Ao longo da Muralha de Adriano, templos, torres e cultos da Roma Antiga ganham vida

Novas descobertas ainda estão surgindo da muralha de costa a costa que um dia marcou a fronteira do Império Romano.

Por Joe Sills
Publicado 17 de jan. de 2022, 12:05 BRT
Pontuada com os restos de um milecastle (pequeno forte), a Muralha de Adriano se estende por ...

Pontuada com os restos de um milecastle (pequeno forte), a Muralha de Adriano se estende por um terreno montanhoso perto de Haltwhistle em Northumberland, Inglaterra. Este ano, o marco romano completará 1.900 anos.

Foto de Nigel Hicks, Nat Geo Image Collection

Um dia, a Muralha de Adriano já marcou a extensão do Império Romano  na Britânia. Hoje é uma parada no caminho para a capital da Escócia, Edimburgo, ou para a maior cidade do país, Glasgow. As coisas mudaram nos últimos dois mil anos.

Mas a cadeia de 117 quilômetros de muralhas, valas, torres e fortes – que se estende por toda Grã-Bretanha , ligando o Mar do Norte e o Mar da Irlanda – continua a fascinar. Este ano, 1.900 anos após o início da construção, soldados vestidos com armaduras romanas patrulharão novamente sua extensão e os sons de instrumentos antigos flutuarão sobre seus muros.

O escritor Joe Sills e a arqueóloga Raven Todd DaSilva atravessam uma seção complicada da muralha, a leste de Sewingshields Crags. À direita, fica o Parque Nacional de Northumberland – lar dos rios mais limpos e dos céus mais escuros da Inglaterra.

Foto de David Guest

Atualmente, essas celebrações são um ótimo momento para visitar e um momento ainda melhor para caminhar por sua extensão. A atração mais popular da muralha, o extenso complexo da encosta do Housesteads Roman Fort, recebe cerca de 100 mil visitantes por ano. Porém, apenas 7 mil pessoas percorrem todo o comprimento da muralha anualmente.

O reinado do Imperador Romano Adriano (117-138 d.C.) coincidiu com o auge do poder romano. Imperador expansivo — o território romano atingiu sua maior extensão quando seu reinado começou — ele era conhecido como um construtor de monumentos, desde sua opulenta vila em Tivoli, perto de Roma, até as fortificações defensivas que marcavam as fronteiras de seu império: ambos são Patrimônios Mundiais da UNESCO.

Construída sob o reinado de Adriano a partir de 122 d.C., a muralha se estende pelos condados de Northumbria, Cumbria e Tyne, e Wear. Para os caminhantes, este marco perto da fronteira escocesa é a trilha perfeita para quem procura uma rota direta que mal precisa de um mapa. Guiado por cantaria e sebes, o seu caminho brilha com calçadas, prados, bosques e rochedos numa linha que vem sendo percorrida desde tempos remotos.

Entrando na vida antiga

O número relativamente pequeno de caminhantes da muralha nos dá uma oportunidade perfeita para se conectar com o passado distante em uma paisagem que, muitas vezes, se assemelha ao seu estado antigo.

Após a morte de meu pai por COVID-19, este cenário se tornou ideal para lamentar, relembrar e seguir em frente— como meu pai gostaria. Minha rota me leva ao longo dos 135 quilômetros do Caminho da Muralha de Adriano , uma Trilha Nacional do Reino Unido, partindo de Arbeia South Shields Roman Fort nos subúrbios costeiros de Newcastle chegando aos arredores pantanosos de Carlisle, em Bowness-on-Solway.

Vestindo botas resistentes e carregando uma mochila estofada, estou acompanhado da arqueóloga Raven Todd DaSilva. Juntos, partimos para refazer a rota da muralha de leste a oeste. Em vez de cartões-chave de hotel, carregamos tendas - um esforço para economizar dinheiro e ter um vislumbre das terras selvagens da muralha, como provavelmente se pareciam durante a época romana.

Ao percorrer uma trilha antiga, buscando novas descobertas ao longo de uma rota que formou a fronteira noroeste do Império Romano por quase 300 anos, descobrimos que não estamos sozinhos.

marco ganhou as manchetes no verão passado, quando uma nova seção do muro foi encontrada sob as ruas de Newcastle, um lembrete de que a vida moderna e nossas raízes antigas não estão tão separadas uma da outra. 

O penhasco perto de Crag Lough, próximo à Sycamore Gap Tree, era um mirante natural e fornecia fortificação contra as tribos celtas ao norte.

Foto de David Guest

A menos de 1,6km do St. James Park, estádio da Premier League Inglesa com 52.000 lugares, uma equipe de funcionários do sistema hidráulico que instalava tubos para o Northumbrian Water Group descobriu uma seção de 3 metros da Muralha de Adriano enterrada a apenas 60 centímetros abaixo do asfalto moderno. Por fim, o cano foi redirecionado e as pedras foram deixadas intactas.

A Muralha de Adriano ocupa uma posição interessante entre os Patrimônios Mundiais da UNESCO. Suas fortificações defensivas nunca se perderam no tempo; elas simplesmente se tornaram parte de novas comunidades que surgiram ao longo de seus contornos. As pedras do muro se espalham pelas fazendas próximas. Elas formam as fundações de capelas e estradas próximas.

“Normalmente, não é isso o que fazemos agora”, diz Todd DaSilva. “Nós separamos a história e a cercamos, mas as coisas nem sempre foram assim.”

Antes da Revolução Industrial, diz ela, a sociedade tinha uma relação diferente com seu passado. Antes do século 19, a história raramente era separada do presente, o que explica em parte porque a descoberta deste verão em Newcastle gerou tanto burburinho. Quando os romanos partiram por volta de 400 d.C., grande parte da muralha foi roubada por políticos regionais, generais e padres. Poucos vestígios visíveis permanecem nas áreas metropolitanas.

