No Pantanal, cientistas colhem sêmen de onças para salvar populações isoladas

Material biológico colhido em campo já é usado para melhorar 'populações reservas' de onças em cativeiro. No futuro, um banco de sêmen e tecidos poderá servir para fecundar fêmeas na natureza, clonar indivíduos ou 'ressuscitar' espécies extintas.

Por Adele Santelli
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Publicado 27 de fev. de 2021, 07:00 BRT, Atualizado 27 de fev. de 2021, 16:39 BRT
O médico veterinário Thiago Luczinski avalia uma onça-pintada no Pantanal. Com a destruição dos habitats e consequente ...

O médico veterinário Thiago Luczinski avalia uma onça-pintada no Pantanal. Com a destruição dos habitats e consequente isolamento de áreas de reserva, as onças, que antes percorriam milhares de quilômetros, acasalam somente entre indivíduos de um mesmo grupo, o que reduz a variabilidade genética e tende a levar as populações à extinção. O manejo de material biológico entre indivíduos de diferentes regiões tenta reverter isso.

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Passo a passo – pesquisadores coletam sêmen de onça na natureza
Reportagem acompanhou o trabalho de cientistas que manejam material biológico de onças-pintadas para reverter a baixa variabilidade genética de populações isoladas, resultado da destruição de seus habitats.

É final de tarde no Pantanal Sul-Matogrossense quando a equipe do Instituto Reprocon aciona as armadilhas de laço para a captura de onças-pintadas, distribuídas em um raio de 12 km no entorno da base dos pesquisadores em Passo do Lontra, distrito do município de Corumbá (MS). Por causa da alta temperatura, as armadilhas permanecem fechadas durante o dia, evitando que animais fiquem presos e morram de hipertermia. Os laços são espalhados a cada quilômetro, especialmente em locais em que a presença de onças é mais provável, como barrancos de rios.

O objetivo da captura é coletar sêmen e outros materiais biológicos para compor o primeiro banco de germoplasma de onças-pintadas de vida livre do mundo. O motivo do trabalho: transferir genes entre populações de animais isolados por causa da destruição de seus habitats.

O maior felino das Américas costuma se deslocar por milhares de quilômetros para se alimentar ou reproduzir. A falta de conexão entre regiões preservadas – além de outros fatores como alterações climáticas, caça e tráfico – fez com que os animais sobreviventes passassem a acasalar somente entre indivíduos de uma mesma população, o que gera filhotes com menor variabilidade genética e, portanto, menos resistentes. Com o passar do tempo, a tendência é que essas populações isoladas sejam extintas.

“A gente acaba tendo esses problemas de endogamia e aí essa população tende a desaparecer com o tempo. A gente chama isso de vórtex de extinção’, explica a médica veterinária Cristiane Schilbach Pizzutto, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), presidente da comissão técnica de bem-estar animal do Conselho de Veterinária do Estado de São Paulo e membro do Reprocon.

Captura por um bom motivo

Desenvolvidas especialmente para esse tipo de pesquisa, as armadilhas impedem que o animal fique muito tempo preso, o que reduz estresse e desconforto, e são monitoradas continuamente por um rádio de ondas VHF desde a base científica da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) na região. Tudo isso é aprovado previamente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente responsável pela proteção da biodiversidade brasileira.

A região do Passo do Lontra, em Corumbá (MS), onde as fotos desta reportagem foram feitas, ainda carrega cicatrizes da temporada de incêndios de 2021, que dizimou uma área equivalente a mais de 10 vezes o tamanho da cidade de São Paulo

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Os pesquisadores Pedro Nacib Jorge Neto, à direita, Gediendson Ribeiro de Araújo, ao fundo, e Thiago Luczinski, navegam pelo rio Miranda segurando uma antena de ondas VHF em busca de uma onça-pintada com colar.

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    Presa à armadilha, esta onça-pintada foi capturada na região do Passo do Lontra. Logo depois, foi sedada, teve sangue e medidas colhidas e recebeu uma coleira para transmitir sua localização por satélite.

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    Instalados os laços, a checagem na base é feita de hora em hora, inclusive durante a madrugada, por pelo menos um pesquisador que fica de plantão à espera de um bip. Quando o sinal dispara, o grupo corre para o barco – eles levam rifle, materiais veterinário e de coleta biológica.

    Ao chegar ao destino, primeiro checam se o animal é uma onça, já que outros bichos às vezes se prendem na armadilha. Confirmada a captura, o trabalho é feito rapidamente para evitar que o bicho se estresse. Um dardo anestésico é disparado e em cinco minutos o animal vai ao chão. Por precaução, pesquisadores aguardam dez minutos antes de se aproximarem.

