Filhotes de jubarte no litoral de São Paulo são boa notícia para o ecossistema

Nos últimos anos, a espécie tem aparecido em números cada vez maiores no litoral norte do estado de São Paulo. Agora, registros de filhotes recém-nascidos sugerem que as jubartes estão reocupando espaços perdidos, um alento a todo ecossistema marinho.

Um dos primeiros registros de uma baleia Jubarte recém-nascida na costa de Ilhabela. O tamanho diminuto do borrifo indica se tratar de um animal com poucos dias. O nascimento de filhotes fora das áreas tradicionais de concentração reprodutiva da espécie, no sul da Bahia, vem surpreendendo os especialistas.

Foto de Luciano Candisani
Por Paulina Chamorro
Publicado 8 de jun. de 2022, 09:38 BRT, Atualizado 8 de jun. de 2022, 12:56 BRT

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Há pelo menos quatro anos o litoral norte de São Paulo vem surpreendendo por algo que era difícil imaginar no passado: um número cada vez maior de avistagens de baleias jubarte.

A cada temporada, pesquisadores, fotógrafos e navegadores que contribuem com a ciência cidadã tem acumulado dados comportamentais, cruzado informações e somado histórias e estudos para decifrar perguntas chaves. Por que chegam em maior número a esse trecho do litoral brasileiro? Do que se alimentam? Como contribuem para o ecossistema marinho da região?

Em 2021, no canal entre Ilhabela e São Sebastião, o projeto Baleia à Vista, que documenta e registra informações e imagens sobre os cetáceos, calculou 130 avistagens, mais do que o dobro de 2020.

Desde 1986, quando a caça foi proibida no Brasil, a população de baleias, em especial de jubartes, aumenta. Em 2009, eram cerca de 3 mil jubartes no Brasil. Hoje, estima-se entre 20 e 25 mil indivíduos, segundo levantamento do projeto Baleia Jubarte. Esse aumento tem levado as jubartes a reocuparem outras áreas para desenvolver suas atividades para além da região dos Abrolhos, tradicional ponto de reprodução das baleias no litoral sul da Bahia.

Em artigo publicado na revista Latin America Journal of Aquatic Mammals em abril, a bióloga Mia Morete – do VIVA Instituto Verde Azul, que mantém um ponto para observação científica de baleias em Ilhabela – e uma equipe de pesquisadores sugerem que as jubartes não estão apenas de passagem na região de Ilhabela, mas poderiam estar usando o sul do canal de São Sebastião como área reprodutiva.

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    Foto de Luciano Candisani
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    Baleia jubarte em salto diante da Ilha principal do arquipélago de Alcatrazes. As baleias jubartes são ...
    À esquerda: No alto:

    Baleia Jubarte na costa Sul de Ilhabela em um dia de vento e mar agitado. A espécie se concentra a cada ano em maior número ao redor de Ilhabela. Pesquisas tentam entender o padrão de comportamento dos animais na região para estabelecer as melhores práticas de conservação.

    À direita: Acima:

    Baleia jubarte em salto diante da Ilha principal do arquipélago de Alcatrazes. As baleias jubartes são conhecidas pela frequência de suas acrobacias acima da superfície do mar. Elas parecem usar esse recurso para a comunicação a distância.

    fotos de Luciano Candisani

    “No começo, imaginávamos que só veríamos baleias passando, mas vimos vários tipos de comportamento”, disse Morete em entrevista à reportagem. “Desde 2019, vemos fêmea com filhote, nascido na temporada. Não significa que tenha nascido nas águas paulistas, podem ter nascido em Santa Catarina e Paraná. Mas era uma mãe com filhote nascido na temporada em andamento. E grupos reprodutivos.”

    A primeira evidência de reprodução foi registrada pelo navegador e fotógrafo colaborador da National Geographic Luciano Candisani, ainda em 2018.

    “No lado sul da Ilha, acabei fazendo uma fotografia que trouxe informações muito relevantes do ponto de vista científico”, disse Candisani. “Eu fiz a imagem de uma baleia jubarte mãe, muito grande, com um filhote minúsculo. A imagem mostra os borrifos de respiração, de mãe e filhote. Levei esta imagem para a Mia Morete e, quando ela bateu os olhos, disse: ‘Isto é um filhote recém-nascido.'” Trata-se da imagem que abre esta reportagem.

    A foto é uma das principais evidências contidas no artigo publicado por Morete. Outros registros posteriores reforçam a possibilidade de uma nova história nas águas paulistas. Mas as amostragens ainda são poucas para dizer que o canal de São Sebastião já é um local de reprodução das jubartes.

