Antes ameaçadas, borboletas-monarca podem estar aumentando, sugere estudo controverso

Número de borboleta-monarca norte-americana, que esteve próxima de ser listada sob a Lei de Espécies Ameaçadas, ainda é abundante, de acordo com dados de ciência cidadã. Mas alguns especialistas discordam do método de análise.

Por Jason Bittel
Publicado 23 de jun. de 2022, 10:37 BRT
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As borboletas-monarca se reúnem na Reserva da Biosfera da Borboleta-Monarca, em Michoacan, México, parte de seus locais de invernada.

Foto de Jaime Rojo

Depois de vasculhar 25 anos de dados, uma equipe de cientistas chegou a uma conclusão bastante surpreendente: a população de borboletas-monarca parece estar aumentando.

Se for verdade, as descobertas podem reescrever a narrativa do inseto carismático, que foi definida por melancolia nas últimas décadas. Para ser claro, a espécie de borboleta-monarca, Danaus plexippus, ainda está prosperando, habitando uma ampla gama que inclui lugares tão diversos como o norte da África e o sudeste da Ásia.

Mas as populações de borboletas-monarca orientais na América do Norte são diferentes de seus parentes de outros países, porque a cada ano elas embarcam em uma migração maciça de áreas de verão no Canadá para florestas no sudoeste do México, onde passam o inverno.  

Nos últimos anos, a população invernada despencou, provavelmente como resultado do uso de pesticidas e da perda generalizada de plantas hospedeiras de borboletas, conhecidas como serralha, em toda a extensão de verão do animal no Canadá e nos EUA.

Segundo alguns relatos, essa população oriental diminuiu cerca de 80% nos últimos 40 anos. E as borboletas-monarca do lado oeste da América do Norte – que também migram, mas só vão até o sul da Califórnia – supostamente caíram 99% no mesmo período.

Com base nesses dados, em dezembro de 2020, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA anunciou que a subespécie da borboleta monarca norte-americana (Danaus plexippus plexippus) atendia aos requisitos de proteção oferecidos pela Lei de Espécies Ameaçadas. No entanto, devido a outros fatores, a agência se recusou a listar o inseto, com planos de reavaliar a situação em 2024.

Porém, a classificação não deve ser mais necessária, de  acordo com os autores de um novo estudo, publicado recentemente na revista Global Change Biology.

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    À esquerda: No alto:

    Em qualquer ano, há cinco gerações separadas de borboletas-monarca migrando pela América do Norte; um ciclo de vida tão complexo significa que contar monarca fora do México é uma tarefa difícil.

    À direita: Acima:

    Um detalhe de uma asa de monarca mostra as cores vibrantes que sinalizam aos predadores que o inseto é tóxico para comer.

    fotos de Jaime Rojo

    Quando o autor sênior Andy Davis, um ecologista animal da Universidade da Geórgia, nos EUA, e seus coautores vasculharam dados coletados durante a contagem anual de borboletas da Associação Norte-Americana de Borboletas (Naba, na sigla em inglês), eles descobriram que, embora a população tenha caído em alguns lugares, também aumentou em outros. E olhando para esses números gerais, os cientistas estimam que os ganhos compensam as perdas.

    Davis e seus colegas não são os primeiros a chegar a essa conclusão com base nos dados da Naba, mas a análise deles é a mais abrangente até o momento, comenta o pesquisador. O complexo ciclo de vida da monarca o torna particularmente difícil de monitorar, acrescenta.

    Em qualquer ano, há cinco gerações separadas de borboletas-monarca migrando pela América do Norte. Essa é uma das principais razões pelas quais os cientistas se concentraram nas colônias de inverno do México: é o único local onde os animais se reúnem em um só lugar, facilitando a realização de pesquisas.

    Mas focar em uma parte do ciclo de vida da monarca corre o risco de perder o quadro mais amplo – e é por isso que Davis e seus colegas recorreram aos dados dos cidadãos, que, segundo eles, fornecem uma estimativa confiável dos números do inseto.

    “Esta é uma situação louca, em que agora estamos pensando em listar uma das borboletas mais abundantes da América do Norte por causa de um problema de percepção, e não por causa dos dados”, ressalta o especialista. 

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        Borboletas-monarca sobem ao céu na reserva da biosfera em Michoacan, México. A espécie é especialmente vulnerável a pesticidas e perda de plantas nativas devido à agricultura.

        Foto de Jaime Rojo

        Procurando borboletas

        Todo mês de julho, a associação de borboletas, uma organização sem fins lucrativos com sede em Nova Jersey, reúne milhares de voluntários para procurar borboletas-monarca em círculos de 24 quilômetros de diâmetro, uma metodologia inspirada na contagem de pássaros de Natal da Audubon Society

        Esse esforço maciço garante que os dados sejam coletados de mais de 450 sites nos EUA e no Canadá, fornecendo um instantâneo anual incomparável dos números de borboletas-monarca para pesquisa científica. Nos últimos 25 anos, a abundância relativa de monarca norte-americana cresceu 1,36% ao ano. Além disso, observam os autores, de todos os locais monitorados pela Nabas, as borboletas-monarca são vistas em mais locais do que qualquer outra espécie de borboleta.

        “Gosto de dizer que tivemos as melhores estatísticas do ramo trabalhando neste projeto, e eles usaram as análises mais sofisticadas e atualizadas possíveis”, diz Davis.