    Depois, preenchem uma ficha com informações básicas, como peso, sexo, idade aproximada pela coloração e desgaste dos dentes, temperatura corporal, frequência cardíaca, localização de captura do animal, entre outras. Através de um acesso em uma das patas é injetado soro, caso seja necessário administrar algum medicamento. A próxima etapa é a coleta de sangue e do material genético. Para realizar o trabalho da forma mais segura e confortável para o animal, o médico veterinário Gediendson Ribeiro de Araújo – professor do programa de pós-graduação da UFMS e presidente fundador do Reprocon – padronizou, em seu doutorado, uma técnica de colheita de sêmen. Trata-se de um protocolo anestésico que faz com que o animal durma e ao mesmo tempo libere o sêmen, chamada de colheita farmacológica.

    “Eu passo uma sonda na uretra e coleto esse sêmen, que é concentrado, muito bom de trabalhar”, disse Ribeiro de Araújo em entrevista à reportagem. “Antigamente, a gente coletava com uma técnica mais utilizada mundialmente, a eletroejaculação, que age por estímulos elétricos.”

    Quase todas as técnicas e aparelhos utilizados no procedimento foram desenvolvidos especificamente para coletar material genético em campo no Brasil, só assim seria possível pensar em um banco genético de animais de vida livre.

    “Foi necessário desenvolver alguns equipamentos portáteis, com bateria e autonomia de pelo menos oito horas, para poder trabalhar com a mesma qualidade que trabalhamos no laboratório”, explica Araújo. O sêmen, por exemplo, é analisado com um microscópio portátil acoplado a um tablet, que verifica a concentração e movimentação dos espermatozoides.

    A abordagem em campo dura cerca de 40 minutos. Ao final, é aplicada uma substância que corta o efeito da anestesia, e o animal acorda. Após análises iniciais, o sêmen e algumas amostras de sangue vão para uma pequena geladeira enquanto os profissionais correm para a base de pesquisas para guardá-lo em botijões de nitrogênio líquido antes que o material comece a perder qualidade, o que costuma ocorrer depois de quatro horas. Por causa da baixíssima temperatura, cerca de -196ºC, o material não tem prazo de validade, e poderá ser usado por décadas. Uma base de dados computadorizada auxilia na identificação de tudo que está congelado.

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      A armadilha laço prende o animal pela pata quando ele pisa sobre o acionador. O método é o mais seguro e menos estressante para o animal.

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      Armadilhas fotográficas para monitorar o movimento de animais na área também são instaladas junto às armadilhas laço. 

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      "As fêmeas poderiam ter seus óvulos coletados, mas a técnica de aspiração por laparoscopia, apesar de pouco invasiva em relação a outros tipos de cirurgias de reprodução, ainda requer adaptação para ser realizada em campo. "Mesmo assim, elas fornecem material significativo para o banco, como o sangue e, futuramente, tecidos para obter fibroblastos, o que permitirá a clonagem de indivíduos. Para isso, o grupo pretende desenvolver protocolos específicos para essa coleta.

      “Tanto o macho, quanto a fêmea são importantíssimos na conservação. E quando falo conservação é em vida livre, mas também a conservação em cativeiro, que chamamos de ex situ”, diz Araújo. “O ideal é capturar animais de vida livre, coletar esse material para termos no banco, mas também usar esse material para oxigenar a população em cativeiro.”

      Populações isoladas

      Para o ICMBio, iniciativas como o Reprocon, são positivas, sobretudo para populações extremamente ameaçadas como as da Caatinga e Mata Atlântica. “Os bancos genéticos para reprodução assistida podem ter papel relevante para conservação dessas linhagens regionais, que se encontram sob algum grau de isolamento”, disse um representante do órgão em entrevista à reportagem.

      “Isso é o banco: é ter amostra de animais. Amostras identificadas com os dados do animal, o local que foi coletado. Você pode, daqui 20 anos, descongelar esse material e usar para inseminar uma onça em vida livre ou em cativeiro. Já o sangue servirá para que o pesquisador de genética nos direcione para o melhor cruzamento a fim de revigorar os animais”, diz Ribeiro de Araújo.

      O trabalho para abastecer o banco é constante. A cada nova coleta, mais material é estocado e disponibilizado para utilização, conforme a necessidade de zoológicos e outros centros de conservação e pesquisa. Quanto mais indivíduos de diferentes localizações, maior a variedade genética armazenada.

