Como as ostras produzidas em Santa Catarina podem ajudar a limpar os mares

Responsável por mais de 90% da ostreocultura brasileira, a ilha onde fica Florianópolis é um exemplo de aquicultura ecológica.

Por Mauricio Susin
Publicado 27 de nov. de 2018, 07:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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O dia começa cedo para este ostreicultor no bairro de Sambaqui, em Florianópolis (SC). A sensibilidade das ostras à alterações ambientais obriga seus criadores a manter os mares limpos.
Foto de Mauricio Susin

Talvez mais que qualquer outro alimento, a ostra é capaz de produzir as mais variadas reações – de verdadeira adoração a profunda repulsa. O poeta francês León-Paul Fargue uma vez escreveu que “comer uma ostra é como beijar o mar nos lábios”. Pode-se imaginar, no entanto, que os primeiros humanos a comer ostras não tenham ficado tão entusiasmados quanto o poeta, pelo menos de início. Com uma casca dura como pedra, abrir uma ostra não é tarefa fácil, e, uma vez aberta, bem... a aparência mole e viscosa e a cor pálida não são das visões mais encorajadoras. Mas assim que esses humanos – certamente famintos – as provaram há milhares de anos, elas definitivamente entraram para o nosso cardápio.

No litoral brasileiro, indígenas já consumiam regularmente ostras e mariscos há milhares de anos. Sabemos disso através dos sambaquis, imensos depósitos de conchas feitos por esses grupos. Hoje, as ostras estão presentes na dieta humana em diversas partes do mundo e há uma demanda em crescimento. Sua produção faz parte da chamada Revolução Azul, que incentiva a produção de alimentos nos oceanos, em referência à Revolução Verde, quando novas tecnologias aumentaram a produção agrícola do mundo inteiro durante as décadas de 1950 e 1960. A aquicultura – criação de animais e plantas aquáticas – é, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a fonte de proteína animal que mais cresce no planeta.

Quase todas as ostras consumidas no mundo provêm de fazendas marinhas que utilizam o ambiente natural do mar para o cultivo. No Brasil, mais de 90% da produção nacional vêm de Santa Catarina, principalmente das fazendas da ilha de Florianópolis. Apesar de existirem espécies de ostras nativas de excelente qualidade, a exótica Crassostrea giga — ou ostra-do-pacífico — tem o maior valor comercial e é a mais cultivada no país e no mundo.

O pesquisador Cláudio Blacher, do Laboratório de Moluscos Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina (LLM/UFSC), explica que a giga encontra nas enseadas da ilha um ambiente ideal ao cultivo: “Aqui a ostra leva de seis a oito meses para ficar pronta para o consumo. Na França, um dos maiores produtores e consumidores dessa espécie, esse tempo é de até três anos. Isso se deve às condições oceanográficas da ilha que apresenta temperaturas mais quentes, menor profundidade das águas e, ainda, abundância de nutrientes”.

Mas, para se chegar a esses resultados, as ostras tiveram que se adaptar às águas brasileiras. “A espécie é acostumada às águas mais geladas do Pacífico, de onde é originária, e aqui teve que passar por um processo de seleção genética para resistir aos meses de verão, com águas mais quentes que as do Pacífico. Nos primeiros anos morria a maioria das ostras e criamos um banco de reprodutores, com aquelas que conseguiam sobreviver aos verões”, afirma Blacher.

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    Com a ajuda de pesquisas e melhoramentos genéticos feitos em laboratório da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a popularização da ostreicultura teve grande impacto socioeconômico nas comunidades de pescadores da ilha de Santa Catarina. A prática – orgânica e extensiva – ainda é uma maneira sustentável de produzir alimentos no mar.
    Foto de Mauricio Susin

    Dessa forma, o LMM aumentou a produção de sementes de ostras de 400 mil em 1997 para mais de 45 milhões hoje. Todos os anos, o laboratório distribui milhões de sementes aos ostreicultores da região, a cerca de R$ 35 reais por milhar.

