Por que essa subpopulação de ursos polares recém-identificada é tão especial?

Esses ursos geneticamente e geograficamente isolados sobrevivem mais tempo sem gelo marinho do que os cientistas pensavam ser possível.

Por Elizabeth Anne Brown
Publicado 7 de jul. de 2022, 18:18 BRT
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Um urso polar e seus filhotes atravessam uma geleira de água doce coberta de neve no sudeste da Groenlândia. Os ursos polares usam o gelo marinho para caçar focas, mas à medida que o Ártico se aquece, essas plataformas congeladas estão derretendo mais cedo. Como resultado, as geleiras costeiras podem ser a última morada dos ursos polares.

Foto de Kristin Laidre University of Washington

Segundo todos os relatos, não deveria haver ursos polares no sudeste da Groenlândia – mas aparentemente ninguém combinou com os ursos.

Embora excelentes nadadores, os ursos polares são fundamentalmente animais terrestres que subsistem quase inteiramente da vida marinha. Para conseguir isso, as enormes criaturas ganham a vida como predadores de emboscadas, esperando ao lado de rachaduras e buracos no gelo marinho que as focas usam para respirar.

Mas no sudeste da Groenlândia, a temporada de gelo marinho é inferior a quatro meses – “muito curta para os ursos polares sobreviverem”, diz Kristin Laidre, cientista da Universidade de Washington que pesquisa a ecologia animal do Ártico em colaboração com o Instituto de Recursos Naturais da Groenlândia. O que, então, explica a presença de ursos ali?

Uma geleira de água doce encontra o mar em um fiorde no sudeste da Groenlândia, proporcionando um habitat importante para os ursos polares em uma área sem gelo marinho a maior parte do ano.

Foto de Kristin Laidre University of Washington

Caçadores indígenas de subsistência na Groenlândia há muito sustentam que os ursos polares podem ser encontrados durante todo o ano nos fiordes até o extremo sul do país. Quando o governo da Groenlândia encomendou um estudo sobre a distribuição de ursos polares, Laidre e sua equipe seguiram mapas “inestimáveis” desenhados à mão de seus colaboradores inuits e identificaram ursos não estudados que viviam no sopé das geleiras perto do assentamento abandonado de Skjoldungen-Timmiarmiit, no sudeste da ilha.

Sua pesquisa, publicada na revista Science,  apresenta evidências de DNA de que cerca de algumas centenas de ursos nesta parte da Groenlândia são diferentes o suficiente de seus vizinhos para serem considerados a 20ª subpopulação – um grupo de animais dentro da mesma espécie que são geneticamente e geograficamente separados – dos 26 mil ursos polares do mundo. Dados de rastreamento de coleiras de rádio via satélite em 27 ursos também confirmaram que essa população sobrevive sem gelo marinho por três meses a mais do que os cientistas pensavam ser possível.

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    À luz disso, é tentador ler o estudo como uma nova esperança de que os ursos polares possam sobreviver com menos gelo marinho, mas os autores enfatizam que a conclusão não é que os ursos polares serão mais resistentes às mudanças climáticas do que se acreditava anteriormente. É que lugares como o sudeste da Groenlândia – onde o gelo das geleiras de água doce pode compensar o gelo marinho perdido – podem ser onde os ursos polares fazem sua última resistência.

    Urso de uma tarefa 

    Laidre, junto com Fernando Ugarte, do Instituto de Recursos Naturais da Groenlândia, e uma série de colaboradores internacionais, vasculharam 36 anos de dados de movimento e amostras de DNA para aprender o que torna os ursos diferentes. Os pesquisadores ficaram surpresos ao descobrir que os dados de localização revelaram um limite latitudinal a cerca de 64 graus ao norte. Os ursos que viviam ao norte da linha permaneceram lá enquanto as informações foram coletadas, e os ursos do sudeste ficaram ao sul, com pouca ou nenhuma mistura das populações.

    Enquanto seus primos no nordeste da Groenlândia percorrem uma média de dez quilômetros por dia em camadas de gelo marinho, os do sudeste ficam perto da costa em uma série de fiordes – enseadas longas e estreitas esculpidas por geleiras alimentadas pela calota de gelo da Groenlândia. Nos meses de verão, pedaços de gelo caem no oceano, criando o que os cientistas chamam de geleira de água doce, uma lama grossa que pode se compactar o suficiente para os ursos polares andarem – e caçarem.

    Laidre descobriu que alguns ursos ficavam em um único fiorde ou em alguns fiordes adjacentes por anos a fio, ocupando uma área de vida de apenas 10 ou 15 quilômetros quadrados. Isso é um selo postal em comparação com as áreas de vida da população do nordeste, onde um urso típico viajava mais de 1.400 quilômetros por ano através do gelo marinho.

    Ancestral comum 

    Análises de DNA obtidas em campo pela equipe de Laidre, de estudos anteriores e de amostras fornecidas por caçadores de subsistência, indicam que os animais do sudeste são os “ursos polares mais geneticamente isolados do planeta”, conta Laidre. Em outras palavras, eles estão menos relacionados com suas subpopulações vizinhas do que qualquer uma das 19 subpopulações reconhecidas estão com seus vizinhos.