      “O que o Reprocon vem fazendo em parceria com o pessoal da genética é buscar onças de diferentes biomas para ter um material genético do bioma Pantanal, do Cerrado, da Caatinga”, diz Pizzutto, pesquisadora da USP e do Reprocon. “Isso é muito importante porque quando a gente for fazer esses cruzamentos, essas inseminações, fertilizações in vitro, tem que saber muito bem de qual bioma é a onça e, portanto, o material. É um planejamento reprodutivo, um plano de manejo populacional.”

      Em 2020, 15 onças de vida livre foram capturadas para a coleta de material. Neste ano, os pesquisadores do Reprocon pretendem usar parte do sêmen coletado para inseminar fêmeas na natureza. Outra parte já foi usada para inseminar animais em cativeiro.

      Criadouros e conservação

      O trabalho do Reprocon tem várias frentes de atuação e pesquisa. Para montar o primeiro banco de germoplasma de onças-pintadas do mundo, os profissionais recorrem também a animais de zoológicos e cativeiros voltados para a conservação. No Pantanal, onde os felinos são capturados para coleta e congelamento de sêmen, o trabalho é realizado através de parcerias com o Passo do Lontra Parque Hotel e o Projeto Onças do Rio Negro. No Cerrado, onde se insemina fêmeas de cativeiro e de vida livre, com o Instituto Onça Pintada (IOP).

      Equipe do Instituto Reprocon avalia uma onça-pintada capturada e sedada no Pantanal Sul-Matogrossense. Para auxiliar no trabalho de colheita de material biológico em campo, foi necessário desenvolver equipamentos portáteis a bateria, como microscópios e transdutores de ultrassom.

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      O desgaste e a coloração dos dentes da onça, o felino com a mordida mais forte do mundo, permite estimar a idade do animal. Este tem entre sete e oito anos.

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      O professor Gediendson Ribeiro de Araújo segura uma amostra de sangue colhida de uma onça macho. Além do sêmen, o sangue também vai para o banco de germoplasma e servirá para o geneticista indicar o melhor cruzamento a fim de gerar filhotes mais fortes.

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      “Lá, fazemos a captura de onças de vida livre. Quando pegamos um macho, levamos para o cativeiro por um tempo”, conta Ribeiro de Araújo. “Nesse período, aplicamos hormônio nas fêmeas de cativeiro também do Cerrado e as inseminamos com sêmen desse macho de vida livre capturado. Logo depois ele é solto.”

      Uma das primeiras ONG’s brasileiras voltadas à conservação da onça-pintada, o IOP, fundado em 2002, já desenvolveu 17 projetos de campo em todos os biomas onde o animal ocorre – um total de 65 indivíduos já foram capturados na natureza para estudos de ecologia e movimentação. Desde 2009, o instituto mantém seu próprio criadouro – que hoje conta com 24 onças – para conservação ex situ da espécie.

      “O IOP funciona com o propósito estratégico de garantir, em longo prazo, um plantel reprodutivo e saudável da espécie”, explica Leandro Silveira, biólogo e presidente do instituto. “É necessário renovar o plantel, reproduzindo e garantindo o pareamento de animais com origem genética conhecida.” Segundo ele, todos os animais do criadouro são órfãos recuperados na natureza que perderam a mãe em conflitos com humanos.

      Ao todo, 20 filhotes já nasceram no Instituto Onça Pintada. De acordo com Silveira, o sucesso na reprodução se deve basicamente a dois fatores. Primeiro, o pareamento certo, que “significa colocar indivíduos juntos ainda jovens para que possam crescer e se aceitarem melhor”. Segundo, a gestão adequada das onças para obter sêmen de melhor qualidade e causar menos estresse às fêmeas. “[Isso] envolve manejar ao máximo os animais para que se acostumem com o cativeiro e também implica em criar os filhotes nascidos em cativeiro próximo aos manejadores, permitindo que tolerem seres humanos”, revela o biólogo.

      Tecnologia de produção de embriões

      Uma outra frente na conservação ex situ é a padronização e produção de embriões de onças-pintadas. No Cerrado, esse trabalho é feito pelo Instituto NEX-No Extinction, outro parceiro do Reprocon. A ONG utiliza hormônios para estimular fêmeas a produzirem óvulos, que são aspirados e congelados para, no futuro, gerar embriões em laboratório. Hoje, o NEX tem 14 onças em seu criadouro, todas ‘animais-problema’ – o nome que pesquisadores dão às vítimas de tráfico de biodiversidade e de outros conflitos com humanos que, na maioria dos casos, não poderão mais retornar à natureza pois podem morrer.

