaparecidos, formada por membros da comunidade local e funcionários da Vale, o número de vítimas fatais deve aumentar ainda mais nos próximos dias.

O impacto ambiental do rompimento de sexta-feira (25/01) ainda é imensurável, mas, segundo informou em nota o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os 12 milhões de m³ de lama vazados da barragem destruíram cerca de 270 hectares e inviabilizaram o consumo de água do Rio Paraopeba. “Os rejeitos devastaram 133,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica e 70,65 hectares de Áreas de Proteção Permanente (APP) ao longo de cursos d'água afetados pelos rejeitos de mineração”, diz a nota.

Mapa mostra a área (em rosa) de 270 hectares atingida pelos 12 milhões de m³ de lama vazados da barragem em Brumadinho.
Foto de Ibama - Reprodução

Nos últimos dias, foram tomadas medidas como a detenção de funcionários da empresa, multas ambientais, aviso de indenizações às famílias das vítimas e o anúncio de que as barragens de rejeitos de minério do tipo que se rompeu serão descomissionadas, mas legistas e ambientalistas ouvidos pela National Geographic acreditam que, diante da incalculável tragédia socioambiental, será difícil amenizar o trauma e os danos causados pelo desastre.

“O dano ambiental é irreparável e irreversível”, avalia o professor de Direito Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Mamede Said Filho. “Não se pode restaurar por completo um ecossistema afetado, sem falar nas vidas que foram perdidas”, observa. Para o professor, medidas preventivas têm de estar na base dos empreendimentos do setor de mineração, pois, uma vez que desastres assim ocorrem, é impossível reparar os transtornos humanos e ambientais decorrentes deles.


“Como refazer aquilo que a natureza levou milhares de anos para arquitetar?”, questiona Filho, que diz não ter a resposta, mas acha imprescindível que a Vale e o governo trabalhem arduamente para tentar reparar os ecossistemas atingidos pelos rejeitos. “No caso de Brumadinho, isso vai levar décadas, mas é fundamental que essa recomposição in natura seja feita”.

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    A tragédia de Brumadinho ocorre pouco mais de três anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Naquela ocasião, o vazamento da lama tóxica matou 19 pessoas, deixou milhares de desabrigados, destruiu comunidades e atingiu o Rio Doce, percorrendo 650 km entre Minas Gerais e Espírito Santo até desaguar no mar. A barragem era de propriedade da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Ninguém foi preso por conta do desastre.  

    (Saiba mais: “Depressão, medo e preconceito: a saúde mental das vítimas de Mariana”)

    Histórico de pagamento de multas é preocupante

    O Ibama informou, também por meio de nota, que multou a Vale em R$ 250 milh ões — cinco autos de infração no valor de R$ 50 milhões cada. Segundo o órgão, autos foram aplicados com base em artigos do Decreto 6514/2018 e referem-se a: (1) poluição que pode resultar em danos à saúde humana, (2) tornar a área imprópria para a ocupação humana, (3) poluição hídrica que possa interromper o abastecimento de água, (4) morte de espécimes a biodiversidade e (5) lançar rejeitos de mineração em recursos hídricos. Ainda segundo o Ibama, R$ 50 milhões é o valor máximo previsto na Lei de Crimes Ambientais.

    Brigadistas procuram por sobreviventes depois do rompimento da barragem do córrego do Feijão em Brumadinho (MG).
    Foto de Carlos Fabal

    O valor das multas, contudo, é controverso. “Me parece ínfimo, diante de todo o prejuízo ambiental e das vidas perdidas”, diz Leonardo Ivo, diretor da Associação dos Observadores do Meio Ambiente de Minas Gerais, responsável pelo observatório Lei.A. “Não me parece um valor adequado e não houve sequer tempo de calcular prejuízo”, completa o ambientalista.

    Para Mamede Said Filho, é muito difícil mensurar qual deve ser o ressarcimento pelos danos ambientais, patrimoniais e morais em um caso como esse. “As pessoas nasceram naquelas terras, cresceram e tiravam seu sustento dali — como calcular um valor para ressarcir tamanha perda?”, indaga ele.

    A razão das críticas toma por base, também, as multas recebidas pela Samarco após o desastre de Mariana. Reportagem da Folha de S. Paulo mostra que, mais de três anos após o rompimento da barragem de Fundão, menos de 6% das multas ambientais foram pagas pela empresa. A Folha apurou que a Samarco foi multada 56 vezes pelo Ibama e pela Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad), no valor de R$ 610 milhões, dos quais apenas 5,6% foram quitados, referentes a uma parte de uma única multa da Semad.

    Em nota, o Ibama informou que os autos de infração lavrados contra a Samarco após o rompimento em Mariana totalizam R$ 350,7 milhões, instaurados por 25 processos, além de 73 notificações que visam a adoção de medidas de regularização e correção de conduta. Contudo, a Samarco teria recorrido de todos os processos. “A Samarco apresentou recursos contra todos os autos de infração lavrados pelo Ibama. Apesar de os autos terem sido confirmados, a Samarco insiste em recorrer das decisões administrativas, buscando afastar sua responsabilidade pelo desastre. Nenhuma das multas ambientais foi paga até o momento”, diz o Ibama na nota.

