Governo Trump promove ações de última hora que podem prejudicar vida selvagem e meio ambiente

Nos últimos dias do governo Trump, estão sendo tomadas decisões que podem prejudicar a vida selvagem e o meio ambiente. Saiba a opinião dos conservacionistas.

Por Douglas Main
Publicado 18 de jan. de 2021, 12:47 BRT
Vista da cordilheira central de Brooks, no Alasca, próximo ao Refúgio Nacional de Vida Selvagem do ...

Vista da cordilheira central de Brooks, no Alasca, próximo ao Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico. Em 6 de janeiro, o governo Trump fez acordos de arrendamento para perfuração de poços de petróleo nesta área de natureza selvagem preservada.

Foto de Kiliii Yüyan, National Geographic

NOS ÚLTIMOS quatro anos, a proteção ambiental e da vida selvagem nos Estados Unidos esteve sob ataque. O governo do presidente Donald Trump implementou uma campanha de desregulamentação, anulando ou enfraquecendo inúmeras leis e políticas que protegem espécies ameaçadas de extinção e o meio ambiente.

As políticas que prejudicam a vida selvagem incluem o cancelamento de um acordo complexo de conservação de tetrazes-cauda-de-faisão, aração de áreas de natureza selvagem para construção de um muro de fronteira e remoção dos lobos-cinzentos da Lei de Espécies Ameaçadas. “O governo Trump tem sido consistentemente prejudicial para a vida selvagem... desde o primeiro até os últimos dias”, diz Drew Caputo, vice-presidente de litígios do grupo de direito ambiental Earthjustice.

Esse padrão permaneceu até o último momento da presidência de Trump. Veja alguns dos principais acontecimentos ambientais que, em meio à pandemia, impeachment e agitação política, não receberam atenção suficiente, segundo especialistas.

O Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos não respondeu aos pedidos de comentário da National Geographic sobre o assunto.

Enfraquecendo ainda mais a Lei de Espécies Ameaçadas

Em 2019, governo Trump anunciou um conjunto de mudanças que enfraqueceram a Lei de Espécies Ameaçadas dos Estados Unidos, como a não proteção automática de espécies ameaçadas de extinção e a desconsideração do impacto das mudanças climáticas ao recomendar a conservação de espécies.

Contudo, no mês passado, duas ações adicionais tornaram mais difícil estabelecer o status de “habitats críticos”, que consistem em áreas geográficas específicas reservadas para a sobrevivência das espécies protegidas por lei, explica Caputo.

Uma das mudanças “reduz a área de habitat que pode ser protegida”, diz ele. Por exemplo, determinadas áreas afetadas pelos humanos e que precisam de recuperação podem não ser consideradas como habitat crítico. Uma outra alteração torna mais difícil definir o status de habitat crítico, alegando que os custos econômicos de fazê-lo são muito altos.

“Ao juntar tudo isso, há dois grandes fatores a favor da indústria e contra as espécies ameaçadas de extinção”, diz Caputo.

Rob Wallace, secretário-assistente do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, declarou que essas ações “trarão maior clareza e consistência à forma como a agência define um habitat crítico”.

Permissão de extração de madeira em habitats de corujas

Dificultar o estabelecimento de status de habitat crítico prejudica todas as espécies ameaçadas de extinção, afirma Caputo, mas algumas decisões recentes podem ser mais prejudiciais a determinados animais.

A coruja-pintada-do-norte, espécie ameaçada de extinção em âmbito federal, vive apenas em florestas antigas na costa oeste dos Estados Unidos. Em 13 de janeiro, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem anunciou que reduziu mais de 1,2 milhão de hectares de habitat crítico para as corujas, o que alguns temem que possa abrir caminho para a extração de madeira nessas áreas. A mudança foi um choque para muitos conservacionistas e diversos grupos indicaram que vão processar a agência se a norma não for alterada, o que eles esperam que aconteça sob o governo Biden.

“Cada passo dado pelo governo Trump reduz as chances de sobrevivência da coruja-pintada-do-norte”, diz Jamie Rappaport Clark, presidente do grupo conservacionista Defenders of Wildlife.

“Apesar de evidências científicas mostrarem que essa coruja está ameaçada de extinção, a agência se recusa a aumentar a proteção para a ave em risco.”

Matilha de lobos no Parque Nacional de Yellowstone, em Wyoming. Apesar dos animais dentro do parque estarem protegidos da caça, recentemente o governo Trump retirou a proteção sob a Lei de Espécies Ameaçadas de todos os lobos nos 48 estados contíguos dos Estados Unidos.

