É possível hackear o DNA de plantas para combater as mudanças climáticas?

Usando a edição do genoma Crispr em algumas culturas comuns, uma equipe de cientistas de plantas e solos procura aumentar e acelerar o armazenamento de carbono das plantas.

Por Madeleine Stone
Publicado 23 de jul. de 2022, 07:00 BRT

A ecologista microbiana da Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, Jill Banfield (à direita), com os membros do laboratório Jack Kim e Bethany Kolody, estudam micróbios do solo em campos de arroz na Estação Experimental de Arroz em Biggs, Califórnia. Eles estão trabalhando para identificar os micróbios responsáveis ​​pelas emissões de metano, bem como aqueles que podem armazenar carbono no solo.

Foto de Andy Murdock Innovative Genomics Institute

Para evitar níveis perigosos de aquecimento global, cientistas dizem que apenas parar de queimar combustíveis fósseis que liberam carbono no ar não será suficiente. Como hoje é praticamente impossível para a humanidade fazer isso tão rápido, também precisaremos extrair carbono do ar e armazená-lo.

As plantas estão entre as melhores ferramentas que temos para fazer isso, pois, a cada ano, esses coletores solares vivos já capturam bilhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera por meio da fotossíntese. Cerca de metade desse carbono acaba nas raízes e, eventualmente, no solo, onde pode permanecer por centenas a milhares de anos.

Mas e se pudéssemos criar plantas e solos ainda melhores na captura de carbono? Com a edição de genoma Crispr – um novo e revolucionário conjunto de ferramentas de biologia molecular que permite aos cientistas fazer edições rápidas e precisas no código de DNA que sustenta toda a vida – isso pode ser possível.

No mês passado, o Instituto de Genômica Inovadora (IGI), um consórcio de pesquisa da área da Baía de São Francisco fundado pela pioneira do Crispr, Jennifer Doudna, começou a explorar a ideia a sério. 

Com uma doação de 11 milhões de dólares do Instituto Chan Zuckerberg, uma equipe de geneticistas de plantas, cientistas de solo e ecologistas microbianos embarcou em um esforço de três anos. Eles utilizaram o Crispr para criar novas variedades de culturas que fotossintetizam com mais eficiência e canalizam mais carbono para o solo. 

Eventualmente, os pesquisadores esperam criar sementes de arroz e sorgo editadas por genes que poderiam – se plantadas em todo o mundo – extrair mais de um bilhão de toneladas extras de carbono do ar anualmente.

Mudas de plantas editadas por genes crescem no Instituto de Genômica Inovadora, onde protocolos foram desenvolvidos para editar geneticamente mais de 30 culturas alimentares globais.

Foto de Benton Cheung Innovative Genomics Institute

É uma meta tremendamente ambiciosa, e a equipe provavelmente enfrentará vários desafios no laboratório antes que suas plantas de purificação de CO2 possam ser instaladas. Considerações sociais, políticas e éticas adicionais determinarão se essas culturas serão amplamente adotadas pelos agricultores. Mas os pesquisadores acreditam que seu ambicioso projeto atende à urgência da crise climática.

“A mudança climática é um problema sério”, alerta Brad Ringeisen, diretor executivo do IGI e principal investigador do projeto. “Está ameaçando o mundo inteiro. O Crispr pode ser usado para causar efeitos positivos no clima, e por isso vamos em frente.”

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    Aquecimento global: como as plantas sequestram carbono

    A capacidade das plantas de sequestrar carbono naturalmente começa dentro de minúsculos compartimentos celulares chamados cloroplastos. Lá, a energia da luz solar é usada para retirar elétrons das moléculas de água e adicioná-los ao dióxido de carbono, transformando-o em glicose, um açúcar simples. A planta, então, usa o carbono orgânico para cultivar novas folhas, brotos e raízes.

