Peixe que caminha no fundo do mar foi extinto. É possível salvar seus primos?

O peixe-mão liso foi declarado extinto – é a primeira vez que isso ocorre com uma espécie de peixe marinho.

Por Douglas Main
Publicado 1 de set. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
O peixe-mão manchado, criticamente ameaçado de extinção, vive no estuário do rio Derwent perto de Hobart, ...

O peixe-mão manchado, criticamente ameaçado de extinção, vive no estuário do rio Derwent perto de Hobart, na Tasmânia, e é ameaçado pelo aquecimento das águas e pela poluição. Seu parente, o peixe-mão liso, foi declarado extinto em maio.

Foto de Alex Mustard, Minden Pictures

Pela primeira vez na história moderna, uma espécie de peixe marinho foi declarada extinta. O peixe-mão liso (Sympterichthys unipennis), habitante de águas rasas, com barbatanas pontiagudas e uma saliência na testa parecida com uma barbela, não é avistado desde 1802, quando o biólogo francês François Péron ajudou a capturar um exemplar perto da costa da Tasmânia para levá-lo ao Museu de História Natural de Paris.

Apesar de extensas buscas ao longo de muitos anos, nenhum outro peixe-mão liso foi visto novamente. Em maio, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), um consórcio global de cientistas que determina o estado de conservação das espécies, formalmente o classificou como extinto.

Outras treze espécies de peixes-mão — que são chamados assim porque se apoiam no fundo do mar em nadadeiras que se parecem com pequenas mãos e fazem as vezes de pés — provavelmente ainda estejam por aí, embora sete delas não tenham sido avistadas desde 2000 ou antes. Todas as espécies, exceto uma, são consideradas ameaçadas, criticamente ameaçadas ou com “dados deficientes”, o que significa que não há informações suficientes disponíveis para definir seu status.

O desaparecimento do peixe-mão liso destaca o quanto essa família de peixes é sensível às perturbações ambientais, como mudanças climáticas, destruição do habitat e poluição, já que o peixe-mão liso era bastante numeroso quando os cientistas o documentaram pela primeira — e última — vez, mais de 200 anos atrás. Os cientistas dizem que esse marco serve como um alerta para o que pode acontecer com outras espécies de peixes-mão e outras espécies vulneráveis e localizadas em lugares como a Tasmânia.

“Eles são um sinal de alerta de que há um perigo iminente”, disse Neville Barrett, ictiólogo do Instituto de Estudos Marinhos e Antárticos da Tasmânia.

Assim como os outros peixes-mão, o peixe-mão vermelho possui barbatanas peitorais modificadas que lhe permitem “caminhar” no fundo do mar. Restam apenas duas pequenas populações dessa espécie.

Foto de Fred Bavendam, Minden Pictures

Cores vivas

“Se você nunca viu um peixe-mão antes, imagine mergulhar um sapo em uma tinta de cor vibrante, lhe contar uma história triste e forçá-lo a usar luvas dois tamanhos maiores do que o normal”, é assim que ele é descrito pelo  Handfish Conservation Project, liderado por um grupo de pesquisadores do governo australiano e instituições acadêmicas dedicadas à conservação dos animais.

O autor da descrição acima ainda é desconhecido, mas ela pegou, diz Jemina Stuart-Smith, ecologista marinha do Instituto de Estudos Marinhos e Antárticos da Universidade da Tasmânia e da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth.

Normalmente medem cerca de 15 centímetros de comprimento e acredita-se que a maioria dos peixes-mão viva apenas nas águas oceânicas da Tasmânia. Mesmo no oceano, cada espécie é encontrada apenas em alguns locais.

Eles também são mais “caseiros”. O peixe-mão geralmente não se dispersa por grandes áreas e seus filhotes não passam por uma fase móvel e abrangente como muitos outros tipos de peixes. “Eles têm uma estratégia que funciona de forma brilhante em um ambiente estável”, diz Barrett.

