Quem são as jovens líderes da greve pelo clima no Brasil

Seguindo os passos da sueca Greta Thunberg, jovens brasileiras protestam e se articulam por políticas contra a emergência climática.

Por Kevin Damasio
Publicado 20 de set. de 2019, 12:39 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Nota do editor: a reportagem foi alterada para incluir o discurso que Paloma Costa fez na abertura da Cúpula do Clima da ONU, na última segunda-feira (23/09).

A partir desta sexta-feira, centenas de milhares de jovens voltaram às ruas no mundo todo para demandar que os tomadores de decisão ajam com seriedade em relação à emergência climática. Trata-se da terceira Greve Mundial pelo Clima, movimento organizado pelo Global Climate Strike e endossado por Greta Thunberg, ativista sueca de 16 anos, e que durará de 20 a 27 deste mês. Em um Brasil devastado por taxas recordes e crescentes de desmatamento e queimadas na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica e no Pantanal, os atos acontecerão em pelo menos 49 cidades, espalhadas por todas as regiões deste país fundamental para o equilíbrio climático do planeta. (Confira a programação aqui.)

“Nosso movimento surge porque a ciência tem um recado para passar, e estamos aqui para fazer esse recado chegar às pessoas”, explica Nayara Almeida, de 21 anos, representante brasileira do Fridays for Future (sextas-feiras pelo clima), movimento aqui intitulado Greve pelo Clima Brasil. Para a ativista carioca, os cientistas alertam sobre as mudanças climáticas há décadas, porém o pouco que foi feito não é suficiente para reverter o cenário atual. Neste ritmo, as emissões de gases de efeito estufa podem representar aumento entre 3,7ºC a 4,8ºC na temperatura média global até 2100, conforme estimou em 2014 o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC).

Nayara ajudou a organizar as manifestações no Rio de Janeiro, que acontecem a partir das 10h em frente à Assembleia Legislativa, no Instituto Federal no Maracanã e na Praça XV de Novembro, onde fica o Ibama. Entretanto, ela participará do ato em Brasília, onde às 17h os manifestantes realizarão uma marcha de 12 quilômetros da Rodoviária Interestadual até o Congresso Nacional.

Nos passos de Greta

O apreço pela natureza surgiu na convivência com os avós, mas se transformou em rumo de vida no ensino médio, em 2014. Na palestra de um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na escola onde estudava, Nayara ficou chocada ao saber que muitas espécies poderiam simplesmente desaparecer em decorrência de eventos climáticos extremos, e que parte significativa dos seres humanos também não seria poupada. Mobilizada, ela ingressou em 2015 na mesma UFRJ, para cursar Ciências Biológicas com ênfase em Ecologia. Esperava tornar-se ativista só de entrar na faculdade, mas se deparou com um curso estritamente acadêmico. Então, ela passou a pesquisar alternativas para engajar-se na causa em paralelo ao bacharelado.

Nayara dedicou-se de vez ao ativismo climático quando integrou o Engajamundo no final de 2018, uma rede composta por mais de 1.500 jovens ativistas em todo o Brasil. Depois conheceu o Fridays for Future, surgido há cerca de um ano quando Greta Thunberg, aos 15, deixou de ir às aulas às sextas-feiras para protestar em frente ao parlamento sueco com a mensagem “Greve Escolar pelo Clima”. Além de Greta, a carioca se inspira em Jamie Margolin, ativista colombiana de 17 anos que hoje vive nos Estados Unidos e é um exemplo de como engajar a população na causa climática em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, sobretudo no Hemisfério Sul.

Antes de entrar no Engajamundo e entender como as coisas funcionam, eu pensava que ser ativista era uma coisa distante, que precisava ter algum diploma, me formar na universidade”, observa Nayara. “Hoje em dia, vejo que é só realmente ter vontade, uma inquietação, e botar pra fazer.”

A primeira Greve Mundial pelo Clima, que marcou o início do Fridays for Future no Brasil, aconteceu em 15 de março deste ano e foi articulada por secundaristas e universitários via redes sociais. A segunda, em 24 de maio, ajudou o movimento a se popularizar pelas cidades brasileiras e romper a bolha em que surgiu, observa Nayara.

“A gente conseguiu se fortalecer como uma rede. Temos uma articulação nacional do movimento. Quase todos os estados participam da greve, discutem o que devemos levar para frente, que parcerias podemos fazer”, avalia Nayara. “E pensamos na elaboração de projetos de educação climática, para passar às pessoas uma metodologia mais uniforme e adaptada à realidade de cada um. A causa climática tem que se popularizar ainda mais, por ser uma situação que afeta a todos.”