    Levou centenas de milhões de anos para a maquinaria bioquímica por trás da fotossíntese evoluir. Mas, nas últimas décadas, biólogos de plantas descobriram que o processo é surpreendentemente ineficiente. Por exemplo, quando está muito ensolarado, as plantas geralmente desligam as principais proteínas envolvidas na coleta de fótons de luz. Isso ajuda a garantir que eles não comprometam demais recursos para coletar a luz do sol quando outros fatores, como água e nutrientes, podem limitar seu crescimento.

    Mas não é necessário que as plantas façam isso, diz David Savage, biólogo de plantas da Universidade da Califórnia, Berkeley, e membro da equipe de pesquisa do IGI. Plantas, “você pode manter a fotossíntese no máximo” e transformar essa luz solar em carbono armazenado se os humanos garantirem que sejam bem irrigadas e fertilizadas, ele acrescenta.

    Durante anos, os pesquisadores tentaram melhorar a fotossíntese usando a engenharia genética tradicional – introduzindo pedaços de DNA de bactérias ou outras plantas, com características desejáveis, nos genes que codificam proteínas coletoras de luz, dentre outras soluções de engenharia bioquímica. A edição de genomas usando Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas Regularmente Interespaçadas, ou Crispr (na sigla em inglês), é diferente.

    Sistema que evoluiu naturalmente em bactérias para combater vírus, o Crispr é como uma tesoura molecular que os cientistas podem usar para fazer edições recortadas e coladas em todo o genoma de um organismo sem introduzir nenhum DNA estranho.

    Mais rápida e precisa do que as abordagens anteriores de engenharia genética, a edição do genoma Crispr abre uma porta para avanços rápidos. “Podemos começar a otimizar os caminhos [da fotossíntese] de uma maneira completamente impossível”, diz Savage.

    Trabalhando primeiro com células individuais, Savage e seus colegas usarão o Crispr para fazer milhões de pequenas edições genéticas no arroz, uma cultura que é relativamente fácil de manipular geneticamente hoje, em parte porque foi tão bem estudada pela engenharia genética no passado. 

    Os pesquisadores irão então rastrear as células em busca de mutações que possam tornar as etapas-chave da fotossíntese mais eficientes. Eventualmente, eles pegarão as linhas celulares mais promissoras e cultivarão plantas de arroz reais para ver como suas edições se comportam.

    Com base em estimativas publicadas anteriormente, Savage acredita que reunir várias edições genéticas benéficas poderia aumentar a eficiência da fotossíntese – e, portanto, a quantidade de carbono que as plantas de arroz capturam em seus tecidos – em 30% ou mais.

    Carbono precisa chegar abaixo do solo

    Para aumentar o sequestro de carbono nas terras agrícolas, porém, parte desse carbono extra precisa chegar abaixo do solo. Em uma pesquisa paralela liderada pela geneticista de cultivos Pamela Ronald, da Universidade da Califórnia, em Davis, os pesquisadores examinarão uma biblioteca de 3,2 mil cepas mutantes de arroz alojadas no IGI em busca de variedades com características de raízes benéficas.

     Isso inclui cepas de arroz de raízes longas que podem canalizar carbono para camadas mais profundas do solo, bem como cepas cujas raízes liberam mais moléculas pesadas em açúcar, chamadas exsudatos, que alimentam o crescimento de comunidades microbianas do solo. Uma vez que Ronald e seus colegas tenham identificado cepas de arroz com características de raízes interessantes, eles esperam usar a edição do genoma Crispr para otimizar ainda mais essas características.

    Wolfgang Busch, biólogo de plantas do Instituto Salk, que lidera a Harnessing Plants Initiative, um esforço separado para projetar culturas com maior potencial de sequestro de carbono do solo, diz que muitas características benéficas das raízes já existem na natureza. Sua equipe, por exemplo, identificou variedades naturais de sorgo que produzem mais e mais raízes. É “inquestionável”, diz Busch, que essas características podem ser manipuladas ainda mais usando Crispr.

    Mas Busch adverte que editar essas características de uma forma que produza benefícios inequívocos será um desafio. Manipulações genéticas que levam a resultados promissores em uma placa de Petri ou estufa podem não desencadear os mesmos resultados no campo, onde as condições ambientais são mais variáveis.