‘Conjunto perfeito’ de ameaças

Não se sabe exatamente qual combinação de fatores levou à extinção do peixe-mão, mas os hábitos caseiros desse peixe, sua distribuição geográfica limitada e a preferência por água fria o tornam especialmente vulnerável a perturbações ambientais.

Por exemplo, perto de Hobart, na Tasmânia, o escoamento e a poluição por metais pesados de várias indústrias degradaram a qualidade da água nos estuários ao longo da costa, o habitat predominante do peixe-mão manchado e outras espécies de peixe-mão, diz Graham Edgar, biólogo marinho também do Instituto de Estudos Marinhos e Antárticos. Isso preocupa os pesquisadores porque, segundo Edgar, “se eles se perderem em uma área, provavelmente não voltarão”.

A histórica pesca de vieiras, a destruição de recifes de ostras e a introdução de espécies não nativas nas águas da Tasmânia provavelmente também tiveram efeitos significativos na quantidade de peixes-mão.

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    Este é o único espécime conhecido de peixe-mão liso (Sympterichthys unipennis), coletado em 1802 e levado à França pelo biólogo François Péron.

    Image by CSIRO Australian National Fish Collection

    Provavelmente a maior ameaça, no entanto, seja o aquecimento das águas. O peixe-mão percorria uma área muito maior quando o clima era mais frio, diz Barrett. Agora, o aquecimento forçou muitas espécies, incluindo peixes-mão, alguns crustáceos, algas marinhas e muitos outros organismos marinhos que gostam do frio, a habitarem áreas cada vez menores. A Tasmânia é um ponto importante para o peixe-mão porque suas águas, embora quentes, são mais frias do que as do norte.

    Mas isso está mudando à medida que a corrente oriental da Austrália, que varre a costa de Brisbane a Sydney, tem empurrado as águas mais quentes cada vez mais para o sul, diz Barrett. A temperatura do oceano na Tasmânia subiu quase dois graus Celsius desde 1900, de acordo com o Met Office Hadley Center for Climate Science and Services.

    “É o conjunto perfeito de diferentes ameaças”, diz Edgar, e isso levou não apenas à extinção do peixe-mão liso, como também a uma “catastrófica perda de biodiversidade” ao redor da Tasmânia, com grandes declínios nas populações e áreas de vários peixes, moluscos, crustáceos, algas marinhas e outros organismos marinhos.

    Tais declínios podem passar despercebidos até que seja tarde demais, pois seus habitats ficam submersos e fora de vista e porque há falta de dados sobre suas populações, diz Edgar — como no caso do peixe-mão liso.

    Dados insuficientes

    Existem planos de conservação estabelecidos apenas para três espécies: o peixe-mão vermelho, o peixe-mão manchado e o peixe-mão-de-ziebell, que estão criticamente ameaçados de extinção. Atualmente, o peixe-mão vermelho recebe atenção especial porque existem somente duas populações conhecidas, ambas perto de Hobart, e acredita-se que restem menos de cem adultos, conta Stuart-Smith.

    Os planos para essas espécies enfatizam a necessidade de mais coleta de dados, prevenção da destruição do habitat e, em alguns casos, introdução de substratos artificiais para os peixes botarem seus ovos, em uma tentativa de substituir algas e ascídias (organismos filtradores em forma de tubo) que vêm sendo destruídas por estrelas-do-mar e ouriços-do-mar invasores.

    “Para as demais espécies, não temos as informações e os recursos necessários para implementar estratégias de conservação”, afirma Stuart-Smith.

    Como muitas espécies de peixes-mão são raras e difíceis de encontrar, também são complicadas de estudar. Mesmo assim, os pesquisadores continuam a procurá-las, usando novos métodos, como a busca de fragmentos de seu DNA no oceano. A pesquisa sobre reprodução em cativeiro também continua, diz Barrett, embora ninguém tenha conseguido fazer com que concluíssem um ciclo de vida completo em cativeiro.

    “Apesar de serem peixes tão carismáticos e peculiares... sabemos muito pouco sobre eles”, lamenta Stuart-Smith.

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