Nayara acredita que o ativismo climático jovem tem se difundido não apenas pela notoriedade alcançada por Greta, cotada para o prêmio Nobel da Paz. Transmitir o conhecimento sobre a emergência climática é importante, mas os eventos extremos cada vez mais recorrentes têm contribuído para conscientizar, na prática, a população global.

Em abril, chuvas torrenciais, cujas intensidades não haviam sido previstas, devastaram o Rio de Janeiro. “Dez pessoas morreram, a cidade parou por vários dias e ainda há marcas em alguns pontos da cidade”, lembra Nayara. “Então, acho que as pessoas estão sentindo na pele e percebendo que as mudanças climáticas estão ali na vida delas, que também podem ser afetadas por isso.”

Vozes da Amazônia

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    Em Manaus, no estado do Amazonas, acontecerá às 17h30 desta sexta-feira uma aula pública intitulada “Amazônia e Mudanças Climáticas”, no Largo de São Sebastião, além de outros atos espalhados pela cidade. O objetivo é esclarecer realmente para a sociedade o que está acontecendo, os motivos e quais efeitos já são sentidos no dia a dia.

    "A ideia é chamar as pessoas para mudar seus hábitos, falar mais sobre isso e pressionar os tomadores de decisão para que entendam que vivemos uma crise ecológica e climática global e precisamos parar o que temos feito, já que esse modelo não deu certo e não temos mais tempo”, observa Odenilze Ramos, de 22 anos e líder do movimento Somos Filhos da Floresta. “A vida inteira ouvimos falar que seríamos o futuro do Brasil, do planeta. Então, realmente acreditamos que o futuro chegou, e de um jeito que não deveríamos estar recebendo. Tudo que nós jovens não queremos é deixá-lo para a próxima geração.”

    Odenilze é ribeirinha do interior do Amazonas. Seu pai é pescador da comunidade ribeirinha Carão. Já a mãe é da reserva de desenvolvimento sustentável do Rio Negro, unidade de conservação onde Odenilze cresceu. Neste ano, ela mudou-se para Manaus para estudar Gestão Pública no Senac.

    Os impactos do desequilíbrio climático já são visíveis na Amazônia desde 2010, conta Odenilze. “Antes, tinham os meses de cheia e os meses de seca. Hoje já não temos como prever isso, porque um mês que era para estar secando está enchendo, o mês que era para estar enchendo está secando. Quando era para chover, não chove. Quando não é, chove. Está muito desregulado. E as pessoas percebem na prática, porque interfere na geração de renda, como em comunidades ribeirinhas, que trabalham com a pesca no período liberado, de março a junho. Fora o calor, que está cada vez pior.”

    Odenilze e outros 14 jovens de diversos cantos do Amazonas reuniram-se, em novembro de 2018, para discutir como agir pelo clima em novembro de 2018. Apesar de habitarem uma floresta tropical que já sente claramente os efeitos da emergência climática, a sociedade até então não havia se mobilizado de maneira significativa. Assim, surgiu o Somos Filhos da Floresta, inicialmente como manifesto. Em março deste ano, com a primeira greve global, os líderes do grupo decidiram transformá-lo um movimento.

    Na próxima semana, em meio à Greve Mundial pelo Clima, Odenilze estará nos Estados Unidos. Na Assembleia Geral da ONU, em 24 e 25 de setembro, o Somos Filhos da Floresta exibirá o documentário “Cipó de Jabuti”. O curta-metragem em realidade virtual aborda como a economia sustentável, aliada à preservação da natureza, tem transformado comunidades ribeirinhas no Rio Negro.

    “Quando falam em garimpo, desmatamento e tudo mais, o desenvolvimento nunca é para as pessoas que estão aqui nas unidades de conservação. Ele é para quem já está no poder e, de alguma forma, quer ganhar mais”, argumenta Odenilze. “Nesses últimos meses, principalmente, as pessoas voltaram a desmatar, voltaram a invadir unidades de conservação, com o discurso de que agora pode porque tem apoio. E é horrível. A violência aumentou muito, um índice que não existia e agora está existindo. Realmente foi uma mudança muito rápida e grande. É bem desesperador.”

    Debate na periferia

    Para Amanda Costa, o debate sobre a crise climática também está raso nas periferias. “É muito fácil visualizar a pobreza, mas ainda é difícil linkar que o aquecimento global potencializa essa desigualdade”, ela observa. “Só que a gente está buscando ferramentas, estratégias, alternativas e oportunidades para que todo esse debate, ativismo e ações possam englobar mais pessoas, e não fique restrito a uma pequena parcela da população privilegiada.”

    Ativista climática de 22 anos, Amanda sempre viveu no Jardim Almanara, extremo norte de São Paulo. O bairro fica ao lado do Parque Estadual da Cantareira. Entretanto, o contato com a natureza durante a infância dava-se apenas por visitas esporádicas a outro parque estadual, o Horto Florestal.