     As edições que oferecem vantagens específicas, como enraizamento mais profundo, também podem ter efeitos colaterais indesejados, como alterar o tempo de desenvolvimento da semente. Todas essas são questões com as quais os cientistas esperam lidar durante o processo de pesquisa. Busch diz que é importante levar isso em conta ao estimar quanto tempo levará para trazer novas sementes ao mercado.  

    “Basicamente, prevemos que a maioria das coisas que descobrimos na estufa e no laboratório falhará” em produzir os efeitos desejados no campo, pondera Busch. “A solução é identificar muitos deles para que alguns consigam passar.”

    Como aumentar o sequestro de carbono

    Se a engenharia de plantas para canalizar mais carbono no subsolo será um desafio, garantir que o carbono permaneça no solo a longo prazo mergulha o projeto em território científico desconhecido. “Essa é a parte mais difícil”, diz Ringeisen.

    Uma complexa comunidade de microrganismos e fungos decompõe o carbono que as plantas colocam no solo, transformando-o em uma enorme variedade de compostos diferentes. Parte desse carbono é combustível de queima rápida para micróbios, que o engolem e liberam dióxido de carbono de volta à atmosfera. 

    Mas outra porção do carbono não é tão fácil para os micróbios quebrarem, por causa de sua química, sua localização dentro de grandes partículas chamadas agregados, ou sua tendência de aderir às superfícies minerais. Essas moléculas formam um reservatório estável de carbono do solo que pode durar décadas ou mais.

    Os cientistas ainda estão tentando entender como a diversidade física, química e biológica dos solos molda esse reservatório estável de carbono. Os especialistas em solos da equipe de pesquisa do IGI esperam aumentar essa base de conhecimento e, em última análise, usar o que aprenderam para aumentar o sequestro de carbono.

    No lado da biologia, a ecologista microbiana da Universidade da Califórnia Jill Banfield e seus colegas usarão ferramentas de sequenciamento genômico para investigar os micróbios específicos e as características do ciclo de carbono no solo ao redor das culturas editadas pelo Crispr. Banfield diz que está particularmente interessada em procurar espécies microbianas que, como as plantas, usam dióxido de carbono diretamente para criar seu próprio alimento e aquelas que produzem polissacarídeos extracelulares – substâncias pegajosas e açucaradas que agem como cola, aumentando a formação de agregados do solo que aprisionam carbono. 

    O objetivo principal do trabalho microbiano, diz Banfield, é desenvolver “conhecimento fundamental sobre o que está acontecendo no solo” e como editar plantas com Crispr muda isso. Mas, no futuro, também pode ser possível projetar micróbios do solo diretamente. 

    A pesquisa que Banfield, Doudna e outros publicaram no início deste ano demonstra uma abordagem baseada em Crispr para fazer edições de DNA dentro de uma comunidade microbiana diversificada. Esse é um enorme avanço em relação à forma como a edição de genes microbianos funciona hoje: os pesquisadores devem primeiro isolar espécies individuais e cultivá-las em laboratório, um processo demorado e propenso a falhas.

    Ainda assim, é muito cedo para dizer se essa nova abordagem de edição da comunidade pode ser usada para melhorar os solos de alguma forma. “O solo é a fronteira final disso”, esclarece Ringesein. “Mas é algo que vemos como uma possibilidade.”

    Contando átomos de carbono

    Como a pesquisa microbiana está em andamento, a cientista de solo do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA, Jennifer Pett-Ridge, e seus colegas têm uma tarefa muito importante: contar átomos de carbono para garantir que todo o conceito, das células vegetais aos solos, realmente funcione.

    Ao colocar culturas editadas por genes em câmaras de crescimento especiais e inundá-las com CO2 contendo um isótopo raro e pesado conhecido como carbono-13, os pesquisadores poderão ver exatamente quanto carbono suas plantas estão absorvendo e para onde ele está indo.

