Mergulhe no negligenciado mundo dos animais de água doce
Embora componha menos de 3% da oferta de água da Terra, a água doce é lar de quase metade de todas as espécies de peixes.
Muito embora os ambientes de água doce, desde riachos até rios, sejam abundantes e contenham mais de 10 mil espécies de peixes, é possível que nunca tenhamos a chance de ver muitas dessas criaturas misteriosas, dado o declínio das populações. Atualmente, mais de 20% das espécies catalogadas estão ameaçadas ou já extintas. É por isso que David Herasimtschuk não fotografa peixes por mera diversão: ele é um fotógrafo profissional dedicado à conscientização e apreciação dos ambientes de água doce, bem como da vida selvagem que habita esses ecossistemas.
“Toda essa vida está desaparecendo e ninguém nem sabe que ela existe”, diz Herasimtschuk.
Herasimtschuk é fotógrafo e cinematógrafo da Freshwaters Illustrated, organização sem fins lucrativos sediada em Oregon que busca educar o público quanto aos ecossistemas de água doce e inspirar as pessoas a protegê-los. Ele trabalha há quase uma década com a Freshwaters Illustrated para documentar a vida dos riachos e rios em toda a América do Norte, desde as montanhas do Colorado até a Floresta Nacional de El Yunque em Porto Rico. Esses ambientes não representam somente o habitat de uma vasta gama de plantas e animais aquáticos; como também dão suporte a toda uma rede de vida terrestre, desde os pássaros que fazem ninhos em áreas ribeirinhas ou visitam essas áreas durante os percursos migratórios, até animais como os castores, que utilizam os rios para transporte, ou predadores que se alimentam de criaturas fluviais.
Os rios também são uma fonte primária de água potável aos humanos. Eles controlam as cheias; irrigam as plantações; são utilizados para energia hidrelétrica. Apesar do papel crítico que desempenham tanto para os humanos quanto na natureza, são frequentemente negligenciados.
“As pessoas sabem mais sobre o peixe-palhaço do recife de corais que sobre o peixinho que vive a 10 minutos da casa delas”, diz Herasimtschuk. “Eu basicamente exponho as pessoas a um mundo inteiramente novo, mas um mundo muitas vezes presente no próprio quintal delas”.
COMPORTAMENTOS ÚNICOS
Muitos locais que Herasimtschuk fotografou, como o sul de Appalachia, abrigam alguns dos mais diversos ecossistemas de água doce do mundo. A região contém cerca de 300 a 400 espécies nativas de peixes.
O sul de Appalachia é lar também do anfíbio favorito de Herasimtschuk: a hellbender, uma salamandra aquática gigante nativa da América do Norte. Herasimtschuk diz que, se você tiver paciência e ficar por perto dessas salamandras de meio metro, uma hora ou outra, elas interagem com você e "lhe aceitam no mundo delas". Foi assim que ele conseguiu tirar aquela que deve ser a única fotografia de uma salamandra dessas tentando comer uma cobra, o que rendeu a Herasimtschuk o prêmio de Fotógrafo de Vida Selvagem do Ano pelo Museu de História Natural de Londres. A cena foi inesperada, já que as hellbenders tendem a caçar presas menores. Quando a cobra se prendeu em volta da cabeça da salamandra, o anfíbio tentou reposicionar a mordida, dando à cobra-d'água-do-norte a chance de escapar.
Com suas lentes, Herasimtschuk já testemunhou muitos comportamentos raros, como a desova de carpas douradas e dos chamados Tennessee Dace, um espetáculo de cores. Ele já viu um caboz-de-água-doce passar dias procurando as pedras certas para construir seu ninho. Já nadou entre peixes-boca-de-jacaré, peixe ancestral que ele diz lembrar um "dinossauro aquático", e viu uma fêmea botar 30 mil ovos do tamanho de ervilhas—alguns deles ficando presos na câmera. E ele levou oito anos e precisou de milhares de tentativas para conseguir documentar devidamente o encontro dos tritões-de-pele-áspera para acasalamento, no Rio Willamette, em Oregon.
NA CHUVA
As condições climáticas podem influenciar significativamente o tempo que se leva para conseguir uma foto perfeita. Muitas espécies de água doce fazem a desova em áreas elevadas, durante a primavera e o verão, então é comum Herasimtschuk passar de oito a dez horas em água fria, batendo centenas de fotografias.
Ele afirma poder aguentar bem o frio com sua roupa de mergulho; o problema é a chuva, que acaba com a sessão de fotos. No mundo da fotografia em água doce, a precipitação é amiga e inimiga ao mesmo tempo. Por exemplo, a chuva atrai o salmão, porque os faz ir rumo à nascente. Mas também transforma a água num abismo lamacento. Não é a chuva em si que cria esse efeito, mas sim a poluição que é levada para a água durante a tempestade.
“Quando você vê essa água, que parece leite achocolatado entrando num riacho, você entende por que é impossível ver as criaturas”, diz Herasimtschuk. A EPA na verdade considera o sedimento o poluente mais comum em rios e lagos—cerca de um terço oriundo de erosão natural, embora a maioria se origine de erosão acelerada pela ação humana, como a construção.
Apesar da natureza rigorosa do trabalho, Herasimtschuk persiste, porque, um dia, pode não ser mais possível documentar esses animais. As represas dificultam o trajeto de certas espécies em importantes rotas de migração, e problemas como sedimentação e poluição destroem o habitat. Herasimtschuk já chegou a ver baterias de carro descartadas se decompondo no rio e áreas de proteção federal cheias de lixo.
Esse problema não é só da vida aquática; é bandeira vermelha também para os humanos. Animais como as salamandras hellbender são barômetros da saúde do rio. A presença delas em um rio é um bom sinal de que a água está limpa e potável. Mas essas salamandras estão começando a desaparecer, assim como muitos outros animais das fotografias de Herasimtschuk. Mesmo assim, ele espera que suas imagens eduquem as pessoas e as incentivem a dar importância.
“Muitas dessas espécies estão aqui já há milhões de anos, e foi só no último século que começaram a ser varridas do mapa”, diz Herasimtschuk.