Destilado mezcal está cada vez mais popular — e isso é prejudicial para os morcegos

Consumo da bebida está atingindo níveis recordes e causando escassez da planta silvestre agave. Mas, segundo conservacionistas, há uma solução.

Por Di Minardi
Publicado 28 de out. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
O morcego-de-nariz-comprido-menor, importante polinizador de ecossistemas desérticos, é uma das três espécies de morcegos da América ...

O morcego-de-nariz-comprido-menor, importante polinizador de ecossistemas desérticos, é uma das três espécies de morcegos da América do Norte a se alimentar de néctar.

Foto de Tom Vezo, Minden Pictures

A bebida destilada mais antiga das Américas está de volta. Em 2019, as importações norte-americanas de mezcal dispararam mais de 50%, ultrapassando pela primeira vez o consumo registrado no México. É muito cedo para definir o impacto de 2020 nas vendas, porém a previsão é de que a indústria continue crescendo.

O aumento da demanda por bebidas artesanais também intensificou a pressão sobre a agave-azul, a planta da qual se origina o mezcal, no México. Isso gerou uma colheita excessiva das agaves antes da produção do néctar, colocando em risco o principal polinizador da planta, o morcego-de-nariz-comprido-menor.

Pequenos, porém robustos, esses mamíferos de 30 gramas voam mais de 1,2 mil quilômetro por ano, partindo de seus abrigos de inverno na região central do México até chegar nas cavernas utilizadas para a realização de partos ao longo da fronteira dos Estados Unidos com o México, em busca de cactos floríferos e agaves, uma grande planta com folhas pontiagudas encontrada no deserto. Os morcegos dependem do néctar de agave para se alimentar para a viagem de retorno, e as agaves dependem dos morcegos para polinização cruzada de suas flores e produção de sementes.

As agaves evoluíram para fornecer a maior parte de seu néctar após o anoitecer com a finalidade de atrair os voadores noturnos.

Os morcegos-de-nariz-comprido-menores já estavam em risco devido à perda de habitat, porém, graças aos esforços de conservação, já não fazem mais parte da Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção dos Estados Unidos de 2018, sendo a primeira espécie de morcego a conquistar isso. Reduzida para cerca de mil animais na década de 1980, a espécie se recuperou e passou para aproximadamente 200 mil indivíduos em todo o México e sudoeste dos Estados Unidos.

No entanto, a popularidade crescente do mezcal somada às mudanças climáticas, que fazem com que as agaves floresçam mais cedo, antes que os morcegos cheguem durante o período de migração, pode reverter essas conquistas, alertam os conservacionistas. Um estudo realizado em 2020 relatou que a espécie, que é considerada praticamente ameaçada de extinção pela União Internacional para Conservação da Natureza, está entrando em escassez novamente.

Mas alguns especialistas veem uma solução: colheita sustentável da agave, incentivando os agricultores a colher agaves de forma seletiva, deixando algumas para reprodução. As plantas morrem quando os colhedores removem sua pinha, cerne da agave e fonte de seu cobiçado açúcar, que é posteriormente destilada em álcool. Algumas organizações, como o grupo de base Colectivo Silvestre Sonora do México, estão trabalhando com empresas de bebidas alcoólicas a fim de incentivar a colheita sustentável, permitindo que algumas plantas floresçam exclusivamente para os morcegos.

Essas medidas são cruciais não apenas para os morcegos, mas também para preservar seu elo que mantém o ecossistema saudável como polinizadores, afirmou Jeremiah H. Leibowitz, diretor executivo da Cuenca Los Ojos, uma organização conservacionista localizada na fronteira dos Estados Unidos com o México.

“É uma região extremamente diferente do restante do mundo, mas também muito frágil”, disse Leibowitz. “Tudo precisa estar em equilíbrio para que dê certo.”

Toribio Hernandez caminha por seus campos de agave em Oaxaca, no México. Os agricultores colhem a pinha, rica em açúcar e considerada o cerne da agave, o que acaba matando a planta.

Foto de Alec Jacobson, Redux

Cem anos de uso excessivo

O mezcal recebe diversos nomes, derivados da região mexicana onde é produzido. Por exemplo, quando produzido no estado de Jalisco, recebe o nome de tequila, enquanto o mezcal produzido em Sonora é conhecido como bacanora. A tequila é popular há décadas, mas o interesse recente dos norte-americanos no mezcal em pequena escala também colocou, inesperadamente, a bacanora no centro das atenções.

“Toda essa cultura de bebidas alcoólicas renasceu e trouxe um interesse por bebidas artesanais, coquetéis artesanais, cerveja artesanal e destilados artesanais”, disse a especialista em mezcal Cecilia Rios Murrieta, fundadora das empresas de bebidas localizadas nos Estados Unidos La Niña del Mezcal e ŌME Spirits. “Eu acredito que o mezcal realmente se encaixa na definição de destilado artesanal.”

