Trutas podem se ‘viciar’ em metanfetamina – e impacto na natureza seria desastroso

Novos experimentos laboratoriais demonstraram que drogas ilegais podem ter um impacto pouco conhecido em animais selvagens de água doce.

Truta-marrom em cativeiro nada em reserva na Lombardia, na Itália.

Foto de Franco Banfi, Npl, Minden Pictures
Por Carrie Arnold
Publicado 19 de jul. de 2021, 07:00 BRT

Traços de metanfetamina e outras drogas ilícitas que chegam aos cursos d’água podem causar a dependência de peixes, segundo novo estudo.

Experimentos laboratoriais recentes constataram que a truta-marrom, peixe comum nos rios do Leste Europeu, exposta à metanfetamina em concentrações como as encontradas próximo a estações de tratamento de águas residuais, mostrava sinais de dependência — como menor atividade — e abstinência. Na natureza, os peixes viciados em metanfetamina podem ter dificuldades para se reproduzir e encontrar alimentos.

“Fiquei surpreso com o fato de que os usuários de metanfetamina podem, sem saber, fazer com que peixes dos ecossistemas fiquem dependentes da substância”, escreveu por e-mail Pavel Horký, ecologista comportamental da Universidade Tcheca de Ciências Biológicas em Praga.

A dependência em metanfetamina, um estimulante sintético, é considerada uma das mais importantes ameaças à saúde global, alerta Horký, em parte porque pode levar a alterações de humor, paranoia, aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial e, em alguns casos, morte. Durante a pandemia e nos anos anteriores, o consumo de metanfetamina disparou nos Estados Unidos e na Europa: entre 2011 e 2018, as mortes por overdose de metanfetamina nos Estados Unidos aumentaram entre todos os grupos raciais e étnicos, de acordo com um estudo de janeiro de 2021.

Depois que o corpo de uma pessoa metaboliza a droga, ela é excretada nas fezes e na urina. As estações de tratamento de águas residuais removem muitos — mas não todos — contaminantes da água de esgoto antes de lançá-la de volta aos cursos d’água, que são afetados por todos os tipos de poluição hídrica.

Os resultados se baseiam em evidências crescentes de que muitos compostos artificiais encontrados em águas residuais — de cocaína e heroína a antidepressivos e pílulas anticoncepcionais — prejudicam ecossistemas, especialmente os de peixes, afirma Horký, cujo estudo foi publicado recentemente no periódico Journal of Experimental Biology. Por exemplo, a truta-marrom é uma presa vital para muitos predadores e as mudanças em seu comportamento ou população podem reverberar na cadeia alimentar.

Efeitos indiretos em trutas

Para sua pesquisa, Horký e seus colegas administraram água misturada com metanfetamina a 60 trutas-marrons criadas em cativeiro durante dois meses, enquanto mantinham outro grupo de 60 trutas como controle em um tanque sem drogas. Para simular as condições na natureza, os pesquisadores se certificaram de que os níveis da droga (um micrograma por litro) correspondiam aos níveis de metanfetamina documentados por outros pesquisadores próximo às estações de tratamento de águas residuais na República Tcheca e na Eslováquia. 

Nos primeiros dias após serem retirados do tanque com metanfetamina, os peixes se locomoviam menos, o que a equipe interpretou como estresse causado pela abstinência da droga. A análise do tecido cerebral indicou que os peixes que se moviam menos tinham maior teor de metanfetamina no cérebro.

Os pesquisadores também ofereceram às trutas de ambos os grupos a opção de entrar em uma de duas correntes de água: uma com metanfetamina e outra sem. As trutas expostas à metanfetamina preferiram nadar nas águas contaminadas com a substância, principalmente nos quatro dias após o fim do suprimento da droga. Com o tempo, a preferência das trutas do estudo por metanfetamina reduziu e se igualou à dos peixes do grupo de controle — um claro sinal de abstinência da droga, afirma Horký.

Interferências em ecossistemas de água doce

O estudo mostra que as águas residuais são uma rota subestimada pela qual as drogas podem prejudicar a vida selvagem, relata Emma Rosi, ecologista de ecossistemas do Instituto Cary de Estudos de Ecossistemas da Universidade da Geórgia e que não participou da pesquisa.

“A maneira como os animais aquáticos reagem a um antidepressivo é diferente da reação dos humanos, mas isso não significa que eles não apresentam uma reação”, explica Rosi.

Em um estudo, cientistas constataram que a cocaína nos rios europeus pode interferir na reprodução de enguias criticamente ameaçadas de extinção. Em Ontário, os peixes machos e jovens da espécie Pimephales promelas (vairão) expostos ao estrogênio sintético de pílulas anticoncepcionais não desenvolveram testículos, em vez disso, passaram a produzir ovos. Outros estudos descobriram peixes feminizados e rãs anormalmente hermafroditas devido a altos teores de substâncias químicas nas águas residuais.

Os animais silvestres dependentes de drogas podem optar por passar mais tempo perto de canos de esgoto ou escoamento — “o que perturba toda a ecologia do sistema”, diz Matthew Parker, neurocientista comportamental da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido. Por exemplo, peixes em movimento constante ajudam a distribuir nutrientes por todo o meio ambiente, tanto por meio de seus próprios resíduos quanto por atividades de busca por alimentos, portanto, ficar em um único local pode ocasionar um desequilíbrio geral.

Trutas selvagens ainda não foram estudadas

Como esses estudos foram realizados em laboratório — uma etapa necessária para entender os possíveis efeitos de uma substância química sob condições controladas, ainda não está claro como isso pode alterar o comportamento dos peixes em riachos na natureza, adverte Rosi. As águas residuais têm uma grande variedade de contaminantes e nutrientes que podem ter um efeito diferente em comparação com a metanfetamina isolada.

Mesmo assim, segundo Rosi, esses resultados devem ser uma motivação para que governos e grupos conservacionistas melhorem a saúde dos cursos d’água em todo o mundo, como testar e remover mais contaminantes, incluindo produtos farmacêuticos e drogas ilícitas.

“As estações de tratamento de águas residuais prestam um serviço público surpreendente”, afirma ela. “Se quisermos que prestem um serviço ainda melhor, precisamos investir em maneiras de lidar com os resíduos de forma mais eficaz.”

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