    Mas como os dois grupos de ursos polares divergiram? Os pesquisadores dizem ver evidências de um “efeito fundador”, o que significa que a população do sudeste foi estabelecida por um pequeno número de indivíduos separados do grupo maior, e seus descendentes se cruzaram ao longo de gerações. A análise genética sugere que todos os ursos do sudeste amostrados compartilham um ancestral comum recente, cerca de duzentos anos atrás.

    O culpado mais provável por abandonar os ursos fundadores nos fiordes é a Corrente Costeira Oriental da Groenlândia, um enorme fluxo de alta velocidade para o sul ao longo das costas do leste da Groenlândia. O fluxo criou uma correia transportadora congelada de gelo marinho da costa nordeste que se decompõe em blocos menores à medida que vai para o sul.

    Veja como é a vida dos animais polares: 

    Todos os anos, diz Ugarte, pelo menos um punhado de ursos do nordeste são levados para baixo e ao redor do Cabo Farewell, o ponto mais ao sul da Groenlândia. Os relativamente afortunados são depositados no sudoeste, onde podem seguir para o norte e oeste para o Canadá. Os azarados se afogam no mar.

    “O que é interessante ou especial sobre essa nova população de ursos é que eles realmente parecem saber como lidar com isso”, destaca Ugarte. Onze dos ursos rastreados foram pegos pelas correntes e viajaram uma média de 180 quilômetros no gelo em menos de duas semanas – mas dentro de um mês ou dois, todos conseguiram voltar para seus fiordes nadando nas águas geladas e vagando por terra.

    Um refúgio, mesmo que apenas por um tempo  

    Andrew Derocher, professor de biologia da Universidade de Alberta que estuda ursos polares e o Ártico há mais de 40 anos e não esteve envolvido no estudo, diz que a pesquisa é “elegante” e “reuniu alguns resultados interessantes”.

    Ele acrescenta que não é uma revelação ver gelo glacial sustentando uma população de ursos polares na ausência de gelo marinho. Há o exemplo bem documentado de Svalbard, um arquipélago norueguês onde os ursos polares também foram encontrados estacionados em pequenas áreas de vida suplementadas por gelo glacial.

    Os cientistas preveem que, à medida que as mudanças climáticas remodelam o Ártico, as geleiras nos fiordes permanecerão intactas por mais tempo do que o gelo marinho, criando potencialmente refúgios – redutos temporários em meio a condições de vida desfavoráveis ​​– para espécies como os ursos polares que dependem do gelo para caçar.

    Mas isso não significa a “salvação dos ursos polares”, explica Steven Amstrup, cientista-chefe da organização de conservação Polar Bears International e ex-diretor de 30 anos de pesquisa de ursos polares do Alasca no Serviço Geológico dos Estados Unidos.

    Embora na imaginação do público o Ártico possa estar repleto de geleiras, grande parte do norte polar é composto pela tundra, planícies sem árvores que cobrem o solo congelado chamado permafrost. “Os reservatórios de gelo glacial de água doce do Ártico são principalmente a Groenlândia e Svalbard, com um pouco no extremo norte do Canadá”, diz Laidre. Essas misturas glaciais são incomuns no Ártico e não seriam capazes de suportar um grande número de ursos.

    Amstrup espera que a pesquisa “encoraje cientistas e gerentes a fazer algumas pesquisas sobre quais outras geleiras do Ártico” poderiam ajudar os ursos polares a se manterem por mais tempo.

    “Este estudo é realmente outra evidência da relação fundamental entre os ursos polares e a água coberta de gelo”, explica Amstrup. “Eles realmente se importam se esse gelo é água doce ou salgada? Provavelmente não, contanto que haja focas embaixo dela.”

    Mais uma subpopulação de ursos 

    Os autores do estudo argumentam que os ursos do sudeste da Groenlândia, em virtude de suas diferenças genéticas e separação geográfica daqueles do nordeste, devem ser reconhecidos como a 20ª subpopulação de ursos polares no Ártico.

    Em última análise, essa é uma questão para os especialistas em ursos polares, incluindo Lairdre e Derocher, da União Internacional para a Conservação da Natureza. Eles considerarão fatores como o número de ursos na população – que os cientistas ainda precisam definir – e se tentar gerenciá-los como uma população separada seria benéfico.

    Os autores do estudo veem a distinção genética dos ursos do sudeste como algo que deve ser conservado e protegido. Derocher e Amstrup não discordam, mas acrescentam uma nota de preocupação.

    “Meu palpite é que temos uma população pequena, endogâmica e isolada”, alerta Derocher, “e essas populações que conhecemos de outros estudos de grandes carnívoros são vulneráveis ​​à depressão endogâmica, episódios de doenças e apenas eventos demográficos aleatórios”.

    “Populações isoladas, de um contexto evolutivo, são tipicamente mais vulneráveis”, concorda Amstrup.

    “Esse tipo de isolamento e fragmentação genéticos é o tipo de coisa que provavelmente veremos muito mais no futuro, à medida que grupos cada vez menores de ursos persistem em áreas [mais distantes]”, diz Derocher.

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