Grandes terremotos podem agravar a elevação do nível dos oceanos. Saiba como

As ilhas Samoa afundam mais rápido que o previsto como consequência do aquecimento global, mas provavelmente uma dupla de tremores de enormes proporções também pode levar a culpa.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 25 de jun. de 2019, 15:35 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Samoa e da Samoa Americana
O aumento no nível do mar causado pelas mudanças climáticas já ameaça muitas comunidades litorâneas. Mas o povo de Samoa e da Samoa Americana, região vista nesta foto, enfrenta mais um desafio: as próprias ilhas estão afundando.
Foto de Andre Seale, VW Pics, Alamy

UM DUPLO ATAQUE GEOLÓGICO sacudiu a região do Sul do Pacífico em setembro de 2009, quando um terremoto de magnitude 8,1 atingiu o litoral da ilha-nação de Samoa, seguido, poucos momentos depois, de um tremor de similar intensidade. Um gigantesco tsunami não tardou em chegar às praias de ilhas próximas, causando mais de 180 mortes e a destruição de comunidades em Samoa, no território estadunidense da Samoa Americana e nas ilhas vizinhas.

Como se não fosse o bastante, um novo estudo, publicado no Journal of Geophysical Research: Solid Earth, revela que os tremores criaram um perigo latente para mais de 55 mil moradores da Samoa Americana: o aumento do nível do mar que ocorre cinco vezes mais rápido do que a média global.

Assim como outras ilhas e regiões costeiras do mundo, Samoa e a Samoa Americana estão sofrendo com a invasão das águas na medida em que o aquecimento do nosso planeta faz o nível dos oceanos subir a uma velocidade cada vez maior. No entanto, com a ocorrência dos megatremores, os pesquisadores descobriram que essas ilhas do Pacífico também estão afundando. A situação é particularmente preocupante para a Samoa Americana, onde a equipe estima que, nos próximos 50 a 100 anos, o nível do mar na região possa subir cerca de 30 centímetros, além dos efeitos já previstos das mudanças climáticas.

Embora as contribuições dos grandes terremotos não sejam as mesmas em todos os lugares, a descoberta enfatiza os impactos, às vezes negligenciados, que a geologia pode exercer sobre um número cada vez maior de pessoas que, no mundo todo, habitam as regiões litorâneas. (Descubra também como poderosos tremores estão preparando a região ao redor do Monte Everest para um grande desastre.)

“Todo mundo fala dos problemas das mudanças climáticas... mas subestimam o impacto do terremoto e da respectiva subsidência geológica”, diz o líder do estudo Shin-Chan Han, da Universidade de Newcastle, Austrália, referindo-se aos documentos dos governos regionais sobre a elevação do nível do mar.

“Trata-se de algo muito importante a ser destacado", diz a geofísica Laura Wallace, da empresa de consultoria em geociência GNS Science, Te Pū Ao, na Nova Zelândia, que não participou do estudo. “Esse problema, obviamente, tem um grande impacto nas mudanças relativas no nível do mar que as pessoas testemunharão em lugares como [as ilhas Samoa]”.

Geometria geológica

Os movimentos tectônicos estão constantemente remodelando a superfície do planeta — função que fica mais evidente durante um terremoto. Em termos gerais, essas ocorrências se dão onde as placas tectônicas colidem ou deslizam umas contra as outras, acumulando tensão geológica. Quando se libera de forma repentina essa energia acumulada, pode haver um rápido e brusco deslocamento de blocos da crosta terrestre.

Mas nem todas as mudanças causadas por um grande terremoto são imediatas. Diferentemente da crosta rígida, as rochas do manto fluem feito melaços gelados, ajustando-se gradativamente ao repentino solavanco da superfície, diz Wallace. Isso faz o terreno afundar ou se elevar, e essa movimentação pode prosseguir por décadas após a ocorrência do tremor.

É essa prolongada deformação da paisagem que intriga Han. Há anos, ele vasculha dados dos satélites do Experimento Climático e de Recuperação da Gravidade, ou Grace, para analisar a elevação e o declive do terreno após um tremor. Essa dupla de satélites orbitou a Terra em fileira entre 2002 e 2017, monitorando de forma precisa a distância entre as sondas. Quando passavam sobre zonas com um pouco mais de massa e, portanto, maior gravidade, a sonda na dianteira sentia o puxão antes da sonda que a seguia. Isso ajustava o espaço entre elas e era registrado como uma oscilação no campo gravitacional do planeta, podendo revelar alterações nas massas de terra abaixo.