        Ele acrescenta que dados nessa escala não seriam possíveis com base apenas nos esforços da universidade ou do governo.

        “Este projeto é uma espécie de história de sucesso, porque usamos seus dados para responder a uma pergunta de longa data sobre uma das espécies de borboletas que eles estão rastreando.”

        'Há sempre incerteza'

        Por mais crucial que seja o conjunto de dados da Naba, ele não é perfeito. Kathleen Prudic, bióloga da vida selvagem da Universidade do Arizona, nos EUA, que não esteve envolvida no novo estudo, diz que uma pesquisa científica tradicional dividiria um local em uma grade e garantiria que cada seção desta grade fosse analisada igualmente. 

        Transecto – caminho ao longo do qual se conta e registra ocorrências dos objetos de estudo – ou caminhar ao longo de um caminho definido, são outras maneiras de os cientistas quantificarem o número de animais em uma determinada área. As contagens do Naba, por outro lado, também não são regulamentadas, pois os voluntários não precisam trilhar os mesmos caminhos todos os anos.

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        “O estudo representa os dados que temos, e acho que os analisa bem”, diz Prudic. “Mas sempre há incerteza”, ele acrescenta, ao usar os dados da ciência cidadã para tirar conclusões sobre uma espécie tão complexa e abrangente.

        Emma Pelton, bióloga sênior de conservação da Sociedade Xerces para Conservação de Invertebrados, expressou preocupações semelhantes. A Xerces é uma das organizações que originalmente peticionou ao Serviço de Pesca e Vida Selvageme para listar a borboleta-monarca, em 2014.

        “Trabalhamos com uma tonelada de cientistas da comunidade, e este é outro exemplo das análises muito legais que podemos fazer quando as pessoas saem em busca de insetos”, diz Pelton, que também não participou do estudo. “No entanto, você tem que falar sobre as limitações."

        Ou seja, Pelton diz que as pesquisas carregam um certo viés, porque são conduzidas por pessoas que normalmente só saem um dia por ano, no pico do verão, para locais que são conhecidos por serem frequentados por muitas borboletas. Além disso, “não são aleatórios no espaço ou no tempo, nem representativos da paisagem”.

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        A maioria das borboletas-monarca vive apenas cerca de um mês, mas a quinta geração vive até oito meses — o tempo necessário para voar do Canadá para os EUA e para o centro do México.

        Foto de Jaime Rojo

        “E isso é realmente importante quando estamos tentando pensar sobre esse inseto migratório que pode estar em todos os lugares, essencialmente, nos 48 mais baixos”, acrescenta Pelton. Por exemplo, as borboletas-monarca também habitam áreas urbanas e agrícolas normalmente não incluídas nos transectos da Naba.

        “No geral, esses são autores respeitados e resolveram esse problema realmente grande com um conjunto de dados realmente sólido”, destaca Pelton. “Mas não acho que seja o conjunto de dados certo para chegar às perguntas que eles estão tentando responder."

        É por isso que nem Prudic nem Pelton acreditam que o novo estudo deve mudar a decisão do Serviço de Pesca e Vida Selvagem de que a espécie é garantida como parte da Lei de Espécies Ameaçadas, em parte porque muitas populações, como as do oeste da América do Norte, ainda estão passando por declínios.

        Matt Forister, entomologista da Universidade de Nevada, Reno, nos EUA, diz que, apesar das descobertas do artigo, “precisamos ser cautelosos ao tirar conclusões, especialmente quando você sabe que essa espécie em particular está em forte declínio em outras partes de seu ciclo de vida”.

        “Se esses declínios continuarem, você pode ter uma situação em que todas as borboletas-monarca restantes estarão agarradas a uma única árvore no México”, complementa. “Nesse ponto, bastaria uma tempestade para derrubá-las.”

        Georgia Parham, porta-voz do Serviço de Pesca e Vida Selvagem, disse por e-mail que a borboleta-monarca continuará sendo avaliada para o status de listagem a cada ano e, se ainda atender às condições em 2024, ingressará na Lista de Espécies Ameaçadas.

        'Bambi do mundo dos insetos'

        Os autores do estudo afirmam que os dados são sólidos e falam por si. “A principal diferença aqui é que fomos além de uma análise regional e fizemos um estudo em todo o continente”, destaca o líder do estudo Michael Crossley, entomologista agrícola e ecologista molecular da Universidade de Delaware, nos EUA. “E é aqui que começamos a ver, talvez, uma imagem mais completa de aumentos ao lado de diminuições.”

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          As borboletas-monarca possuem um gene especial para músculos altamente eficientes, o que lhes dá uma vantagem para voos de longa distância pelo continente.

          Foto de Jaime Rojo

          Davis acrescenta que é difícil para as pessoas mudarem sua percepção de que as borboletas-monarca estão com problemas, em parte porque é um “mito útil” para gerar doações para organizações sem fins lucrativos.

          Enquanto isso, das 456 espécies de borboletas rastreadas pela Naba durante o período de estudo, 320 espécies estão diminuindo e com maior necessidade de conservação, como a Callophrys irus e a Strymon avalona

          “A monarca é o Bambi do mundo dos insetos. Quando as pessoas ouvem que ela está com problemas, abrem suas bolsas”, conclui Davis.

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