      Resgatados pelos órgãos ambientais competentes, “as onças do NEX vieram de vários lugares – Amazônia, Pantanal, Caatinga”, conta Thiago Luczinski, médico veterinário que atua no NEX e no Reprocon. “O caçador matou a mãe, e o filhote não tem para onde ir, por exemplo. Acabamos ficando com ele.” Mas o instituto também faz reintrodução de animais. No auge dos incêndios no Pantanal, em 2020, o grupo acolheu duas onças queimadas – uma delas, o macho Ousado, já foi solta. A outra, a fêmea Amanaci, teve queimaduras mais graves nas patas e foi tratada com células-tronco. O caso é um dos que melhor ilustra a importância de se combinar conservação ex situ com in situ.

      Com a onça já presa na armadilha, o professor Gediendson Ribeiro de Araújo a acerta com um dardo anestésico.

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      Filhote de onça capturado por armadilha laço no Pantanal. A avaliação de filhotes separados da mãe é, segundo os pesquisadores, o momento mais arriscado o trabalho. Enquanto tiravam medidas e colhiam material deste animal, pesquisadores relataram ouvir rugidos, provavelmente de sua mãe, nas proximidades.

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      Apesar das iniciativas bem-sucedidas, ainda são poucos os criadouros conservacionistas no Brasil, e muitos animais em cativeiro não são considerados uma população viável, ou de boa qualidade, para a reprodução.

      "Os zoológicos têm um papel crucial. Em outros países, são os principais mantenedores de programas de conservação em vida livre e cativeiro”, diz Araújo, do Reprocon. “Mas, aqui no Brasil, a gente não vê muito isso. Sempre trabalhamos em zoológico fazendo avaliação reprodutiva e, infelizmente, muitos animais são velhos, obesos, e estressados, o que prejudica a reprodução. Precisamos ter uma população de onças-pintadas em cativeiro geneticamente viável para dar suporte às populações de vida livre, principalmente as mais ameaçadas, como as da Caatinga e Mata Atlântica.”

      Segundo Pizzutto, “se um animal está em um cativeiro há muito tempo, a gente talvez não tenha uma genética tão boa se ele não foi bem manejado ao longo da vida”. A pesquisadora explica que a partir do momento em que um animal silvestre é retirado de seu habitat e levado para um cativeiro, com espaço e oportunidade restritos, é fundamental trabalhar técnicas de enriquecimento ambiental para transformar o ambiente artificial em um local confortável e seguro que o possibilite prosperar.

      "Mesmo quando os animais estão sob cuidados humanos, é possível fazer isso", diz Pizzutto, que cita o estímulo da caça como uma das técnicas para garantir boa qualidade de vida para animais predadores. “Trabalhar essas práticas de bem-estar é essencial, é uma obrigação. Nós não podemos mais abrir mão, aliás nunca deveríamos.”

      Onças-pintadas ameaçadas na Caatinga

      Na Caatinga, que já perdeu metade de sua vegetação original, vivem as populações de onças-pintadas mais ameaçadas de extinção do país. Estima-se menos de 250 indivíduos no bioma, onde a espécie é classificada como criticamente em perigo. Para conservar esses animais, o Reprocon planeja retirar indivíduos da natureza, de forma controlada e momentânea, e promover nascimentos em criadouro.

      “Essa manutenção em cativeiro pode ser temporária e os animais podem retornar para a natureza, se assim for necessário”, defende Pizzutto. “Acho que tudo isso tem que ser muito bem avaliado, não é uma decisão fácil de ser tomada e precisa ser analisada com vários órgãos responsáveis e competentes.”

      No entanto, o ICMBio alerta que ainda faltam estudos da ecologia e biologia de onças-pintadas da Caatinga para embasar um esforço tão arriscado.

      “Para um filhote ter sucesso de sobreviver no semiárido, ele precisa crescer com a mãe e aprender com ela a usar seu futuro território durante a época de seca, como encontrar os pontos de água, que ficam mais escassos, por exemplo”, disse o representante do ICMBio. “Pensando nisso, não há nenhum recinto artificial que possa representar a distribuição destas fontes de água para o filhote nascido em cativeiro e, muito menos, que substituirá o ensinamento materno de como enfrentar as altas temperaturas do sertão.”

      Desde 2014, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) estabelece diretrizes de manejo em cativeiro, ex situ, para a conservação de espécies, tanto de indivíduos retirados da natureza, quanto de nascidos em recintos conservacionistas. O relatório ressalta a importância do manejo ex situ como parte de um plano amplo de conservação que deve abranger outras estratégias.

