Capim invasor devasta desertos dos EUA e serve de combustível para incêndios

Voluntários estão arrancando as perigosas gramíneas presentes em terras públicas por todo o sudoeste dos Estados Unidos.

Por Shaena Montanari
Publicado 29 de mar. de 2021, 07:00 BRT
Membro da equipe do Distrito Leste do Parque Nacional Saguaro arranca capim-buffel, planta não nativa que ...

Membro da equipe do Distrito Leste do Parque Nacional Saguaro arranca capim-buffel, planta não nativa que ameaça o Deserto de Sonora.

Foto de Norma Jean Gargasz, Alamy Stock Photo

Nos últimos anos, grandes extensões da paisagem do deserto nos parques ao redor de Tucson, Arizona, começaram a ficar bastante parecidas com pastagens. Esse é um grande problema.

O capim-buffel, capim perene da África adaptado ao clima árido, foi levado aos Estados Unidos na década de 1930 e plantado em todo o ArizonaTexasMéxico para controlar a erosão do solo e servir de pasto para o gado. Na década de 1980, começou a se alastrar pelo Deserto de Sonora — até mesmo em parques estaduais e nacionais — causando uma série de desequilíbrios ecológicos e servindo de combustível a incêndios florestais.

No Arizona, o problema é tão grave que o capim é oficialmente considerado uma erva daninha, mas o capim se alastrou por diversos estados, como o Havaí e a Flórida. Ele sombreia o solo à medida que se reproduz, impedindo que outras espécies vegetais cresçam.

O capim-buffel “invade um deserto intacto; não é preciso um desequilíbrio”, afirma Kim Franklin, cientista de pesquisas de conservação do Museu do Deserto de Sonora do Arizona, em Tucson. “O capim invadirá o Parque Nacional Saguaro e a Floresta Nacional Coronado e eliminará as plantas nativas.”

As terras públicas no sul do Arizona preservam o ecossistema importante do Deserto de Sonora e atraem milhares de visitantes por ano para realizarem caminhadas e desfrutarem de tempo livre. Muitos moradores da região decidiram agir e proteger a natureza — e seus lares.

Voluntários ao resgate

Cerca de 12 voluntários de todas as idades, incluindo adolescentes e aposentados, reuniram-se em uma manhã fria em um fim de semana no inverno para eliminar o capim-buffel de um pequeno trecho do Parque Estadual Catalina, um parque popular em Tucson com pouco mais de 2,2 mil hectares, que recebe mais de 200 mil visitantes por ano. Com longas picaretas metálicas nas mãos, os Catalina State Park Buffel Slayers (“Exterminadores de Capim-Buffel do Parque Estadual Catalina”, em tradução livre) passaram a manhã trabalhando duro sem muita conversa fiada. Não se ouviam conversas, mas o som de grunhidos suaves e pancadas de picaretas batendo em moitas de capim seco.

Touceiras retorcidas e cinzentas de capim-buffel com cerca de 30 centímetros de altura e 30 centímetros de largura cobrem a encosta rochosa como um tapete áspero, preenchendo os espaços vazios entre as pedras de granito e se aglomerando na base dos imponentes cactos-saguaros e arbustos verdes e frondosos de palo-verde. Um ramo verde no centro de cada planta revela um tênue sinal de vida em um monte de capim que, não fosse por esse ramo, pareceria seco.

O capim-buffel infestou esse trecho do parque. “Não existe nada pior do que ele”, afirma Joe Ciaramitaro, que se oferece para arrancar o capim há 10 anos, algumas vezes, mais de um dia por semana, pois já está aposentado.

O capim-buffel é difícil de eliminar. Existem duas principais linhas de defesa contra esse capim: pulverizações químicas e remoção manual. Os herbicidas fazem efeito apenas quando a planta está verde durante o verão, o que coincide com os dias mais quentes do deserto e, por isso, a extração manual do capim-buffel durante todo o ano se tornou fundamental para mantê-lo fora dos parques.

Perry Grissom, ecologista de restauração de ecossistemas do Parque Nacional Saguaro, conta que alguns estudiosos de espécies invasoras, como ele, podem “notar um colapso antes mesmo de acontecer, e a parte difícil é convencer os outros desse desastre”. Felizmente, voluntários da região ofereceram ajuda (visitantes também podem se inscrever nas atividades de extração de capim-buffel).

Cactos-saguaros gigantes se alinham em uma encosta nas Montanhas de Santa Catalina, no Arizona.

Foto de Robert Harding, Alamy Stock Photo

O sistema radicular do capim fica muito enraizado e precisa ser removido inteiramente para erradicar a planta, o que não configura uma tarefa fácil. Os voluntários precisam empunhar um pé-de-cabra ou uma picareta para retirá-lo completamente.