Quando os produtores de bacanora ampliaram a produção da bebida, descobriram que a indústria não era sustentável, em grande parte em função de uma lei centenária.

Em Sonora, em 1915, um governador excessivamente zeloso, talvez inspirado pelo movimento de proibição dos Estados Unidos, baniu a produção de bacanora. A indústria foi forçada a operar de forma clandestina e os produtores, impossibilitados de cultivar as plantas em seus próprios campos, colhiam agaves da natureza. A bacanora foi legalizada novamente em 1992, mas o hábito de utilizar plantas silvestres continuou.

As agaves florescem e espalham as sementes apenas uma única vez em seu ciclo de vida de 7 a 15 anos, passando uma década ou mais produzindo açúcar suficiente para cultivar um único caule florífero antes de morrer.

Como o sabor do mezcal é derivado desse açúcar, a melhor época para colher a agave é antes do crescimento do caule.

Após cem anos de colheita não regulamentada, observou-se um declínio preocupante na população de agaves em Sonora, e o desenvolvimento urbano e agrícola destruiu quase 50% do habitat total de agave nativa na última metade do século passado.

Bacanora sustentável

Produzir bacanora de forma que beneficie pessoas, morcegos e agaves é uma meta do Colectivo Silvestre Sonora, que agora faz parte de uma rede maior de organizações sem fins lucrativos, a Cenko, fundada pelas amigas Lea Ibarra e Valeria Cañedo em 2018, quando ainda estavam estudando biologia.

“Acreditamos que seria uma boa ideia conectar esses produtores de bacanora com polinizadores e morcegos”, afirmou Ibarra. Ela e Cañedo realizam parcerias com organizações sem fins lucrativos dos Estados Unidos, como a Borderlands Restoration Network e a Agave Restoration Initiative da Bat Conservation International, com a finalidade de aperfeiçoar as práticas de colheita. Elas também estão trabalhando com o governo do estado de Sonora para criar um programa de certificação de sustentabilidade denominado Bacanora for Bats (Bacanora para Morcegos).

Embora ainda em estágios iniciais, a certificação estabelecerá diversos requisitos para os produtores de bacanora, como limitação das quantidades e tipos de pesticidas utilizados nas agaves, cultivo de plantas a partir de sementes em vez de clones para promover a diversidade genética e a manutenção de uma determinada porcentagem de agaves floríferas nos campos para cada litro de bacanora produzida. Isso garante a alimentação dos morcegos e a reprodução das plantas.

Essas responsabilidades geram benefícios para os produtores, que receberão treinamento, orientação e poderão vender seus produtos por um preço mais elevado. O plano é atrelar a certificação ao processo de denominação de origem, portanto, se as marcas de Sonora quiserem chamar seu produto de bacanora, também deverão ser sustentáveis.

Carlos G. Maier, porta-voz da empresa produtora de bacanora Santo Cuviso, disse à National Geographic que apoiar o projeto Bacanora for Bats faz parte do seu plano de negócios. A empresa já começou a preservar agaves não colhidas para morcegos em sua fazenda com 17,3 mil acres, segundo ele.

Futuro promissor

Iniciativas semelhantes, como o Tequila Interchange Project e o Bat Friendly Tequila and Mezcal Project, incentivam os produtores de tequila a reservar 5% de seus campos de agave para que floresçam em troca de um rótulo que demonstre o esforço para conservação de morcegos em suas garrafas. Mais de 300 mil garrafas incentivando a conservação de morcegos foram produzidas por meio do programa voluntário. O Explorador da National Geographic Rodrigo Medellín, apelidado de Homem-Morcego do México, trabalhou com o Tequila Interchange Project, chamando-o de “um sonho que se tornou realidade” em uma entrevista anterior.

Mesmo assim, a indústria de tequila é “tão antiga e estabelecida” que muitas marcas têm resistido à adoção de novas práticas, observa Francesca Claverie, gerente do programa de plantas nativas da Borderlands Restoration Network, que financia o Colectivo Silvestre Sonora.

Ela está otimista de que a certificação Bacanora for Bats terá ainda mais sucesso, em parte porque a indústria de bacanora comercial é mais recente e está mais aberta a mudanças e porque o certificado viria do governo de Sonora, não de uma organização sem fins lucrativos.

“Trata-se da sobrevivência da indústria [de bacanora] como fenômeno cultural e econômico no estado”, afirmou Claverie. “E, felizmente para os morcegos, estão vinculados a ela como polinizadores primários.”

 

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