Foto de Ronan Donovan, National Geographic

Carcajus não incluídos na Lei de Espécies Ameaçadas

Existem apenas cerca de 300 carcajus no oeste dos Estados Unidos, em parte porque contam com reservas de neve cada vez menores para escavar, caçar e armazenar comida. Apesar de sua população estar muito baixa e do fato de que camadas de neve diminuem e desaparecem conforme o clima aquece, em dezembro o Serviço de Pesca e Vida Selvagem se recusou a classificá-los como espécie ameaçada de extinção.

A agência justificou sua decisão de não classificar a espécie, alegando que o predador está se proliferando em algumas áreas, que há neve suficiente para preservá-los e que eles não são geneticamente distintos das populações do Canadá.

Mas muitos cientistas discordam, e um grande consórcio de grupos conservacionistas está processando o governo.

“Carcajus mal estão aguentando, mesmo desconsiderando a ameaça adicional das mudanças climáticas”, declara Bonnie Rice, da campanha Our Wild America da Fundação Sierra Club, por e-mail.

Arrendamentos de petróleo vendidos no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico

O Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico, uma vasta extensão de habitat preservado na encosta norte do Alasca, é o lar de grandes populações de renas, ursos-polares e diversas outras espécies. Políticos travaram uma longa batalha pelo direito de perfuração de petróleo no local e, em 6 de janeiro, o governo Trump promoveu com êxito a abertura de uma venda de arrendamento de petróleo em mais de 404 mil hectares do refúgio.

Mas apenas cerca de metade dos arrendamentos foram comprados, e a venda trouxe uma fração da receita esperada. A maioria deles foi comprada pela agência estadual Alaska Industrial Development Corporation. As principais empresas petrolíferas não se envolveram.

Contudo os arrendamentos de petróleo não foram finalizados, e é possível que um processo judicial ou o governo Biden possa intervir para impedir futuras perfurações.

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    Baleia-franca-do-atlântico-norte fêmea e seu filhote. Restam menos de 400 desses animais gravemente ameaçados de extinção.

    Foto de Brian Skerry, National Geographic

    Ação insuficiente para salvar baleias-francas

    Após séculos de caça, menos de 400 baleias-francas-do-atlântico-norte vivem no nordeste dos Estados Unidos e no sudeste do Canadá. Desde 2017, diversas espécies gravemente ameaçadas de extinção morrem no que a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos chama de “evento de mortalidade incomum”. Causadas em parte por atropelamentos de navios e emaranhados com linhas de pesca, essas mortes são numerosas o suficiente para causar a extinção iminente, afirmam os conservacionistas.

    Em dezembro, o Serviço Nacional de Pesca Marinha dos Estados Unidos emitiu uma minuta de declaração de impacto ambiental e propôs normas para limitar a pesca e os limites de velocidade de veículos em algumas áreas onde as baleias-francas são encontradas. Mas Jane Davenport, advogada sênior da Defenders of Wildlife, diz que essas medidas não são suficientes.

    Essa “ação tardia [não] vai ser suficiente para ajudar a evitar que baleias-francas se emaranhem dolorosa e fatalmente em linhas de pesca e sejam atropeladas por navios”, diz ela.

    Conservacionistas solicitam medidas mais drásticas para prevenir a morte de baleias-francas, como altos investimentos em equipamentos para pescadores de lagosta que não prejudiquem as baleias e o fechamento de mais áreas para pesca e tráfego de navios.

    Novas partes do muro de fronteira sendo erguidas em Hidalgo, Texas, em 11 de janeiro de 2021. Mais de 724 quilômetros de muro de fronteira foram erguidos durante o mandato de Trump, a maioria deles com cerca de nove metros de altura e substituindo o arame farpado baixo ou barreiras de veículos, transformando a paisagem e causando danos ambientais.

    Foto de Photograh by Mark Felix, AFP, Getty Images

    A construção do muro de fronteira continua

    Em 12 de janeiro, o presidente Trump fez um discurso em Alamo, Texas, comemorando a conclusão de aproximadamente 724 quilômetros do muro ao longo da fronteira sul dos Estados Unidos. O muro, que continua a ser erguido rapidamente, transformou a paisagem, com a maior parte das fronteiras ao sul da Califórnia, Arizona e Novo México agora cercadas pelo muro de aproximadamente nove metros de altura.

    Anteriormente, a maioria dessas áreas de fronteira tinha apenas barreiras pequenas, como cercas de arame farpado ou barreiras para veículos. Mas o novo muro impede que grandes animais, como leões-da-montanha, migrem de norte a sul, o que impedirá o fluxo gênico e pode levar a extinções locais, diz Myles Traphagen, cientista conservacionista do grupo ambiental apartidário Wildlands Network. As armadilhas fotográficas de Traphagen já mostraram reduções significativas nas populações de animais no Refúgio Nacional de Vida Selvagem de San Bernardino, pântano desértico ecologicamente importante na fronteira no sudeste do Arizona.