    Outra reportagem da Folha de S. Paulo registra ainda que, sem contar com as tragédias de Brumadinho e Mariana, a Vale acumula ações ambientais não pagas no valor de R$ 8 bilhões. Diante disso, é compreensível que o pagamento das multas pela tragédia de Brumadinho causem desconfiança. “Pode aplicar o valor que for em multas,  isso não vão ser recolhido. É brincadeira”, analisa José Cláudio Junqueira, professor de avaliação de impacto ambiental da Escola Superior Dom Helder Câmara, em Belo Horizonte. “A multa é muito pequena para o porte dessas empresas, e é inadmissível que elas fiquem recorrendo, em vez que reconhecer o tamanho do desastre que causaram”, avalia Mamede Said Filho.

    Funcionários foram detidos

    Na terça (29/01), foram presos em Minas Gerais e São Paulo três engenheiros e dois funcionários da Vale que atestaram a segurança da barragem de Brumadinho. Os engenheiros pertencem à empresa TÜV SÜD Brasil, que presta serviço para a mineradora. Segundo noticiou o G1, investigadores do Ministério Públicos apuram se os documentos técnicos que atestam a segurança da barragem podem ter sido fraudados. José Cláudio Junqueira considera as prisões um “bom exemplo”, mas acredita que é necessário apurar mais a fundo quem são os responsáveis pelo rompimento para puni-los rigorosamente.

    “O dano ambiental é irreparável e irreversível. Como refazer aquilo que a natureza levou milhares de anos para arquitetar?”

    por Mamede Said Filho
    Professor de Direito Ambiental da Universidade de Brasília

    A Vale também anunciou à imprensa que irá oferecer uma de doação de R$ 100 mil para cada uma das famílias das vítimas fatais e não localizadas, “independentemente de serem ou não empregados da Vale”. Segundo a empresa, as doações não se referem às indenizações que virão posteriormente, que serão acordadas com as autoridades.

    Em termos comparativos, José Cláudio Junqueira acompanha o caso das vítimas de Mariana e diz que até hoje as famílias não foram indenizadas pelas perdas, e diz não acreditar que o pagamento ocorra nos próximos anos. Em maio de 2018, reportagem da National Geographic mostrou a situação dos sobreviventes do desastre de Mariana e a insatisfação de parte deles com a falta de resolução das questões fundamentais relativas à tragédia.

    Na mesma reportagem, a Fundação Renova, entidade criada para tratar da reparação e da compensação dos problemas sociais e ambientais decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, informou que cerca de 20 mil pessoas estavam sendo assistidas pelos auxílios financeiros da entidade e que R$ 3,6 bilhões haviam sido destinados para as ações.

    Mineração responsável

    A barragem rompida da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, utilizava um método chamado de alteamento a montante, o mesmo da Barragem de Fundão, em Mariana. Neste processo, a empresa utiliza os próprios rejeitos para erguer o barramento para cima, em degraus. Especialistas disseram à National Geographic que essa tecnologia deveria ser banida do setor de mineração no Brasil.

    Casa na rua São Matheus, em Brumadinho (MG), engolida pela lama depois do rompimento da barragem do córrego do Feijão.
    Foto de Lucas Ninno

    “O tratamento dos rejeitos deve ser feito a seco, com o aproveitamento dos resíduos. A gente precisa da mineração, mas da mineração responsável.”

    por Leonardo Ivo
    Diretor da Associação dos Observadores do Meio Ambiente de Minas Gerais

    “Essa técnica é ultrapassada e obsoleta, empregada apenas em países em desenvolvimento. Ela não é segura para a população, mas é a mais barata. Como as empresas visam o lucro, elas acabam dominando, a despeito do alto risco para a população e o meio ambiente”, opinou a antropóloga Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta/UFMG), em reportagem publicada em 28/01.

    Em nota enviada à imprensa na terça (29/01), a Vale anunciou o descomissionamento de todas as barragens da empresa que utilizam o método de alteamento a montante. Segundo o texto, a empresa possui dez barragens deste tipo, sendo que, segundo a empresa, todas estão inativas. O custo da mudança está avaliado em R$ 5 bilhões e o descomissionamento ocorrerá ao longo dos próximos três anos.

    José Cláudio Junqueira explica que o descomissionamento de uma barragem é o processo no qual a estrutura é restabelecida no território, tal qual se faz, por exemplo, com um aterro sanitário. Junqueira explica que o processo é extremamente complexo e deve contar com uma série de estudos ambientais, estudos de impacto, consultas públicas e discussão com a população e órgãos ambientais. “O que vai ser feitos com essas áreas? Para onde vão os rejeitos?”, observa o professor, mencionando que existem barragens de rejeitos de até 300 milhões de m² em Minas Gerais. A exemplo de comparação, a de Brumadinho tinha 12 milhões de m².

    Para José Cláudio Junqueira, também ex-presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam), não se pode mais admitir o tratamento de rejeitos de minério a úmido. “Daqui para frente, não se constrói nem se amplia mais barragens desse tipo”, torce ele. “O próximo passo é ter um melhor um acompanhamento  e descomissionar as que já existem: cerca de 400 em Minas Gerais”, contabiliza.

    Ao olhar para o futuro, Leonardo Ivo pondera que, primeiramente, as barragens de rejeito têm de ser banidas, sobretudo as que utilizam o método de alteamento a montante.  “O tratamento dos rejeitos deve ser feito a seco, com o aproveitamento dos resíduos”, opina. Além disso, é impensável, para ele, que comunidades estejam instaladas abaixo das barragens, correndo o risco de serem atingidas. “A gente precisa da mineração, mas da mineração responsável”.

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