      Pedro Nacib Jorge Neto analisa amostras coletadas em campo na cozinha do alojamento cedido aos pesquisadores do instituto Reprocon pelo Passo do Lontra Parque Hotel.

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      “Hoje só se fala de conservação integrada. A população de animais de fauna silvestre em cativeiro é muito grande, é um material muito valioso”, diz Pizutto, do Reprocon. “A IUCN criou essas diretrizes exatamente pensando na conservação integrada. Como zoológicos, aquários e criadouros podem ser essa ponte migratória entre indivíduos com genética diferente. E essa genética tem que vir do cativeiro, através das biotécnicas reprodutivas.”

      As diretrizes de manejo ex situ da IUCN são seguidas por instituições conservacionistas em todo o mundo e recomendadas por serem uma estratégia fundamental para se evitar a extinção de populações altamente ameaçadas. Silveira, do IOP, lembra do caso da ararinha-azul e o trabalho para introduzir indivíduos de cativeiro na natureza. “Uma espécie endêmica da Caatinga brasileira que só não foi definitivamente extinta porque havia indivíduos em cativeiro na Alemanha e Arábia Saudita”, diz ele.

      “Devemos pensar nos animais em cativeiro como um ‘seguro em um cofre de banco’. Caso os animais da natureza acabem, lançamos mão dessa ‘população reserva’”, completa Silveira.

      Zoológicos congelados

      O maior zoológico congelado do mundo, o Frozen Zoo, fica na cidade de San Diego, na Califórnia, Estados Unidos, e abriga mais de 10 mil culturas de células vivas, entre elas, espermatozoides, ovócitos e embriões. Isso representa mil grupos de espécies; inclusive uma já extinta, o Po´Óuli, pássaro endêmico do Havaí. O material, de valor incalculável para a conservação, é fruto do trabalho do Centro de Pesquisas para a Conservação Beckman, vinculado ao zoológico de San Diego, e, de tão valioso, conta com uma duplicata em outro local, como medida de segurança. O banco de germoplasma de San Diego já obteve sucesso na produção de filhotes de diferentes espécies de faisão por inseminação artificial. Utilizando técnicas desenvolvidas para a reprodução in vitro de gato doméstico, também foi possível gerar embriões em estágio avançado de guepardos. Além de pesquisas específicas sobre reprodução assistida de animais silvestres, o instituto também trabalha com biologia evolutiva e medicina da vida selvagem.

      Um dos maiores feitos do centro foi a fertilização de ovócitos de rinoceronte-branco-do-sul com a utilização de uma injeção intracitoplasmática de espermatozoide congelado por duas décadas. Essa subespécie de rinoceronte é classificada como criticamente ameaçada de extinção devido a caça furtiva no continente africano, movida pelo interesse em seus chifres, que são vendidos como remédios na Ásia apesar de não terem eficácia comprovada no tratamento de qualquer doença.

      O mais ambicioso projeto do instituto, o Genoma 10K, vai sequenciar, ao todo, o genoma de 10 mil espécies de todo o planeta. Os sequenciamentos de elefantes africanos, gorilas e preguiças-de-dois-dedos já foram finalizados. A ideia é melhor compreender a biologia de espécies ameaçadas e auxiliar processos de conservação e manejo na natureza. No futuro, será possível desenvolver uma rede internacional de criobancos, ou bancos de material biológico congelado, para compor um biobanco de vida selvagem contendo acervo de material reprodutivo e genético.

      Esses são apenas alguns exemplos do que as inovações tecnológicas e reprodutivas poderão, em breve, oferecer ao campo da conservação. Mais que nunca, esforços como esses surgem como esperança diante de um cenário de devastação no Brasil, que tem, como triste exemplo, as queimadas que destruíram mais de um terço do Pantanal em 2020.

      Fica o alerta: qualquer esforço da ciência não será suficiente sem um plano com estratégias reais de preservação. Onças-pintadas e tantas outras espécies só terão um destino seguro se diferentes frentes de conservação forem postas em prática. Isso inclui zerar o desmatamento, garantir que as florestas remanescentes permaneçam em pé, estabelecer corredores ecológicos para conectar trechos de mata isolados, restaurar áreas degradadas, combater a caça ilegal e o tráfico de biodiversidade e investir em educação ambiental para reduzir conflitos com humanos. Se não entendermos a necessidade de ações integradas, estaremos apenas enxugando gelo.

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