    A construção de muros requer grandes quantidades de água — mais de 700 mil galões por quilômetro em alguns casos — o que drenou aquíferos já prejudicados do deserto. Biden disse que vai interromper a construção, mas ainda não está claro o que ele pode fazer para remediar os danos causados — alguns dos quais são irreversíveis.

    Vale próximo a Oak Flat, no Arizona, local considerado sagrado para os apaches.

    Foto de Russ McSpadden, Center for Biological Diversity

    Wendsler Nosie Sr. faz discurso em um comício próximo ao Capitólio dos Estados Unidos em 11 de março de 2020, em protesto contra a negociação de Oak Flat com uma empresa de mineração, o que está previsto para acontecer até o início de março de 2021.

    Foto de Matthew Sobocinski, USA Today, Sipa USA, Alamy

    Cessão do local sagrado dos apaches para mineradora

    Oak Flat, uma área montanhosa pitoresca na Floresta Nacional de Tonto, no Arizona, é considerada sagrada para muitos apaches ocidentais. Wendsler Nosie Sr., ex-presidente da tribo apache San Carlos, diz que a região é tão importante quanto o Monte Sinai do Egito — como um lugar de revelação divina. A área geral também abriga diversas plantas e animais, incluindo o cacto-ouriço, ameaçado de extinção.

    Em 15 de janeiro, o Serviço Florestal planeja divulgar uma declaração final de impacto ambiental, abrindo caminho para a cessão de Oak Flat para a Resolution Copper, uma empresa de mineração britânica e australiana. Se a mineração de cobre avançar, terá o potencial de destruir locais e artefatos culturalmente importantes, bem como emitir poluição que pode afetar a qualidade da água a jusante.

    Essa transferência de terras foi inicialmente autorizada por um adendo de última hora que o senador John McCain inseriu na Lei de Autorização de Defesa Nacional de 2015.

    Truta-de-lago capturada em uma rede de emalhar no lago Yellowstone. Redes de emalhar muito maiores são usadas na Califórnia, matando animais acidentalmente com frequência, incluindo tartarugas-marinhas, baleias e tubarões.

    Foto de Charlie Hamilton James

    Veto do projeto de lei bipartidário para proibição da rede de emalhar

    Na Califórnia, alguns pescadores ainda utilizam grandes redes de emalhar, que podem se estender por mais de um quilômetro de comprimento, para capturar animais, incluindo peixes-espada. Mas essas redes matam e ferem muitas criaturas indiscriminadamente, incluindo baleias, golfinhos, leões-marinhos, tartarugas-marinhas e tubarões.

    Essas redes não são utilizadas em nenhum outro lugar nos Estados Unidos. Em um raro esforço bipartidário, os dois partidos do Congresso aprovaram um projeto de lei para proibir redes de emalhar. O projeto foi enviado para assinatura do presidente Trump em dezembro de 2020. Em vez de assiná-lo, Trump vetou o projeto em 31 de dezembro.

    “É realmente desanimador — simplesmente não há razão para usar essa tecnologia obsoleta”, diz Davenport. “É uma pena que o Congresso tenha que propor outro projeto de lei.”

    Facilitando o extermínio de aves

    Desde 1918, a Lei do Tratado das Aves Migratórias tornou ilegal “perseguir, caçar, apanhar, capturar [ou] matar... de qualquer forma, qualquer ave migratória” sem permissão. Portanto, quando empresas matam aves acidentalmente, como em casos de grande importância, como o derramamento de óleo do navio Exxon Valdez, elas têm que pagar multas expressivas por isso.

    Mas o governo Trump mudou a forma de aplicação dessa lei. Em 5 de janeiro, o governo findou uma norma que estipula não processar ou multar empresas ou indivíduos por matar aves acidentalmente.

    Conservacionistas afirmam que essa norma enfraquece muito as proteções para aves em um momento em que muitas espécies estão em declínio.

    Qual o próximo passo?

    Alguns dos danos causados por essas ações provavelmente são irreversíveis, como a drenagem de aquíferos do deserto para construção do muro de fronteira.

    Conservacionistas estão esperançosos, no entanto, de que muitas dessas ações de última hora possam ser desfeitas por processos ou anuladas pelo novo governo Biden. Mas eles observam que isso vai levar muito tempo e esforço.

    “Qualquer mudança das ações do governo Trump será um progresso”, conclui Caputo. “Deixando de lado as hipérboles, [esse] tem sido o governo mais antiambiental desde os primeiros movimentos ambientalistas.”

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