    Ciência cidadã

    “A nossa teoria é de que elas estão a caminho de Abrolhos. De repente, dão à luz antes de chegar lá e vão procurar áreas um pouco mais abrigadas para terem os filhotes”, disse Júlio Cardoso, navegador e idealizador do projeto Baleia à Vista, em entrevista à reportagem. “Esse fenômeno de filhotes nascendo aqui faz parte do processo normal delas. [Daqui], faltam ainda 500 milhas náuticas para chegar na região do banco dos Abrolhos.”

    Cardoso registra em imagens a costa paulista há 20 anos e possui um dos maiores acervos sobre a presença de cetáceos na região. Essa contribuição por parte de navegadores e fotógrafos, a maioria amadores, tem ajudado a ciência a compreender essas novas dinâmicas no litoral brasileiro.

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        Foto de Luciano Candisani
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        À esquerda: No alto:

        A Ilha das Cabras, no canal de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, vem sendo protegida da pesca e caça submarina marinho há muitos anos e se tornou uma referência para a prática do mergulho. O local surpreende pela diversidade e abundância de espécies marinhas, como essa tartaruga-verde.

        À direita: Acima:

        O golfinho-pintado-do-atlântico é uma das espécies de cetáceos que pode ser vista com frequência nas águas ao redor de Ilhabela.

        fotos de Luciano Candisani

        Esses registros são fundamentais e, quando catalogados, são exemplos de ciência cidadã. No caso das baleias, as pessoas podem contribuir com informações sobre avistagens de espécies e ajudar a engordar o banco de dados. E os cientistas cidadãos já podem ficar atentos: a primeira jubarte da temporada 2022 foi avistada em 8 de abril, um dia antes da primeira avistagem de 2021.

        “Todas as baleias que identificamos aqui mandamos para o Happy Whale, a maior base mundial de dados sobre baleias”, explica Cardoso. “Já temos um trabalho grande lá, é uma ferramenta muito importante.”

        Uma das questões que os pesquisadores buscam responder é sobre a saúde dos animais. “A grande maioria das baleias que a gente avista do nosso deque de observação estão muito magras”, diz Morete. “Baleias jovens, muito magras e marcadas. Acrescentamos isso na nossa ficha de campo com estas informações, para poder começar a ver a porcentagem de animais [magros].”

        Ainda não há resposta para essa pergunta, mas entre as hipóteses levantadas estão dois fatores combinados: o encolhimento das camadas de gelo na Antártica e a diminuição do krill, o pequeno crustáceo que é base da alimentação de várias espécies, incluindo de baleias.

        A presença crescente de baleias no litoral paulista não é boa notícia apenas para os cetáceos, mas para toda a biodiversidade desse trecho da costa.

        “Quanto mais baleia, mais elas comem. Nas fezes delas vem nitrogênio e ferro, e isso é nutriente para o fitoplâncton, que faz a fotossíntese, que capta o carbono da atmosfera”, explica Morete. “O fitoplâncton é o alimento para o zooplâncton, que, por sua vez, é a comida da baleia e de pequenos peixes. E assim roda todo o sistema.”

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          O Hiva Oa ancorado na Ilha das couves, em Ubatuba. A bordo desse veleiro oceânico, o fotógrafo e navegador Luciano Candisani percorreu o litoral paulista em busca de uma interpretação da diversidade marinha da região.

          Foto de Luciano Candisani

          Fotografia para ciência

          Parte dessa diversidade biológica foi registrada pelo fotógrafo Luciano Candisani, que navegou pelo litoral norte paulista sozinho, por um mês, a bordo de seu veleiro Hiva Oa. Ele saiu de Ilhabela e foi até o sul do estado do Rio de Janeiro. A viagem rendeu fotos de corais, golfinhos, raias, atobás, entre outras espécies.

          O resultado está no livro Atlântico Paulista, carta de navegação pela biodiversidade, editado em parceria com o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e o projeto Coral Vivo. A foto da mãe e filhote de jubarte estampa a capa.  

          Em maio deste ano, a reportagem embarcou novamente no Hiva Oa em busca das baleias, mas sem sucesso. Ainda assim, o veleiro tem sido uma ferramenta importante para monitorar esse pedaço de oceano em São Paulo.

          Estar em campo, ou melhor, na água, com o olhar permanente de documentação das transformações, pode também trazer grandes surpresas, como a resiliente biodiversidade subaquática.

          “Com esse trabalho, quero enfatizar e reafirmar a importância ambiental do litoral de São Paulo, que a gente chama de Atlântico Paulista”, diz Luciano Candisani. “Apresentá-lo com sua biodiversidade, seus mecanismos geológicos e biológicos interagindo.”

          Esponjas, algas, corais, petréis, correntes marinhas, sedimentos costeiros, vento, baleias, tubarões, tartarugas, Mata Atlântica – olhar para o Atlântico Paulista hoje é olhar para todas essas dinâmicas relacionadas.

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