Ainda que uma planta seja eliminada, eventuais sementes restantes podem brotar durante anos e, por isso, até mesmo após a limpeza de uma área, é preciso retornar. Patty Estes, fundadora do grupo de voluntários Buffel Slayers que atua no Parque Estadual Catalina, afirma que “só sossegará após três anos”.

Os Buffel Slayers existem há cinco anos, mas os Sonoran Desert Weed Wackers (“Eliminadores de Ervas Daninhas do Deserto de Sonora”, em tradução livre) combatem o crescimento do capim-buffel no Parque das Montanhas de Tucson desde 2000. Kim Franklin conta que as iniciativas ininterruptas do grupo fizeram bastante diferença e mantiveram o problema sob controle no parque.

Os voluntários são bastante dedicados. Joe Ciaramitaro, que se diz “aficionado” por arrancar capim, é voluntário nos Weed Wackers, nos Buffel Slayers e, também, trabalha por conta própria. Ele afirma que arranca capim sozinho há sete anos em uma área de cerca de 24 hectares no Pima Canyon, em Tucson.

Combustível para incêndios

As plantas invasoras não ameaçam apenas espécies emblemáticas, sufocando-as, mas também podem fazê-las desaparecer como fumaça. Gramíneas exóticas crescem entre cactos, árvores, arbustos e rochas em um solo que normalmente seria desprovido de plantas. Com um tapete espesso de combustível extremamente inflamável, o fogo pode se alastrar facilmente após um relâmpago ou uma fogueira de acampamento sem supervisão.

“É uma grande ameaça aos recursos na região deserta do parque, sobretudo devido aos incêndios”, alerta Grissom. Ele explica que cerca de 90% do manejo de espécies invasoras combatidas por ele está relacionado ao capim-buffel.

Mas o capim-buffel não é o único capim prejudicial no sudoeste dos Estados Unidos, adverte Grissom. Outras gramíneas exóticas anteriormente plantadas em jardins ou utilizadas como pasto, como o capim-annoni e o capim-cevadinha, estão tornando o deserto altamente inflamável. Esses capins, junto com outras plantas invasoras, como a espécie Oncosiphon pilulifer, serviram de combustível a alguns dos maiores incêndios no Arizona nos últimos anos.

Em 2020, o estado enfrentou uma de suas piores temporadas de incêndios florestais em uma década devido a incêndios gigantescos, como o denominado “Bush Fire”, na Floresta Nacional Tonto, perto de Phoenix. Grissom esclarece que as plantas invasoras atiçaram as chamas desse incêndio de cerca de 80 mil hectares, o quinto maior na história do estado. Não é um bom sinal para o sudoeste dos Estados Unidos: pesquisas recentes mostram que o Arizona e o Novo México estão entre as primeiras colocações em um índice de vulnerabilidade em locais com alto risco de incêndios florestais.

“Historicamente, não existem incêndios em desertos”, observa Grissom. “No máximo, um ponto único pode queimar a cada 250 anos ou mais.” Queimadas controladas mostram que incêndios alimentados por capim-buffel alcançam temperaturas muito maiores e se alastram mais rapidamente do que incêndios normais do deserto.

“Os cactos-saguaros e os palos-verdes não evoluíram com incêndios. Não possuem nenhuma proteção contra as queimadas”, destaca ele.

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    O capim-buffel, espécie nativa da África, fornece combustível intenso a incêndios florestais, criando um risco de incêndios no deserto do sudoeste se não for controlado.

    Foto de Norma Jean Gargasz, Alamy Stock Photo

    A redução das plantas nativas é uma grande ameaça ao ecossistema e ao turismo da região. Segundo Franklin, levantamentos revelaram que, apesar do menor número de cactos-saguaros jovens hoje, como os cactos-saguaros podem viver por mais de cem anos, é possível que somente as gerações futuras percebam seu declínio.

    Para alguns dos voluntários, há uma clara motivação: as marcas do incêndio Bighorn Fire do ano passado permanecem visíveis, evento que fechou o Parque Estadual Catalina por um mês. Muitos se recordam do medo que sentiram quando o incêndio de cerca de 50 mil hectares ameaçou suas casas em regiões próximas.

    Além das marcas do incêndio, os sinais de sucesso também estão visíveis, basta procurar. Segundo Estes, algumas das áreas limpas por eles no Parque Estadual Catalina permaneceram livres de capim-buffel e agora estão repletas de flores silvestres, que nasceram com a primavera no país.

    Embora o capim-buffel nunca seja completamente erradicado no sudoeste — provavelmente ele cobre cerca de dois milhões de hectares apenas no estado de Sonora, no México — ainda há esperanças.

    “Não é possível erradicá-lo, mas podemos controlá-lo. Porque se não houver controle, essas florestas de cactos-saguaros incríveis serão perdidas”, adverte Franklin.

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