    Após receberem as sementes, os produtores passam, então, a armazená-las numa espécie de berçário por algumas semanas até que estejam prontas para irem em definitivo para as lanternas – estruturas verticais de tela com vários compartimentos. As lanternas ficam submersas e atadas a um sistema de espinhéis e boias, também chamado de long line. Em outro método, elas ficam presas a um sistema de madeira conhecido por mesa fixa. Quando são finalmente colhidas, geralmente por duas a quatro pessoas em pequenos barcos, as ostras passam por um processo de lavagem e resfriamento no gelo antes de serem inspecionadas e, finalmente, enviadas, ainda frescas, a clientes de todo o país, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro. Via de regra, a iguaria é transportada por avião em caixas de isopor com gelo e precisam ser consumidas em até cinco dias.

    “Vendemos em média 15 mil dúzias de ostras todos os meses para restaurantes”, diz o ostreicultor Vinicius Ramos, 40 anos, proprietário da fazenda Paraíso das Ostras, em Caieira, no extremo sul da ilha de Santa Catarina. Sem dúvida, a produção de ostras teve um grande impacto socioeconômico nas comunidades da ilha, como Santo Antônio de Lisboa e Ribeirão da Ilha, onde muitos prosperaram. “Nossa vida mudou bastante com a produção de ostras. Passei de empregado a empresário, e hoje conto com 15 colaboradores. A geração de empregos fortaleceu as comunidades”, disse Ramos.

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    O pesquisador Claudio Blacher trabalha no Laboratório de Moluscos Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina, no bairro de Barra da Lagoa, em Florianópolis (SC). Utilizando melhoramento genético, o laboratório conseguiu aumentar a produção de sementes de 400 mil em 1997 para mais de 45 milhões hoje.
    Foto de Mauricio Susin

    O crescimento da ostreicultura, entretanto, está fortemente condicionado à sustentabilidade e preservação dos ambientes marinhos. Por se alimentarem através da filtragem da água do mar, principalmente do fitoplâncton, as ostras são extremamente sensíveis à qualidade da água e suscetíveis à poluição costeira. Embora limpem o mar, removendo elementos como o fósforo e o nitrogênio – poluidores quando em altas concentrações – as ostras também podem reter toxinas na carne, tornando-as impróprias para o consumo humano.

    Fenômenos naturais também devem ser monitorados. Em setembro de 2018, a chegada de uma maré-vermelha aumentou a quantidade de algas na região. As algas elevaram a presença de uma toxina diarreica nas ostras e obrigou a secretaria de Agricultura e Pesca de Santa Catarina a proibir a venda da iguaria por alguns dias. Uma agência do governo tinha detectado a presença da toxina durante um dos testes quinzenais.

    Por serem tão sensíveis, os ostreicultores se empenham na preservação do meio ambiente e não deixam de cobrar a fiscalização pelo governo. “Esse é o ponto mais crucial para nós, sem a manutenção da qualidade da água não há como manter nossa atividade. Os produtores sabem disso e a maioria tem bastante consciência ambiental”, acrescenta Vinicius. Como a produção é considerada orgânica por não usar aditivos químicos e ainda não ser intensiva, respeitando o ciclo natural da espécie, os impactos ambientais são minimizados, mas não inexistentes. Eles podem surgir do tipo de materiais utilizados no manejo e também do impacto paisagístico causado pelas boias e espinhéis.

    Com uma população mundial em crescimento, a aquicultura é amplamente vista como uma importante solução para impulsionar a produção sustentável de alimentos, aliviar a pressão sobre os ecossistemas oceânicos e gerar oportunidades de negócios e empregos. A Revolução Azul vem mudando nosso entendimento da produção de alimentos e uso dos oceanos. O Brasil, de grande dimensão costeira, vem desenvolvendo suas potencialidades aquícolas. Nesse contexto, Florianópolis se insere como um modelo de ostreicultura para o resto do país.

    Veja mais do trabalho de Mauricio Susin em seu site e no Instagram.

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