Mas longe da cidade, ao longo de uma acidentada cordilheira vulcânica conhecida como Whin Sill, grande parte da muralha ainda está em pé. Ao pé do cume, passa um desfile de ovelhas. Animais de fazenda e comedouros são familiares fora de Newcastle. Aqui, um caminhante deve desviar de fezes de vacas enquanto dança ao longo da orla de Roma por dias.

Explorando a tecnologia romana

Arcadas antigas, pilares de pontes e terraplenagem estão espalhados ao longo de nossa rota para o oeste. O progresso no caminho é lento e leva dias para a expansão urbana de Newcastle dar lugar a terras agrícolas e a campos.

De um pasto perto de Chollerford, Todd DaSilva corre pela chuva em direção a montes baixos e gramados que marcam a localização de um milecastle, um pequeno forte. Algumas horas depois, em um prado perto de Hexham, fazemos um brinde para comemorar quando os montes que marcam nossa jornada se transformam em fileiras de pedra na altura da cintura - nosso primeiro vislumbre verdadeiro da muralha.

Depois de três noites de acampamento e mais de 64 quilômetros de caminhada, o sol começa a brilhar sobre o campo inglês. Amanhece sobre o Templo de Mithras enquanto nossos pés pisam lá dentro.

Atores retratando soldados do exército imperial romano posam para uma fotografia no Forte Romano de Birdoswald, no norte da Inglaterra.

Foto de Oli Scarff, AFP/Getty Images

Construído por volta de 200 d.C., o chão sob nossos pés teria sido escondido do mundo exterior na época romana. Nesse santuário subterrâneo, soldados praticavam rituais de uma religião que chegou à Grã-Bretanha vinda do Oriente Médio. Sacrifícios e cerimônias aqui homenageavam o deus do sol Mithras, cuja aparência desgastada, uma réplica do original, agora enfrenta um céu aberto.

Mitra era cultuado pelos soldados e por isso, explica Todd DaSilva, o templo foi construído aqui, perto de um posto avançado do exército. Ela me conduz por uma fileira de colunas em direção a um altar do outro lado do templo. É o local onde a luz do sol penetrava para iluminar os altares que os artesãos deixaram para trás há muito tempo, o ponto focal das cerimônias no templo antes que os primeiros cristãos destruíssem o lugar por volta de 350 d.C.

Eu me ajoelho no altar e seguro a cruz de prata que meu pai segurou na ala hospitalar de coronavírus durante seus momentos finais. Eu observo suas incrustações turquesa enquanto elas brilham na luz da manhã. O ar aqui está parado e pesado. É impossível ignorar o peso do tempo nessas ruínas, e é também impossível ignorar que as pessoas sentadas aqui há dois milênios eram muito parecidas com as que somos hoje. 

Continuamos nossa caminhada e passamos por uma vaca curiosa, que nos observa enquanto discutimos as muitas maneiras pelas quais a vida romana explica nossa existência hoje, desde banheiros a moeda, linguagem, arte e projetos de construção que são claramente visíveis em toda a Grã-Bretanha atual.

“As pessoas que viviam aqui tinham encanamento”, diz Todd DaSilva. “Tinham fazendas com campos como esses. Tinham cozinhas onde assavam pão e tomavam banho com água quente. As crianças brincavam com brinquedos. Os adultos se comunicavam com cartas. Tendemos a pensar nos povos antigos como menos inteligentes do que nós, mas isso não é verdade. Eles apenas tinham recursos diferentes.”

As ruínas mais impressionantes do nosso caminho são a prova disso. Balneários extensos, incluindo os dos fortes Vindolanda e Chesters , apresentavam comodidades ainda cobiçadas nos spas de hoje. Pisos aquecidos, salas de massagem, vestiários e áreas de exercícios estavam à disposição dos clientes. Nenhuma ida à casa de banhos estava completa sem uma visita ao frigidarium, calidarium e tepidarium – salas para resfriar, aquecer e acalmar você.

Como muitos outros fortes romanos, Vindolanda tinha uma casa de banho para manter a limpeza e convívio. Vindolanda, perto de Bardon Mill em Northumberland, tem duas casas de banho que mostram evidências de que homens, mulheres e crianças passavam tempo lá.

Foto de Vindolanda Charitable Trust

“Você normalmente não sabe o que realmente existe sob seus pés”, diz Todd DaSilva. “Para mim, essa é a parte mais emocionante de ser arqueóloga. Nós tendemos a pensar que sabemos muito, mas há sempre algo esperando para ser encontrado que vai nos surpreender.”

Joias escondidas da Muralha de Adriano

Eu usei a cruz do meu pai no pescoço durante toda a trilha, de costa a costa. Seu peso delicado saltava sobre meu peito enquanto eu passava por fortalezas, incluindo Housesteads, Chesters, Vindolanda e Segedunum.

Esses são os fortes mais acessíveis ao longo do caminho, seus gramados estão bem cuidados e os museus repletos de visitantes saindo dos estacionamentos. Alguns usam capacetes romanos de plástico, outros bebem em copos com estampa da muralha.

Mas para Todd DaSilva e para mim, os destaques de uma semana passada nas sombras do passado são mais sutis do que os souvenirs.

São memórias de montes de terra enlameados em prados e relevos de pedra banhados pelo sol no Templo de Mitra. São momentos tranquilos na trilha, quando a linha entre o que vimos e o que as pessoas viram aqui há 2.000 anos parecia fina como papel. E eles incluem o local inesquecível do primeiro segmento selvagem da Muralha de Adriano, a poucos quilômetros das ruas de concreto onde essa antiga defesa está mais uma vez sendo notícia.

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