No caso do terremoto de 2009, essas alterações se registravam diariamente. Os efeitos acabaram sendo tão grandes que Han, ao analisar os dados do Grace, percebeu que algo estranho acontecia nas ilhas Samoa.

Uma rara coincidência

O acontecimento de 2009 foi um terremoto particularmente incomum que, de início, deixou os cientistas perplexos, já que a dupla de poderosos tremores atingiu a Terra praticamente ao mesmo tempo. Um deles irrompeu ao longo do que se chama falha normal, criada em função da flexão da crosta oceânica que se desloca para baixo de outra placa tectônica, na chamada zona de subducção. O outro tremor ocorreu dentro da zona de subducção, devido às forças compressivas das placas em colisão.

Os pesquisadores investigaram os duradouros impactos desses tremores utilizando um misto de dados do Grace e de registros locais de GPS e marégrafos. Em seguida, elaboraram um modelo computacional para desvendar a complexa interação entre os tremores e o que acontece na superfície.

Esses dados demonstraram que a paisagem estava afundando lentamente, principalmente devido ao tremor ocorrido na falha normal. Tal terremoto, em particular, causa um declínio de um lado da paisagem em relação ao outro, o que fez afundarem as ilhas vizinhas.

A equipe descobriu que, quase uma década após o acontecimento, a ilha de Samoa afunda cerca de 1 centímetro por ano. A situação é especialmente grave na Samoa Americana, que sofreu uma subsidência anual de mais de 1,5 centímetro, e não dá sinais de que vá parar tão cedo.

O ritmo supera a velocidade estimada de aumento do nível dos oceanos em todo o mundo, que sobem vagarosamente cerca de 0,3 centímetro por ano. As enchentes e intrusões de água salgada nos aquíferos de água doce já são graves preocupações dos moradores da Samoa Americana, diz Han, e essa última descoberta só aumenta a aflição. (Elevação do nível dos mares gera escolha difícil à população insular: realocar-se ou elevar-se?)

Banheiras oceânicas

É possível que ocorram efeitos similares em outras ilhas próximas ao local de colisão de placas, embora muitos fatores influenciem os acontecimentos após o tremor. A importância geral do novo trabalho é destacar que as causas do aumento no nível do mar, em qualquer localidade, são muito mais complicadas que o derretimento do gelo e o aquecimento dos oceanos.

“As pessoas pensam no aumento global do nível do mar como uma banheira que enche e se esvazia”, diz Don Chambers, da Universidade do Sul da Flórida, especialista no uso de dados gravitacionais de satélites para estudo do nível do mar. Mas há diversos outros fatores que perturbam nossas vastas banheiras oceânicas. Alguns deles são causados pelos humanos, como a extração de água subterrânea ou a compactação de sedimentos pela expansão urbana, o que faz a terra afundar. Esse é o efeito responsável na costa do estado de Louisiana, onde as águas sobem dois centímetros e meio a cada dois anos em algumas partes.

As travessuras tectônicas, como nas ilhas Samoa, também são fator comum, embora os efeitos dependam da geometria das falhas, diz Jeffrey Freymueller, geofísico da Universidade do Estado de Michigan, que não participou do novo trabalho. Em muitos locais, o empurra-empurra tectônico causa levantamento em vez de subsidência. Por exemplo, Han monitorou alterações pós-terremotos tanto no Japão quanto na Nova Zelândia, e em ambos os locais elas apresentam um movimento ascendente há anos.

Mas, na região de Samoa e outros locais, a subsidência causada pelos terremotos é a grande preocupação, tendo em vista o aumento no nível do mar. Freymueller menciona um recente estudo publicado na Marine Geology que documentou um aumento considerável no nível do mar na Ilha Phuket, na Tailândia, após o terremoto de Sumatra-Andaman, de magnitude 9,2, em 2004. As águas da região subiram cerca de 12,5 centímetros até 2019 — efeito combinado das mudanças climáticas e do afundamento pós-terremoto.

Este último estudo enfatiza a necessidade de maior consciência e monitoramento contínuo para mitigar os possíveis efeitos dos megatremores, diz Wallace. No entanto, não é possível prever esses efeitos sobre o nível do mar antes da ocorrência do terremoto, uma vez que a própria previsão de terremotos é, em si, incerta.

“Pode ser um problema que de repente lhe cause uma azia na semana que vem”, diz Freymueller, “ou pode ser algo que não cause problema algum durante um século”.

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