    “Em cada um desses reservatórios, sejam folhas, raízes, exsudatos, células microbianas ou mesmo DNA microbiano, podemos ver o carbono-13”, aponta Pett-Ridge. “E podemos quantificar quanto foi adicionado e quanto acaba em cada reservatório.” 

    A equipe de Pett-Ridge também medirá um isótopo radioativo ainda mais raro conhecido como carbono-14, que pode ser usado para estimar a idade do carbono do solo e a rapidez com que está sendo ciclado.

    As técnicas de contabilidade de carbono de Pett-Ridge são “ferramentas realmente importantes, que precisam ser implantadas para mostrar a atribuição”, diz Jane Zelikova, diretora do Centro de Soluções de Carbono do Solo da Universidade Estadual do Colorado. Zelikova não está envolvida com o esforço de pesquisa do IGI.

    “Muitas pessoas estão fazendo alegações sobre o aumento do carbono do solo, mas há uma falta de evidências sobre a atribuição”, acrescenta Zelikova. “Você pode realmente mostrar que a solução que desenvolveu está causando impactos mensuráveis ​​nos estoques de carbono do solo e especialmente nas moléculas que tendem a permanecer por muito tempo? Fazer isso de maneira rigorosa é fundamental.”

    Benefício para o agricultor

    Se os pesquisadores conseguirem criar uma variedade de arroz editada por genes que aumente o sequestro de carbono do solo, eventualmente (e com mais financiamento) eles esperam fazer essas mesmas edições no sorgo, uma cultura alimentar básica na África e no sul da Ásia.

    Embora o arroz seja uma cultura útil para aprimorar técnicas de edição de genes, parentes com raízes mais profundas, como o sorgo, podem adicionar mais carbono às regiões do solo que têm a capacidade de absorvê-lo.

    Em última análise, os pesquisadores pretendem lançar testes de campo internacionais que colocam as sementes de arroz e sorgo editadas pelo Crispr nas mãos dos agricultores dentro de 10 anos – um cronograma ambicioso, que Zelikova diz “corresponder à urgência do problema e à escala em que precisamos encontrar soluções”. 

    A diretora de impacto público do IGI, Melinda Kleigman, diz que, idealmente, a equipe poderá oferecer aos agricultores sementes que não apenas melhorem o sequestro de carbono, mas também forneçam benefícios adicionais, como maior rendimento ou maior fertilidade do solo. “Não acho que teremos um programa bem-sucedido se tudo o que ele faz é sequestrar carbono”, acredita Kleigman. “É preciso que haja algum benefício adicional para o agricultor.”

    Mesmo que a equipe seja capaz de produzir sementes que proporcionem múltiplos benefícios, pode não ser fácil fazer com que os agricultores as adotem. “Os agricultores tendem a ser, como comunidade, um pouco resistentes a coisas novas e mudanças”, lembra Zelikova. “Eles querem ver as coisas realmente bem testadas e sem riscos, antes de implementá-las em seus próprios terrenos.”

    Organismos geneticamente modificados podem gerar desconfiança

    Alguns agricultores e seus clientes podem desconfiar de uma cultura que foi alterada usando a edição do genoma Crispr, ainda uma tecnologia muito nova. Embora as culturas editadas pelo Crispr não sejam necessariamente regulamentadas como organismos geneticamente modificados (OGMs) – um rótulo normalmente restrito a organismos que contêm DNA estranho – uma percepção semelhante de que são menos desejáveis ​​do que as culturas convencionais pode impedir a aceitação do público.

     À medida que a edição do genoma Crispr se torna mais difundida, é essencial que as organizações que a promovem sejam transparentes sobre como os organismos foram alterados, diz Kleigman. “Se as pessoas não querem isso em suas comunidades, devemos dar a elas a opção de optar por não participar.”

    Mas Kleigman suspeita que muitas comunidades vão querer culturas projetadas para combater as mudanças climáticas e prosperar em um mundo mais quente. “É minha opinião”, diz ela, “que vamos chegar ao ponto em que não haverá muitas outras opções disponíveis."

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