    No Ensino Médio, Amanda engajou-se em projetos sociais. Mais tarde, como estudante de Relações Internacionais na universidade Anhembi Morumbi, ganhou uma bolsa para participar da Conferência do Clima da ONU na Alemanha (COP-23), em novembro de 2017. Na volta da COP-23, resolveu que mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável seriam objetos de seu trabalho de conclusão de curso, além de norte para o rumo que deseja tomar na profissão.

    Em 2018, Amanda entrou para o Engajamundo, cuja delegação de jovens ativistas ela havia conhecido durante a COP-23. Logo, assumiu a coordenadoria do grupo de trabalho de Desenvolvimento Sustentável e também foi à COP-24 na Polônia, com outros dez jovens do “Engaja”. Este ano, Amanda está mais focada na questão das ODS e integra o GT Agenda 2030, coalizão de organizações da sociedade civil patrocinada pela União Europeia.

    “Enquanto eu entrei nesse debate pelo acaso de uma bolsa que ganhei quando tinha 20 anos, os jovens europeus já têm acesso a esse conhecimento desde que entram na escola, com educação ambiental e climática. E aqui no Brasil só teremos acesso se nós mesmos formos atrás dessas ferramentas, desse conhecimento”, diz a paulistana. Mas ela entende que a juventude brasileira quer fazer parte da solução, por isso não se furta a se informar, articular e arrumar formas de acessar os espaços de debates globais.

    Jovem disruptivo

    Na capital paulista, os atos acontecem no vão livre do Museu de Arte de São Paulo, a começar por uma aula pública à 13h. Já a concentração tem início às 16h. A greve acontece em um final de inverno tomado por uma forte onda de calor no país. Em 12 de setembro, o Instituto Nacional de Meteorologia registrou a maior temperatura de 2019 na cidade de São Paulo e recorde para um dia de setembro desde 1943: 35,9ºC. “Minha expectativa é que essa terceira greve mundial seja muito grande. Gostaria que saísse o estigma de que essa luta é para poucos”, diz Beatriz Pagy, 26, integrante da Coalizão pelo Clima SP e da Greve pelo Clima Brasil, que organizam o ato em São Paulo. Ela também é coordenadora de campanha e do grupo de Clima do Engajamundo e membro da Youngo, braço de organizações de jovens na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). “A juventude tem tido a coragem e a responsabilidade de assumir que está ruim, ao mesmo tempo que chamamos outras pessoas para a luta.”

    Beatriz descobriu as questões climáticas em grupos de estudo na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, onde se formou em 2016. Já no segundo semestre de 2018 decidiu engajar-se de fato no assunto. Realizou o curso Youth Climate Leaders em São Paulo e viajou para a COP-24, na Polônia.

    Beatriz considera desafiador o caminho para construir uma voz no debate climático, mas diz que o jovem precisa assumir um papel disruptivo. “Há 10 anos, quando a Youngo foi formada, não tinha esse espaço e ainda não é um lugar amigável para a juventude. A linguagem é técnica de propósito, as decisões são burocráticas de propósito. Quanto menos pessoas entenderem, menos virão reivindicar."

    Para Beatriz, o jovem ativismo climático tem ganhado força no Brasil. Em curto prazo, acredita que as cidades e os governos locais  necessitam abrir as portas para o diálogo, enquanto a sociedade civil já se mobiliza para deixar clara suas demandas. “Precisamos de orçamento para políticas de reflorestamento, de arborização urbana, recuperação de áreas degradadas, de mitigação, taxas e impostos sobre a emissão de carbono não só para grandes poluidores, mas para carros também, ou subsídio para quem queira instalar placas de energia solar em suas casas”, ela pontua. “O governo determina as regras do jogo, então precisamos ajudar a pensar em regras que mudem para um sistema mais sustentável.”

    Na última segunda-feira (23/09), outra jovem líder discursou na abertura da Cúpula do Clima, em Nova York, ao lado de Greta Thunberg e do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. Estudante de direito na Universidade de Brasília, Paloma Costa tem 27 anos, é coordenadora do Engajamundo, assessora do Instituo Socioambiental e do cofundadora do projeto Ciclimáticos. “A juventude está mobilizada, nós não vamos trabalhar com indústrias que desmatam, nós não ficaremos em silêncio. Já mudamos nossos hábitos, e vocês não estão nos acompanhando. Os povos indígenas possuem tanto conhecimento e conexão com nossa Terra, e nós ainda não damos ouvidos a eles. Eles se unem para proteger sua terra, por que não podemos fazer a mesma coisa e proteger nosso lar?”

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